“O talento conta mais do que a família?”

No 10 de junho, João Miguel Tavares põe no centro da discussão a meritorcracia, ou o que os políticos não estão a fazer para garantir que o talento conta mais do que a "família certa".

João Miguel Tavares foi uma escolha, no mínimo, surpreendente, de Marcelo Rebelo de Sousa para presidir à comissão das comemorações do 10 de junho de 2019, este ano em Portalegre. Jornalista, comentador, sem o perfil que é regra geral escolhido para liderar este tipo de cerimónias, foi, como o próprio disse, o primeiro “filho da democracia” a ter esta missão, na sua terra. E trouxe, no seu discurso, um tema central: A meritocracia, ou o que os políticos não estão a fazer para garantir que os melhores chegam mais longe.

“O sonho de amanhã ser-se mais do que se é hoje vai-se desvanecendo, porque cada família, cada pai, cada adolescente, convence-se de que o jogo está viciado. Que não é pelo talento e pelo trabalho que se ascende na vida. Que o mérito não chega. Que é preciso conhecer as pessoas certas. Que é preciso ter os amigos certos. Que é preciso nascer na família certa”.

O jornalista – e ‘ministro’ do programa Governo-sombra, da TVI24 e da TSF – referia-se ao jogo viciado na sociedade portuguesa, sem objetivo por que lutar, “uma consequência dos nossos próprios fracassos”. Quais? “A integração na Europa do euro não correu como queríamos. Construímos auto-estradas onde não passam carros. Traçámos planos grandiosos que nunca se cumpriram. Afundámo-nos em dívida. Ficámos a um passo da bancarrota. Três vezes – três vezes já – tivemos de pedir auxílio externo em 45 anos de democracia. É demasiado”.

A corrupção explica parte do problema. Para João Miguel Tavares, ” criámos comissões de inquérito para encontrar responsáveis. Descobrimos um país amnésico, cheio de gente que não sabe de nada, que não viu nada, que não ouviu nada. Percebemos que a corrupção é um problema real, grave, disseminado, que a Justiça é lenta a responder-lhe e que a classe política não se tem empenhado o suficiente a enfrentá-la”. Disse-o perante António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa. “A corrupção não é apenas um assalto ao dinheiro que é de todos nós – é colocar cada jovem de Portalegre, de Viseu, de Bragança, mais longe do seu sonho”.

É (também) por isto que, para o presidente da comissão do 10 de junho, há um problema de ascesão social. “Os miúdos que não nasceram nesse tipo de “família certa” têm direito aos mesmos sonhos que os filhos das elites portuguesas – todos nós concordamos com isto. Mas será que estamos a fazer alguma coisa para que aquilo com que concordamos se torne realidade? Será que podemos garantir que o talento conta mais do que a família em que cada um nasceu? Será que a igualdade de oportunidades existe?”.

“No nosso país instalou-se esta convicção perigosa: um jovem talentoso que queira singrar na carreira exclusivamente através do seu mérito, a melhor solução que tem ao seu alcance é emigrar. Isto é uma tragédia portuguesa”, afirmou.

Por isto, mas não só, os políticos – “eles” e “nós”, como disse João Miguel Tavares – foram desafiados a fazer mais, e melhor. “A política não falha apenas quando conduz o país à bancarrota. A política falha quando deixa o país sem rumo e permite que se quebre a aliança entre o indivíduo e o cidadão”.

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