Hoje é o dia D… BRS

  • Margarida Peixoto
  • 21 Outubro 2016

Hoje a DBRS decide o rating que atribui a Portugal. Para isso usou uma lista de, pelo menos, 107 indicadores sobre a economia nacional. Mas não são só os números que contam. Há mais.

Quando a DBRS publicar, esta sexta-feira ao final do dia, o rating que atribui a Portugal, os peritos da agência vão ter na mão uma ficha com mais de 100 indicadores sobre a economia nacional. Sim, leu bem: são mais de 100, o ECO contou, pelo menos, 107. Mas, sobre os números há, como a própria agência sublinha, uma “análise qualitativa”. Saiba o que conta para a decisão do rating de Portugal.

Antes de mais, importa explicar a atenção que é dada em Portugal a esta agência de rating canadiana. Não é por ser muito representativa — a Standard & Poor’s, Moody’s e Fitch dominam o mercado de rating — mas antes porque é a única agência de notação financeira que coloca Portugal no nível de investimento. Com isso, permite que o país se qualifique para participar no programa de compra de títulos de dívida do Banco Central Europeu e, em última análise, beneficiar de custos de financiamento mais baixos.

Mas quando uma agência de rating avalia o risco de crédito de um país, ao que é que está realmente atenta? Melhor: o que determina a decisão da DBRS sobre a República portuguesa?

“A DBRS olha mais para o médio prazo”, garante um especialista ao ECO. “Querem diferenciar-se das restantes agências como sendo a que mantém maior estabilidade na notação de crédito. E por isso demoram mais tempo a ajustar o rating, quer para descer, quer para subir”, explica.

A convicção deste analista é que antes de mudar o rating, ou mesmo o outlook (que neste momento está em ‘estável’), a DBRS vai preparar o mercado com vários avisos. Primeiro nos relatórios, depois nos meios de comunicação. E só depois destas expectativas estarem criadas fará alguma alteração no rating.

Esta preferência pelo longo prazo está assumida no documento onde a agência canadiana explica a sua metodologia: “A DBRS vai genericamente ser mais reativa a alterações estruturais nos fundamentais do crédito atribuído a um emitente de dívida, do que a alterações nas condições económicas cíclicas.”

Traduzindo para a realidade portuguesa, quer dizer, por exemplo, que mudanças de poucas décimas no défice orçamental num determinado ano contam pouco se a tendência da dívida se mantiver de subida.

Os 107 indicadores para avaliar um país

Os critérios da DBRS estão divididos em seis categorias:

  1. Gestão orçamental e de políticas;
  2. Dívida e liquidez;
  3. Estrutura económica e performance;
  4. Política monetária e estabilidade financeira;
  5. Balança de pagamentos;
  6. Ambiente político.

Para analisar cada uma delas, a DBRS recorre a dezenas de indicadores. A lista, não exaustiva, pode ser encontrada aqui. É composta por um total de 107 indicadores, que vão desde a dívida bruta da economia, ao lugar ocupado no ranking do Banco Mundial, Doing Business, por exemplo.

Já agora, vale a pena dizer que a dívida bruta da economia, excluindo o setor financeiro, atingiu os 719,6 mil milhões de euros em agosto e que Portugal está no 23º lugar da edição de 2016 do ranking Doing Business.

Depois, é atribuída uma pontuação a cada categoria, que varia de 1 a 10, em que quantos mais pontos reunidos, maior é o risco de incumprimento. Por fim, somam-se os pontos de cada categoria — em teoria, a avaliação pode ser no máximo de 60 pontos, mas a agência avisa que “é extremamente improvável que um país obtenha uma pontuação tão fraca”.

Além do mais, os pontos não dizem tudo. “Tendo em conta que a importância dos fatores de risco pode variar, as decisões do comité de rating podem diferir por muitos graus dos resultados gerados pelo quadro de pontuações”, assume a agência.

A esta hora o Governo já sabe; mas o resto do país saberá ao final do dia, depois de os mercados europeus fecharem, se o país mantém a pontuação de BBB (low), atribuída na avaliação de abril. Supostamente, para isso terá de conseguir uma pontuação melhor do que 30 pontos — ou seja, tem de estar na parte superior da tabela. A menos que a análise qualitativa corrija os resultados da matemática.

O crescimento (ou a falta dele) debaixo dos holofotes

“Eles [Portugal] estão verdadeiramente num ciclo vicioso, presos em baixo crescimento e têm problemas estruturais grandes”, disse Fergus McCormick, economista-chefe da DBRS para a economia portuguesa, em declarações ao Financial Times, a 6 de outubro.

“A fraqueza está mais do lado da atividade económica, é maior a nível de crescimento do que a nível orçamental, a esta altura do campeonato”, sublinhou Fergus, ao ECO, no mesmo dia.

“A nossa preocupação prende-se mais com os problemas subjacentes que travam o crescimento”, disse ainda o responsável da DBRS ao Politico, avisando que as tão necessitadas reformas estão a ser “limitadas pela política”.

Serão estes os avisos de que os analistas falam? Segundo os critérios da DBRS, a análise à estrutura económica e performance faz-se através de dois grandes conceitos: o crescimento económico e a produtividade, por um lado, e a resiliência económica e a flexibilidade, por outro.

Aqui, os trunfos de Portugal podem ser curtos. O Governo tinha projetado um crescimento de 1,8% para 2016 — afinal não irá além dos 1,2%. Para o próximo ano, o desempenho será pouco melhor: a estimativa do Executivo aponta para 1,5%.

Estes números são particularmente importantes porque surgem conjugados com uma dívida pública que deverá subir este ano para valores perigosamente perto dos 130%. Para o ano, a promessa é que desça para 128,3%.

Dívida pública continua a subir

Fonte: Banco de Portugal
Valores em milhões de euros. Fonte: Banco de Portugal

Será que a DBRS vai ler prudência no cenário macroeconómico — uma interpretação que pode jogar a favor da República — ou fracasso na estratégia de crescimento?

Ao ECO, numa entrevista dada a 6 de outubro, Fergus defendeu que “um bom ponto de partida para todos os Orçamentos do Estado é ter objetivos realistas” e reconheceu que, em parte, a travagem na recuperação do ritmo da atividade económica se justifica pelo desempenho fraco de toda a região do euro, bem como de importantes parceiros extra-comunitários.

Também lembrou que a taxa de produtividade “cresceu 0,3%”, abaixo dos custos laborais, o que ajuda a “promover a competitividade da economia portuguesa”.

Contudo, ao FT, disse: “Não estamos em pânico”, e continuou “temos uma tendência estável, mas preocupo-me com o médio prazo para Portugal”.

O que antecipam os mercados?

Tendo em conta o comportamento dos juros no mercado secundário, a expectativa aponta para a manutenção do rating. Na semana que se seguiu à apresentação do Orçamento do Estado para 2017 e em que se espera pela decisão da agência canadiana, os juros estão a corrigir em baixa.

Juros descem depois do OE/2017 e na semana da DBRS

Fonte: Bloomberg
Fonte: Bloomberg

Numa nota de análise, o departamento de research do BPI defende que “há alguma incerteza, com uma pequena probabilidade de o outlook ser revisto em baixa para negativo”.

Ainda assim, o mesmo documento sublinha que “quando se analisa as contas públicas portuguesas, não há sinal aparente de qualquer deterioração do risco, tornando um downgrade do rating improvável”.

Seja como for, a decisão não são favas contadas por causa dos tais avisos que foram sendo dados. Além disso, foi há pouco mais de um mês que Mário Centeno, ministro das Finanças, se viu confrontado pela CNBC sobre a possibilidade de Portugal ter de pedir um segundo resgate internacional. “Faremos tudo o que pudermos para evitar um segundo resgate”, disse o ministro.

E se a decisão for negativa?

Se a decisão for má para Portugal — e uma revisão em baixa do outlook chega para ser considerado uma má decisão — o país paga o preço.

É provável que a desconfiança dos investidores aumente, que o apetite pela dívida nacional diminua e que, por isso, o prémio de risco a pagar pelo financiamento nos mercados suba.

Imaginando o cenário mais negativo de todos, em que Portugal deixa de ter uma notação dentro do nível de investimento, “os títulos de dívida portugueses deixariam de ser elegíveis”, conforme reafirmou Mário Draghi, presidente do BCE, na conferência de imprensa depois da reunião de decisão de juros.

Por isso, “a consequência imediata seria o aumento do prémio de risco de Portugal e a subida dos custos de financiamento da República e das empresas portuguesas”, antevê Marisa Cabrita, gestora de ativos da Orey Financial. “Numa fase posterior, seria de esperar um aumento da desconfiança, consequente redução do crescimento económico e possível aumento do défice”, acrescenta.

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