A TSU é um saco de pancada

A quinze dias da apresentação do Orçamento do Estado para 2019, sabe-se que o PS também quer utilizar a TSU para dissuadir as disparidades salariais.

Há meses, soube-se que o Partido Socialista (PS) pretendia aumentar a taxa social única (TSU) às empresas que evidenciassem maior rotação laboral e maior incidência de trabalhadores com contratos a prazo. Agora, a quinze dias da apresentação do Orçamento do Estado para 2019, sabe-se que o PS também quer utilizar a TSU para dissuadir as disparidades salariais. Trata-se de uma versão moderada do leque salarial pretendido pelo Bloco de Esquerda e pela ala mais à esquerda do PS, mas não deixa de configurar a TSU como arma de arremesso, neste caso, contra as empresas.

É dos livros de ciência política que os impostos dirigidos às empresas são os impostos politicamente mais convenientes. São os menos impopulares porque recaem directamente sobre um menor número de pessoas individuais, porque recaem sobre os proprietários das empresas e não sobre o público em geral. Como também é sabido, a lógica política assenta numa lógica de conveniência, de ocasião, por isso, como os proprietários das empresas são em número relativamente escasso, representando poucos votos directos, é sempre preferível taxar o capital e, de preferência, o grande capital, esse grande malvado.

Em teoria, a TSU não é bem um imposto. A TSU é uma contribuição social que, no entanto, é na prática o equivalente a um imposto. Mas é uma receita parafiscal que tem uma função bem definida, a de financiar prestações sociais. Assim, a sua definição deveria partir da despesa expectável com prestações sociais associadas ao sistema contributivo, designadamente com pensões em pagamento e a pagar no futuro. Mas não é o caso da proposta do PS. O objectivo desta alegada proposta é distinto: ela pretende dissuadir as disparidades salariais. Só não se percebe o que é que a TSU tem a ver com isso.

As pensões são o reflexo da carreira contributiva e esta encontra-se associada ao histórico salarial de cada um. Mas está por demonstrar a relação entre a disparidade salarial e o objectivo perseguido pelo PS em matéria de pensões. Aliás, que objectivo é esse? É aumentar a sustentabilidade do regime contributivo? É aumentar o valor médio das pensões? Enfim, na ausência de respostas, como é o caso, falta o elo que torne lógica a utilização da TSU para aquele propósito. Sendo o nexo inexistente, a proposta torna-se incompreensível. Enche as páginas dos jornais, porque aparenta uma espécie de relação entre a TSU e os salários, mas, como se diz em linguagem popular, não bate a bota com a perdigota.

Não é a primeira vez que a TSU é utilizada como arma de arremesso. O anterior governo teve dos seus momentos mais infelizes quando quis baixar a TSU paga pelas empresas por contrapartida do aumento da TSU paga pelos trabalhadores. Então, foi uma arma de arremesso jogada contra os trabalhadores. Todos estamos recordados do levantamento nacional que o anúncio da medida gerou e até hoje subsistem sérias dúvidas quanto à credibilidade do estudo que à época se citou para justificar a medida do ponto de vista técnico. Com este governo, a situação repete-se, mas desta feita o intuito é castigar as empresas.

Nunca é de mais recordar que são as empresas que criam valor acrescentado. O PIB é o somatório do valor acrescentado bruto das empresas e serve para remunerar o trabalho, o capital e, cada vez mais, também o Estado. Deste modo, o Estado não tem nada que condicionar as políticas internas de gestão das empresas através de medidas intrusivas como a introdução de TSUs agravadas para penalizar a rotação laboral ou a disparidade salarial. Ainda se também fosse para beneficiar as empresas que qualificassem bem aos olhos do governo, mas nem isso. O objectivo no fim do dia é mesmo comezinho: trata-se de angariar mais dinheiro para o Estado que, enquanto fiel depositário da TSU, nem sequer deveria poder apoderar-se daquele dinheiro.

Efectivamente, se há rotação laboral é porque as empresas, a fim de contornarem os elevados custos indemnizatórios do passado e a impossibilidade do despedimento individual, foram incentivadas durante décadas ao estabelecimento de contratos a prazo. Se há disparidade salarial, é porque durante décadas as desigualdades de educação, num país desde sempre dominado pelo ensino público, conduziram em Portugal a elevados prémios salariais a partir de certos níveis de instrução (e conduziram também, decorrentes da impreparação, a más práticas de gestão, entre as quais uma desigualdade salarial excessiva em certos casos). Mas se o Estado está na génese do problema, é porque o Estado faz parte do problema e não da solução. Na TSU como em variadíssimas outras situações.

Nesta matéria não há meios termos: ou aceitamos que as empresas respondem a incentivos e que devem ser responsabilizadas pelas suas opções, ou aceitamos que o Estado deve poder intervir em tudo o que é privado. A primeira via pode levar a situações com as quais individualmente possamos não concordar, mas é a avenida da livre iniciativa e da tolerância. A segunda, pelo contrário, é a avenida do totalitarismo. É o modelo em que uns desenham a regra e esquadro o que os outros devem fazer, frequentemente ditando aos outros o que não chegam a fazer para eles próprios. Para mim, não há hesitação possível: sou pela primeira. Pela liberdade de poder escolher e, também, pela liberdade de poder errar. É assim que as sociedades progridem.

Nota: O autor escreve ao abrigo do antigo acordo ortográfico

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