A gestão de crise

O que se passa com a Boeing, um gigante da aeronáutica tido como indestrutível, deve ser um exemplo nestes tempos de corridas desenfreadas para tudo.

  1. O mais difícil numa gestão de crise é enfrentar o erro, dar dois passos atrás e assumir as consequências. Por mais elevadas que sejam. Um dano reputacional na indústria da aviação – que vive da credibilidade e da confiança – é como colocar sal numa ferida. E esfregar com toda a força!

    Mesmo num America First de Donald Trump não há lugar a patriotismos arriscados: Depois da decisão europeia, precedida pela China e inflamada pela guerra comercial em curso, foi o próprio presidente a reverter uma decisão do regulador nacional e a proibir os voos do Boeing 737 Max. Nem um telefonema do CEO o demoveu: Um problema na América acabaria com as expectativas para um segundo mandato. Por vezes, a política ainda manda mais do que a economia.

  2. Podia ser apenas uma coincidência, um cisne negro, dois acidentes em menos de 5 meses. Dados de satélite provam que não, que há similitudes entre o que se passou na Ásia e com o avião da companhia etíope. A Boeing sentiu-se empurrada por investimentos colossais, contratos milionários a serem fechados debaixo da pressão dos objetivos e a voragem económica tão típica dos dias de hoje. Vai cair na bolsa ainda mais, à medida que cheguem sucessivos pedidos de indemnização de companhias aéreas que reforçaram as frotas com o novo modelo. E que agora não voam! Vai estar ainda mais vulnerável aos pedidos das famílias das vítimas e demorará anos a recompor-se. Se é que o vai conseguir.
    Quando se vende uma ideia de segurança, há fronteiras que não se cruzam. O pior para o negócio é ser-se um pária. A Boeing está a caminho do ser. O que se passa com este gigante da aeronáutica, tido como indestrutível, deve ser um exemplo nestes tempos de corridas desenfreadas para tudo.
  3. Por uma nesga – sim, q-u-a-t-r-o deputados – o Reino Unido escapou a uma saída desordenada da União Europeia. Quase metade dos parlamentares britânicos estariam dispostos a revolucionar as fronteiras com controlos alfandegários capazes de desarticular tudo o que são fluxos entre países: medicamentos, legumes, frutas, eletrónica, componentes automóveis, sapatos, enfim, tudo o que se possa imaginar. Quilómetros de fila para camiões de mercadorias, uma economia deslaçada, supermercados vazios e uma enorme angústia empresarial. E já daqui a duas semanas!
    Se na altura do referendo – ainda em 2016, já lá vão quase três anos de avanços e recuos -, empurrada por uma euforia nacionalista e libertária, a economia do Reino Unido cresceu 1,9%, desde então o ímpeto quebrou e tem registado os valores mais fracos desde 2012.
  4. Mais uma semana esquizofrénica de Brexit provou que Theresa May já nada manda no seu partido e está, ela própria, em processo de dissolução, incapaz de fazer os membros do seu gabinete cumprirem uma orientação própria. Mas a maior perversão pode estar ainda a chegar: a permanência do Reino Unido na União Europeia nunca foi tão verosímil. Num jogo labiríntico e tortuoso estamos a ficar sem soluções: o segundo acordo para uma saída concertada foi chumbado; o mesmo parlamento rejeita uma saída sem acordo; a União Europeia assegura que nada mais tem a negociar.

    Contas feitas, resta adiar a saída. Pelo menos, para já. Nesta equação em que todas as variáveis já foram esgotadas só falta introduzir mais uma incógnita: marcar um novo referendo e expiar, de uma vez por todas, a ingenuidade de David Cameron!

  5. O Presidente da República cumpriu mil dias de mandato. A legislatura está a chegar ao fim e o Governo conseguiu aprovar três orçamentos, o que muitos duvidavam ser possível. A fórmula executiva não é da sua responsabilidade, mas a estabilidade, e um distender do ambiente político, têm um indubitável cunho pessoal.

    Em entrevista ao jornal das 8 de segunda-feira, na TVI, questionado sobre o que falta a Portugal para ser um país mais desenvolvido como outros países europeus, Marcelo Rebelo de Sousa avaliou, indiretamente, o seu trajeto como presidente: Faltam consensos de regime, porque é incompreensível em matérias fundamentais como a Justiça, a Saúde e a Educação haver sempre a tentação de mudança de governo para governo; Falta uma verdadeira reforma do Estado; Falta fortalecer a sociedade civil.
    No fundo, quase tudo ao contrário do que temos visto nos últimos 4 anos.

  • Jornalista. Subdiretor de Informação da TVI

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