Estradas: seguimos a alta velocidade contra um muro

  • António Almeida Henriques
  • 1 Dezembro 2018

Há 92 milhares de quilómetros pelo país fora que estão entregues à responsabilidade das autarquias mas para cuja manutenção estas não têm recursos financeiros.

Afinal, quem está a cuidar das nossas estradas e da segurança dos que nelas circulam? A dúvida entrou na agenda pelo pior dos motivos: a tragédia no Concelho de Borba, depois de ter abatido parte de uma estrada ladeada por pedreiras.

Não vou, naturalmente, pronunciar-me sobre o caso concreto, já que as responsabilidades que possam existir serão apuradas pelas autoridades competentes.

Mas é importante reflectir sobre o modelo de manutenção das estradas, a articulação entre as várias entidades responsáveis e a forma como competências são transferidas entre várias áreas da Administração Pública, sobretudo entre o Estado Central e os municípios.

O contexto é de conhecimento geral. Até ao início desta década a construção de infraestruturas rodoviárias foi uma prioridade da generalidade dos Governos. Umas mais necessárias do que outras, algumas de urgência óbvia e outras supérfluas, o certo é que o país ficou dotado de uma rede viária que, nalguns locais, pode até pecar por excessiva — embora noutros seja deficitária, como é o caso da ligação entre Coimbra e Viseu.

Mas essa aposta na construção não foi acompanhada da criação de modelos e de sistemas de financiamento sólidos e estáveis que permitam agora proceder à manutenção de estradas e pontes por todo o país. E é isso que é necessário acautelar com rapidez para que tragédias como a de Borba não venham a repetir-se.

Há algum tempo que a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) tem alertado para a falta de qualidade da manutenção das estradas. Este é um problema que os autarcas bem conhecem, porque há 92 milhares de quilómetros pelo país fora que estão entregues à responsabilidade das autarquias mas para cuja manutenção estas não têm recursos financeiros.

E o problema existe por várias razões.

Primeiro, uma descentralização de responsabilidades mal feita. Transferir estradas cuja responsabilidade era da Infraestruturas de Portugal, dependente directamente do Governo, para a alçada das autarquias é fácil. Mas fazê-lo sem uma correspondente transferência de recursos financeiros que permita fazer uma manutenção adequada não só é politicamente inaceitável como não garante o que é essencial: a qualidade das infraestruturas de forma a maximizar a sua utilidade económica e social e garantir a segurança das populações.

Os orçamentos correntes das autarquias não permitem que haja capacidade para fazer um programa de manutenção de estradas estruturado, que tem custos elevados.

Depois, verifica-se a sobrecarga de muitas estradas secundárias por efeito do desvio de tráfego de auto-estradas, sobretudo de veículos pesados de mercadorias, para evitar o pagamento de portagens. Isto acelera a natural degradação das estradas e obriga a maiores investimentos na sua manutenção. Mas se alguns destes encargos recaem sobre as autarquias, as receitas das portagens não são partilhadas do mesmo modo.

Para se ter uma ideia do que está em causa, olhemos para a composição da rede rodoviária nacional de acordo com a classificação do Plano Rodoviário Nacional 2000.

A rede viária é composta por 108.500 quilómetros de estradas. Destes, 85% (92.000 kms) são estradas municipais. Os restantes 15% (16.500 kms) são estradas nacionais ou regionais da responsabilidade da Infraestruturas de Portugal (inclui as auto-estradas concessionadas a privados e as estradas nacionais e regionais de gestão directa).

Como receitas, a IP tem as portagens, a Contribuição do Serviço Rodoviário que incide sobre os combustíveis, o licenciamento de acessos e outros serviços cobrados (como a publicidade junto às estradas). Os municípios dispõem de receitas próprias de parquímetros, licenciamento de acessos e receita do Imposto de Circulação Automóvel (IUC).

A rede nacional tem os seus custos cobertos em 64% com aquelas receitas, enquanto a rede municipal tem apenas 50% dos custos cobertos pelas receitas designadas.

Ainda esta quarta-feira, dia 28 de Novembro, foi publicado mais um decreto que transfere para os municípios mais 4.300 kms de estrada que estão dentro dos perímetros municipais e que, neste momento, são da responsabilidade da IP.

Mas esta transferência é feita pela metade: só se transferem os activos e respectivos encargos, sem que esteja prevista ou sequer acordada a equivalente transferência financeira para fazer face aos custos de manutenção.

É fácil de perceber que nesta matéria seguimos a velocidade elevada contra um muro.

Para evitar isso, a ANMP já propôs ao Governo a criação de um fundo exclusivamente dedicado à reabilitação e manutenção das estradas e pontes. Esse fundo deveria ser financiado, entre outras verbas, por uma percentagem das receitas de impostos sobre os combustíveis e também das portagens. Este fundo deverá estar também ao serviço dos municípios em função da rede viária e respectivas necessidades de manutenção.

Em tempo útil, os autarcas propuseram também um programa nacional com acesso a uma linha do Banco Europeu de Investimentos até 2030. A proposta da ANMP foi feita no decurso dos contributos para a reprogramação dos fundos comunitários mas não foi acolhida.

O que não pode manter-se são estas tentativas de descentralização de competências, funções e encargos sem que sejam desenvolvidos os modelos de financiamento e de transferências de recursos adequados e estáveis. Essa será uma forma de desresponsabilização do Estado central que não trará bons resultados às populações.

O problema agrava-se quando se verifica que mesmo muitas estradas sob a responsabilidade da Infraestruturas de Portugal estão com níveis de degradação inaceitáveis.

Infelizmente sei do que falo porque conheço bem o estado em que está o IP5 no troço que atravessa o Concelho de Viseu. Foi praticamente abandonado desde que foi concluída a A25 que liga Aveiro a Vilar Formoso, mas continua a ser utilizado diariamente por milhares de condutores.

É urgente definir mecanismos, competências e recursos porque o ciclo de vida das infraestruturas construídas em força nas décadas de 1990 e 2000 já atingiu o momento em que há necessidades de manutenção importantes.

E mais vale prevenir do que remediar.

  • António Almeida Henriques
  • Presidente da Câmara Municipal de Viseu

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Estradas: seguimos a alta velocidade contra um muro

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião