Funções de soberania e despesa pública

Portugal gasta abaixo da média Europeia em Defesa e em bombeiros, gasta o mesmo que a média Europeia em Justiça e gasta acima da média Europeia com as polícias.

A discussão sobre a dimensão e eficiência do Estado normalmente foca-se no nível de despesa pública de Portugal. Temos muita ou pouca despesa pública? A comparação Europeia coloca Portugal com uma despesa corrente primária (DCP) (isto é, a despesa total excluindo os juros da dívida pública e o investimento público) de 39% do PIB, muito próximo, mas abaixo da média da UE (41%) e da zona Euro (42%) (gráfico abaixo, fonte dos dados: AMECO). A primeira conclusão que podemos tirar é que não gastando muito em termos Europeus, temos contudo, por regra, gastado mal. Digo isto porque basta observar os outputs e outcomes da despesa pública de Portugal com os dois países que estão mais próximos (Holanda e Alemanha). Olhando para a Holanda, país que conheço razoavelmente bem, gastamos praticamente o mesmo, mas em grande parte das áreas o Estado Holandês tem uma performance superior à do Estado Português. Talvez a área onde Portugal mais se aproxima é na Saúde (embora o sistema de saúde dos Países Baixos seja muitas vezes considerado o melhor do mundo, o sistema de saúde Português aparece também bem colocado nos rankings).

Contudo, olhando novamente para o gráfico, sou tentando a dizer que também gastamos muito, para além de gastarmos mal. Isto porque se não nos compararmos com os restantes 27 Estados Membros, mas sim com os países do sul da Europa (Espanha, Itália, Grécia, Chipre e Malta) e com os do Leste Europeu, Portugal é o 4º país com maior despesa corrente primária. E é com estes países que competimos no plano Europeu, pelo que é com estes países que nos devemos comparar. Se usarmos apenas os 17 países referidos, a média da DCP é de 36% do PIB. Isso implica que Portugal tem uma DCP 3 p.p. acima desta média. Curiosamente, para atingir o objetivo de um saldo estrutural de zero (hoje está acima dos 2%), Portugal precisa de reduzir despesa (ou aumentar impostos) em mais de 2 p.p.

Esta discussão reflete-se naquilo que tem sido debatido acerca dos recentes acontecimentos, primeiro com os fogos na zona de Pedrógão Grande e depois com o roubo de munições militares em Tancos. Muita gente tem criticado a falta de meios e de recursos em duas áreas fundamentais da atuação do Estado.

Mas será mesmo assim? Tem o Estado Português falta de meios nas suas áreas de soberania?

Comecemos por ver o que se passa na área da Defesa. De acordo com o Eurostat (embora no caso da Defesa haja algumas limitações de comparação dos dados, nomeadamente naquilo que é classificado como gasto com Defesa, a classificação usada — COFOG — permite apesar de tudo ter um nível de comparabilidade ainda assim significativo), Portugal gasta cerca de 1,2% do PIB em Defesa, um pouco abaixo da média Europeia (que é de 1,4%, muito abaixo dos 2% exigidos pela NATO). Estes 0,2 p.p. representam no caso Português menos 400 M€ de gasto anual com a Defesa.

Não há um benchmark fácil em termos de qualidade da despesa na área da Defesa. E sendo muito grave o que se passou em Tancos, a verdade é que as Forças Armadas têm sido capazes de prestar serviços em diversos palcos internacionais e de acudir a emergências em território nacional.


Já no que refere à Segurança, e medindo apenas as despesas com forças policiais, Portugal gasta 1,2% do PIB, o que está acima da média da UE (1% do PIB). Ou seja, aqui dificilmente podemos falar em falta de recursos, pelo que eventuais falhas poderão muito mais facilmente ser atribuídas a uma má gestão e alocação dos recursos. A boa performance em termos de segurança (1 homicídio e 7 assaltos por 100 mil habitantes colocam-nos como um dos países mais seguros da Europa) pode ser explicada por esta despesa adicional, mas será sobretudo explicada por fatores culturais e sociais.

Quando olhamos para os gastos com os bombeiros, e usando apenas os países do sul da Europa (onde a comparação faz sentido, dada a similitude climática), então Portugal gasta apenas 0,1% do PIB contra 0,2% de Espanha e Itália e 0,3% da Grécia. Embora o foco deva estar na prevenção, através de uma gestão ordenada do território, na vertente de combate a fogos aparenta haver alguma falta de recurso.

Por último, na área da Justiça (despesa com tribunais), Portugal gasta 0,3% do PIB com os tribunais, o mesmo que a média da UE. A má performance do setor dificilmente pode ser resultado de poucos recursos alocados, mas sobretudo a falhas de organização do sistema e a uma deficiente gestão dos recursos.

Em síntese, Portugal gasta abaixo da média Europeia em Defesa (menos 0,2% do PIB, ou seja, menos 400 M€) e em bombeiros (0,2% do PIB), gasta o mesmo que a média Europeia em Justiça e gasta acima da média Europeia com as polícias (mais 0,2% do PIB).

Temos assim que embora possa haver situações específicas de falta de verbas, os problemas com que as funções de soberania se deparam resultam sobretudo não de falta de recursos, mas sim de má gestão e alocação desses recursos.

É aqui que deveria começar a Reforma do Estado: ter um desempenho de excelência por parte do Estado nas áreas de soberania e de regulação/supervisão. Porque aqui não haverá privado para suprir as deficiências do público. Pelo contrário, aqui há falhas de mercado que só são supridas pela intervenção pública.

Só que as áreas de soberania não dão votos….

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