A pena do Reino Unido

  • Filipe Vasconcelos Romão
  • 10 Dezembro 2017

O Brexit expõe a discreta transferência massiva de competências para Bruxelas. Theresa May foi incumbida da gestão de um processo inédito para o qual ninguém estava preparado.

O Reino Unido é, hoje, a prova viva da complexidade da integração na União Europeia. Todo o seu processo de saída expõe de forma clara a discreta transferência massiva de competências para Bruxelas que os Estados têm levado a cabo ao longo dos anos. Se tivermos em conta que este país nunca pertenceu ao Espaço Schengen ou à zona euro, poderemos ter uma noção mais clara de que a UE é muito mais do que a livre-circulação de pessoas e do que a moeda única.

Os britânicos nunca foram europeístas convictos. Entraram para a então Comunidade Económica Europeia (CEE) em 1973 e dois anos depois já estavam a organizar um referendo acerca da permanência do país no então mercado comum. O único primeiro-ministro abertamente favorável à integração foi Tony Blair, no período entre 1997 e 2003, mas o alinhamento acrítico com George W. Bush na questão iraquiana levou-o à ruptura com franceses e alemães. A partir de 2008, a crise permite a expansão de várias ondas de cepticismo em relação à Europa. No caso do Reino Unido, irão fazer-se sentir também nos principais partidos. Os Trabalhistas, por um lado, abandonam a sua abertura a aprofundar a integração e a equacionar uma participação plena. Os Conservadores transformar-se-ão abertamente num partido eurocéptico.

O referendo de 2016 foi o corolário deste processo, motivado por uma necessidade de exibição de anti-europeísmo do então primeiro-ministro conservador. David Cameron pensou que poderia capitalizar duas posições contraditórias: manter o país na União Europeia e, em paralelo, organizar um referendo (em que seria aprovada a continuidade) para agradar os descontentes. Pelo meio, sonhou que iria obter melhores condições graças a um exercício de chantagem sobre as lideranças europeias em plena crise. Falhou estrepitosamente e, ao contrário do que alguma vez terá esperado, os britânicos votaram maioritariamente pela saída.

A partir desse momento, a política britânica passou a estar exclusivamente centrada na desconexão com a UE. Theresa May, sucessora de Cameron, foi incumbida da gestão de um processo inédito para o qual ninguém estava preparado. À medida que as semanas foram passando, os britânicos aperceberam-se de que sair de um espaço de integração económica, política e social seria bem mais complexo e mais caro do que lhes tinha sido garantido durante campanha eleitoral. A instabilidade apoderou-se do Reino Unido e, já este ano, a primeira-ministra convocou umas eleições em que perdeu a maioria, reforçou a liderança da oposição trabalhista e ficou refém de um partido unionista irlandês.

Em termos de negociações, o contexto dos últimos meses não poderia ter sido pior para Londres. No instante em que os britânicos votaram a saída, as lideranças europeias (e alemã) decidiram que só uma posição dura e punitiva nas negociações poderia inviabilizar novos abandonos da União. A vitória do europeísta Emmanuel Macron em França (que contribuiu, por agora, para diluir ameaças extremistas) e o cenário macro-económico fortaleceram Bruxelas. Na madrugada do último dia 8, May aceitou grande parte das exigências dos negociadores europeus. A fronteira irlandesa, os direitos dos residentes com cidadania europeia e o valor da compensação a ser paga pelo Reino Unido estão agora mais próximos de uma definição.

O enquadramento político está feito, mas as negociações técnicas irão arrastar-se durante vários meses. A grande incógnita está agora em saber qual será o modelo efectivo de relacionamento comercial entre a UE e o Reino Unido. O acordo nesta matéria poderá ser o principal meio para punir Londres. Uma abordagem dura e mais fechada tenderá a isolar comercialmente os britânicos no contexto europeu e a prolongar a sua crise económica.

O mais difícil está, assim, por fazer.

Nota: Por opção própria, o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico.

  • Filipe Vasconcelos Romão
  • Presidente da Câmara de Comércio Portugal – Atlântico Sul e professor universitário

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