Editorial

O industrial independente que não deixava prisioneiros

Pedro Queiroz Pereira (1949-2018) era um verdadeiro industrial. Direto, frontal, independente, PêQêPê deixa um dos maiores grupos empresariais, mas deixa sobretudo uma forma de estar.

Pedro Queiroz Pereira desapareceu este sábado, 18 de agosto de 2018, com 69 anos. É o desaparecimento de um verdadeiro industrial, porque foi sempre aqui, na indústria, que PêQêPê, como é reconhecido por todos desde os tempos dos rallies, quis estar. E esteve, sempre nas suas condições, que garantia com maior ou menor celeridade, sempre sem deixar prisioneiros (já lá vamos). Ganhou muitos negócios, perdeu alguns, mas só ficava naqueles em que acreditava, à sua maneira. A alternativa era sair.

O empresário – sempre se intitulou assim, empresário, e não gestor – marcou uma época da vida do país. Na linha de Belmiro de Azevedo e Américo Amorim, nunca foi um personagem fácil, nem sequer consensual. Também nunca procurou esse consenso, antes os resultados, suportados numa estratégia que definiu lá atrás, quando, regressado do Brasil, olhou para os cimentos e para a floresta. Construiu um dos maiores grupos industriais do país, o grupo Semapa, com as posições de controlo da Secil e da Navigator (antiga Portucel), sem procurar confrontos, mas também sem fugir a eles. E quando os teve, e foram alguns, dentro e fora da família, levou-os até ao fim. Coragem, é o substantivo. Foi o que aconteceu, por exemplo, com Ricardo Salgado. Depois de anos de guerras surdas, porque desconfiava das verdadeiras intenções do antigo presidente do BES, que de resto o tempo lhe viria a dar razão, PêQêPê fechou, com um comunicado de 17 linhas, uma relação das duas famílias que vinha de 1937. Assim. Sem apelo nem agravo. Clarificou-se o poder, e quem mandava no grupo era PêQêPê. E, resultado de um dos maiores conflitos empresariais e familiares do pós-25 de abril, pode dizer-se, com a informação que existe hoje, que foi um dos principais contribuintes para a queda do banqueiro. Também para a higienização do país.

Pedro Queiroz Pereira sempre acreditou em Portugal, medido no investimento, não por caridade, por convição no sucesso dos negócios, em fazer. Mas as relações com os sucessivos governos nunca foram fáceis. E viu-se nos últimos anos um certo desencanto do empresário. Já fora da gestão executiva – tratou cedo de profissionalizar a gestão do grupo -, mantinha uma presença ativa, e exigente, nas empresas. E não havia gestor que fizesse alguma coisa sem o consultar previamente. Em 2016, com a geringonça no poder, concedeu uma entrevista em que admitia deixar de investir em Portugal por causa das anunciadas medidas restritivas à florestação de eucalipto, a matéria-prima para a pasta de papel das celuloses. Nunca terá verdadeiramente considerado tal hipótese, mas na sua última comunicação aos acionistas, alertava para o que estava (e está) a ser feito do ponto de vista económico: “Em vez de se melhorar os nossos fatores endógenos de competitividade, se torna cada vez mais difícil a vida das empresas produtivas e mais arriscados os investimentos. Quando, um pouco por todo o lado, renascem, sob formas mais ou menos encapotadas, barreiras protecionistas, bem se dispensava este levantar artificial de obstáculos internos. Decididamente, não parece ser este o caminho para evitar a desindustrialização”.

O país perdeu um dos seus maiores industriais. O grupo fica, a sucessão foi preparada, há um ‘family office’ para gerir o património empresarial, avaliado pela revista Exame em mais de 790 milhões de euros, nas mãos das suas três filhas, Filipa, Mafalda e Lua. Outra coincidência, três mulheres na linha de sucessão, como acontece com Américo Amorim e, dentro em breve, com Belmiro de Azevedo. Mas ficam sobretudo os valores que fizeram a construção deste grupo industrial. A independência, a permanente disponibilidade para arriscar, para investir, para negociar, a total indisponibilidade para fazer concessões.

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