Capitalismo Light

Uma nota de abertura sobre o Orçamento. Segundo o filósofo e geógrafo grego Estrabão, a Ibéria tem a forma da pele bem estendida de um touro. Nada de mais superior do que o comentário de um clássic

No porto de Mombasa, no Quénia, o Forte de Jesus, na sua imponência ocre, guarda as águas do Oceano Índico. Perturbando a poeira do ar por entre as altas palmeiras, minaretes e arranha-céus, permanece como símbolo dos grandes Impérios Europeus. Em 1505, uma armada portuguesa toma a cidade e o Forte representa o selo da propriedade e do comércio. Para muitos historiadores, a chegada de Portugal a África é assinalada como o início da História do Continente. E quando se observa o passado anterior a 1505, África assemelha-se a uma zona geográfica desconhecida, uma zona branca partilhada pelos mistérios de um Mundo ainda por explorar. Em 1830, esta interpretação levou Hegel a acreditar que “África não seria parte da História do Mundo”. Teses coloniais e pós-coloniais em repouso, para outros historiadores, a chegada dos Portugueses a África representa o “fim da História”, uma interpretação extensiva do conceito de Fukuyama, e em que a presença dos Europeus representa a violenta destruição de uma verdadeira idade de ouro de uma Civilização de matriz Africana. Apesar da monumentalidade do Forte de Jesus e de outras relíquias coloniais, pouco ou nada permanece desse Mundo remoto que captou os cofres e a cobiça dos Portugueses no século XVI. Os Palácios e as Mesquitas construídas em coral atraíam mercadores vindos de todas as direcções do Índico para negociarem especiarias persas, cristais de Veneza, porcelana da China, tudo em troca de escravos e de ouro que misteriosamente chegavam das profundezas do Continente. Os Portugueses não se encantaram pelos bairros feitos de sal, nem pelos Palácios feitos de relva, queriam e estabeleceram o monopólio do comércio, a grande rota da Globalização, a lógica do lucro que haveria de ser o impulso da visão capitalista.

Se os Portugueses estão na origem de um “capitalismo predador”, que dizer dos grandes predadores do século XXI? Pode começar-se pela observação do grande acrónimo GAFA – Google, Apple, Facebook, Amazon. E se ao grupo se juntar a Netflix, então o acrónimo ganha uma dimensão absolutamente sinistra – FAANGs. Um acrónimo com presas afiadas, bem apropriado para a descrição de um conjunto de companhias que têm um comportamento agressivo e perturbador do mercado. Embora, e se todas de alguma forma, estão sob pressão dos analistas económicos e reguladores políticos, não se consegue adivinhar acções que controlem as práticas das FAANGs, nomeadamente, legislação para contrariar a formação de monopólios e restabelecer a livre competição do mercado. As grandes empresas tecnológicas fazem hoje parte da paisagem natural da vida moderna, são os grandes Palácios da Felicidade, geram todas as ilusões do capitalismo projectadas num horizonte infinito de possibilidades e numa planície colorida sem custos. A dificuldade em regular estas companhias deriva precisamente do facto dos seus serviços serem disponibilizados sem custos para o consumidor. Como aferir dos danos de um monopólio quando não existe literalmente um “price tag”? Este é o motivo próximo pelo qual ninguém organiza marchas contra as grandes tecnológicas. Mas o preço existe e é astronómico – a extinção do mercado tradicional com consequências no emprego e no urbanismo das cidades; a revolução nos media; o controlo e exploração dos dados pessoais; a perturbação de um “capitalismo de plataforma” projectado ao longo de toda a cadeia de mercado; o impacto de uma “economia da distracção” sobre a “economia da produção”; o efeito das redes sociais no comportamento individual, mais a manipulação de notícias e a ingerência em processos políticos democráticos. Os serviços prestados pelas grandes tecnológicas são “bens desejados” que revelam sofisticação, status, e não “bens de necessidade”, daí a completa colaboração dos consumidores neste Admirável Mundo Novo.

O produto do “venture capital” transforma-se na realidade contemporânea de um venerável “vulture capitalism”. Entre o risco e a rapina, o capitalismo sofre nova metamorfose agora numa configuração que pode ser designada por “vampire capitalism” – insaciável, manipulador e que domina pela alienação do auto-elogio e da sedução. Existe certamente uma app que reproduz a Geografia de Estrabão, que replica ao detalhe a Mombasa quinhentista e a devastação do progresso criado pelos Portugueses, tudo nos tons frágeis e violentos de uma folha de Outono em pleno Oceano. Powered by Android.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Capitalismo Light

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião