Já podemos falar das progressões automáticas no Estado?

Depois do teatro dos últimos dias, deveríamos ter aproveitado esta longa discussão sobre as carreiras dos professores para a progressão automática das carreiras da função pública.

O teatro destes últimos dias tem por trás um tema bastante sério. Não deixa de ser irónico que precisamente cinco anos depois do fim do resgate, o assunto mais importante da politica portuguesa seja a remuneração dos professores. Poderiam ser outros temas como redução de impostos ou um défice menor, mas acabamos reduzidos à progressão na carreira de 100 mil trabalhadores da função pública.

Até se poderia ter aproveitado esta longa discussão sobre as carreiras dos professores para a progressão automática das carreiras da função pública, mas nem mesmo com um violento programa de ajustamento foi possível rever esta enorme injustiça dos trabalhadores do Estado face aos do privado. Ou seja, como dizia Medina Carreira, o Partido do Estado continua a ser de longe o mais importante.

As progressões automáticas para a maioria das carreias da função pública remontam (pelo menos) ao início dos anos 90. Entre 2005 e 2007, José Sócrates, congelou-as para professores e restantes setores e voltou a fazê-lo no memorando de entendimento assinado com a Troika, usando como argumento a necessidade de por as finanças publicas em ordem, primeiro para reduzir o défice para menos de 3% do PIB e depois devido a urgência. Passado o programa de ajustamento, Passos Coelho manteve o congelamento já que défice se mantinha ainda acima de 3% e a dívida pública em trajetória ascendente.

António Costa ainda manteve o congelamento, mas com um défice próximo de 0% e com toda a retórica construída pela atual maioria de que se virou a página da austeridade foi perdendo argumentos para o fazer. Assim, em dezembro de 2017 e antes da entrada em vigor do Orçamento do Estado de 2018, o PS, PCP e Bloco de Esquerda, aprovaram na Assembleia da Republica uma resolução bastante semelhante à que foi aprovada na passada quinta feira.

Ora, à medida que se torna mais evidente que não se virou a pagina da austeridade – algo que será ainda mais evidente à medida que a atividade económica for abrandando, também se torna mais evidente que a geringonça não serve para os próximos quatro anos. Não só as exigências do BE e do PCP serão cada vez maiores como também o espaço para mais cedências será cada vez menor.

Posto isto, quais a opções do PS? Tenta ter o apoio da direita, ou governar com maioria absoluta? Como a primeira hipótese parece cada vez menos provável e com as sondagens a apertarem, António Costa viu no tema dos professores a hipótese ideal para chegar ao eleitorado de centro e à maioria absoluta. Assim, o PS voltou atrás na posição que já tinha assumido em 2017 e adotou uma postura “responsável”.

Já a alteração de estratégia do CDS e PSD foi mais surpreendente, principalmente depois da última legislatura em que os dois partidos reclamam (justamente) para si o título de guardiões da responsabilidade orçamental. Poderiam ter esperado até às eleições legislativas para apresentarem as suas propostas sobre a progressão não só dos professores, mas também das outras carreias, mas preferiram fazê-lo já, apenas para os professores e de uma forma atabalhoada. Provavelmente porque, a poucas semanas das eleições europeias, o apelo de obter alguns dos votos dos 100 mil professores e famílias acabou por ser mais forte do que a responsabilidade orçamental…. Ainda assim, a julgar pelo que Assunção Cristas e Rui Rio disseram este domingo, os dois partidos deram um passo atrás e, pelo menos no caso do PSD, só aprovarão o descongelamento das carreiras se ficarem acautelados os impactos financeiros – o que quer que isso signifique.

Ainda assim, há duas ilações desta “crise” para o futuro:

  • Uma positiva: É neste momento mais claro que existe um entendimento entre PSD, CDS e PS sobre a necessidade de manter um compromisso entre progressão de carreias na função pública e uma trajetória sustentável de consolidação orçamental. Por outras palavras, e como dizia Vítor Gaspar – não há dinheiro. Até agora, o Governo dizia uma coisa (falava em virar de página de austeridade) e fazia outra (cortava o investimento publico e cativava despesa). Hoje, parece que o discurso e a prática estão mais ajustados. Será este consenso suficiente para passar das palavras aos atos e rever seriamente as carreiras da função pública e terminar com a injustiça face ao setor privado? Veremos nos programas eleitorais de PS, PSD e CDS…
  • Uma negativa: Parece certo que, depois das próximas eleições legislativas, Portugal não terá a mesma estabilidade política que teve nos últimos anos. Portugal tem sido o bom aluno do mercado desde 2013, não só porque tem cumprido os objetivos orçamentais da Comissão Europeia e do FMI, mas também porque o tem feito num ambiente de estabilidade politica. Depois desta dramatização do primeiro-ministro e da importância que este tema terá na próxima campanha, parece que uma reedição da geringonça será cada vez menos provável. Ou seja, caso o PS vença as próximas eleições sem maioria absoluta (o cenário mais provável de acordo com as sondagens), alguém consegue adivinhar como é que consegue sequer aprovar o seu programa de governo, ou o primeiro orçamento?

P.S: E no meio de tudo isto, onde anda o Presidente da República? Um governo “semi-demissionário” não merece sequer um comentário do Presidente?

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