“Só 16% das habitações têm cobertura para risco sísmico”, alerta presidente da APS

José Galamba de Oliveira, presidente da APS, defende muita atenção ao risco sísmico, garante que o setor está mais sólido e há boas perspetivas de crescimento dos PPR e seguros de saúde

O presidente da Associação Portuguesa de Seguradores (APS), afirma que o setor continua a crescer e, em particular, o ramo vida, que procura recuperar para níveis acima dos que verificava antes da crise económica de 2011. Aponta as tendências dos diferentes produtos e sublinha a cada vez maior apetência por PPR, bem como a popularidade dos seguros de saúde. Alerta para a necessidade de cobrir riscos catastróficos, particularmente sísmicos e particularmente na região de Lisboa, defendendo a inclusão do risco sísmico nos seguros de incêndio ou multirriscos.

Para José Galamba de Oliveira, o setor está inevitavelmente virado para as novas tecnologias e não teme, pelo contrário, as insurtechs. O presidente da APS dá, no plano da inovação, exemplos de novos produtos que estão a ser ou poderão vir a ser introduzidos no mercado. A nova regulamentação, admite, representa um custo adicional, mas, acima de tudo, faz com que o setor “hoje seja mais sólido”.

Os resultados de primeiro trimestre indicam um grande crescimento da atividade, há razão específica para esse crescimento?

Os crescimentos já vêm do passado e estão a acontecer trimestre após trimestre. Há uma correlação muito clara com a economia. O que se passa é que a economia continua a crescer, embora todos gostássemos que estivesse a crescer de forma mais expressiva e de forma sustentada. Isto significa mais emprego e o ramo de acidentes de trabalho a crescer, maior disponibilidade das famílias e os seguros de saúde a crescer, as empresas também crescem mais, vendem-se mais automóveis e é toda uma cadeia a desenvolver-se de forma muito positiva.

José Galamba de Oliveira, pesidente da Associação Portuguesa de Seguradores, em entrevista ao ECO - 30MAI19

A produção de seguro direto aumenta e os custos reduzem-se, é uma tendência?

É a inerência do próprio seguro. Lembre-se que 2017 foi um ano mau, os incêndios tiveram impacto em julho e em outubro. Temos uma descida da sinistralidade em acidentes de trabalho, no ramo automóvel tivemos uma subida de sinistralidade e também aumentou na saúde devido ao envelhecimento da população portuguesa, o que tem como consequência mais serviços médicos.

Quando analisamos séries de tendência mais longas tem havido uma ligeira descida nos acidentes de trabalho, tem havido um esforço grande para olhar para o risco de forma mais fina e premiar a prevenção de acidentes.

No automóvel, por exemplo, verificou-se uma tendência de descida nos últimos 15 ou 20 anos, mas a tendência inverteu-se nas zonas urbanas por que há mais gente a circular de automóvel hoje do que há 4 ou 5 anos atrás. E temos novas realidades de mobilidade que estão a causar stress no meio urbano como bicicletas, motorizadas, trotinetes que causam algum embaraço aos condutores e o ramo automóvel tem sentido. É uma preocupação porque é o maior ramo do setor segurador.

É mais sensível o progresso do Ramo Vida em relação ao ramo não vida…

O ano passado o crescimento foi mais significativo. Tivemos uma descida dos seguros de vida nos últimos anos e ainda não estamos ao nível da entrada da troika, em 2011. Caiu muito nessa altura e tem havido uma recuperação.

Temos redes bancárias a colocar PPR de forma mais evidente. Porque num cenário de juros baixos a banca não tem oferta, os depósitos pagam juros muito baixos, e, portanto, os PPR são uma alternativa. Os PPR não são hoje um produto tal como nasceu, muito virado para a reforma, atualmente os PPR podem ser desmobilizados facilmente. Não é um produto de curto prazo, mas de médio prazo. Se se quer investir a 6/7 anos, tem benefícios fiscais à saída que o tornam competitivo face às taxas de zero que hoje vemos aí no mercado.

O crescimento do ramo saúde está em 7% e está a acontecer por que as pessoas valorizam o direito à escolha e é o seguro mais popular

Questões do problema de atendimento na saúde do Estado estimulam a procura dos seguros de saúde?

O crescimento do ramo saúde está em 7% e está a acontecer por que as pessoas valorizam o direito à escolha e é o seguro mais popular. As pessoas preferem ter essa opção no setor privado face a um setor público que está com dificuldades adicionais.

E quanto às catástrofes naturais, por exemplo, as sísmicas?

Estivemos a trabalhar numa proposta que entregámos ao Governo para aquisição de um sistema para riscos catastróficos. É um mecanismo com um pilar de risco sísmico e um segundo pilar para outro tipo de catástrofes como grandes incêndios ou inundações, são duas realidades muito diferentes e devem ser tratadas de forma diferente.

O sismo acontece muito de vez em quando, mas quando acontece afeta áreas imensas como vemos nos Estados Unidos, no Chile, na Nova Zelândia, enquanto os outros eventos catastróficos têm uma frequência maior e, embora sejam considerados catástrofes, têm uma natureza mais controlável.

O seguro de risco sísmico seria incluído no seguro de incêndio, que já é obrigatório, e teria um prémio de 25 a 75 euros por ano

Em termos conceptuais temos o sistema definido e o primeiro pilar bastante desenvolvido e entregámos ao Governo uma proposta para discussão. Essa proposta utiliza mecanismos seguidos noutros países como a Nova Zelândia, Estados Unidos, Chile, Turquia, Espanha e falámos com muitas pessoas para sabermos o que corre bem e mal em quem já utilizou. Depois repegámos numa proposta entregue há 10 anos ao Governo, que chegou a estar em discussão pública, mas que depois entrou o período de emergência nacional e ficou numa gaveta.

Pegámos na base dessa proposta e melhorámos com os sistemas que observámos noutros países.

Em Portugal a habitação representa mais de 50% do património das famílias. É verdade que a poupança é muito baixa, mas no passado poupou-se e hoje em dia essa poupança está investida nas paredes. Mais de 50% das famílias é o que têm, não tem grandes contas bancárias.

E só 16% das habitações têm cobertura para o risco sísmico. Isto significa que numa situação catastrófica grande parte das famílias podem ficar com os seus bens muito danificados, no limite não podem habitá-las e não têm dinheiro para fazer a recuperação.

O que nós fizemos foi criar um mecanismo dirigido às habitações, dado que, como vimos lá fora, o dinheiro e prioridade do Estado são os bens públicos, são portos, hospitais e põem as pessoas em tendas e ficam meses em tendas. Por isso o mecanismo é dirigido às habitações, às famílias penalizadas.

A nossa proposta é de, numa primeira fase, as pessoas que já têm um seguro de incêndio, que é obrigatório, incluírem o risco sísmico nesse seguro. O prémio adicional tem em conta que o custo médio de reconstrução é de 150.000 euros. E aí é preciso saber se se está numa zona mais sísmica, como Lisboa, e qual a qualidade da habitação, se é mais recente ou não. O prémio pode ser 25 a 75 euros por ano, não estaremos a sobrecarregar as famílias com estas coberturas. As seguradoras pegam nos montantes deste risco sísmico, que são parte dos seguros de incêndio ou multirriscos, e transitam-nos para uma nova entidade que teria participação das seguradoras e do Estado.

Essa entidade faz duas coisas. Primeiro, compra resseguro internacional, porque no dia a seguir a uma catástrofe as pessoas esperam uma resposta. E falando com os resseguradores poderíamos ter uma resposta de 8 mil milhões de euros para comprar o resseguro.

O resto vai para o fundo que vai capitalizando e que se espera que não seja preciso, depois se vê se se mantém o fundo.

José Galamba de Oliveira, pesidente da Associação Portuguesa de Seguradores, em entrevista ao ECO - 30MAI19

O fundo irá dispor de um máximo de 8 mil milhões de euros para a cobertura de um sismo?

A capacidade do sector para responder, num primeiro momento, será de 8 mil milhões de euros. Se o sismo for circunscrito à zona de Lisboa o impacto será maior, trata-se uma zona muito urbana. Se ocorrer um sismo numa cidade mais pequena o impacto será menor. O sismo que tivemos há 50 anos aconteceu numa zona que não era muito urbanizada e, mesmo assim, causou bastantes estragos e afetou muitas famílias. Se for algo como 1755, ainda por cima numa cidade que cresceu imenso, obviamente que o impacto será brutal. Lisboa é a segunda cidade com maior risco sísmico na Europa a seguir a Istambul.

É importante o envolvimento do Estado e, se olharmos para a experiência de outros países, havendo um sismo com alguma gravidade que provoque a destruição de grandes zonas, o Estado pode não querer apenas reconstituir o que foi destruído, mas aproveitar para reorganizar tudo de uma forma diferente. Não basta disponibilizar o dinheiro para reconstruir. Pode ser reconstruído de uma forma diferente, com outro tipo de infraestrutura, com avenidas mais largas. Os dinheiros estão disponíveis, mas o Estado pode querer também entrar para recriar a zona e não simplesmente pôr tudo como estava.

O sector segurador é extremamente regulado e não é fácil entrar e operar no mercado. Empresas como o Google e a Amazon vão, através de aquisições, por exemplo, entrar no negócio?

É uma tendência a que assistimos. Estão em entrar em áreas muito diversas e acredito que, mais cedo ou mais tarde, chegarão ao sector segurador. Estão já em curso algumas experiências nalguns países nessa área. A tendência que mostram na abordagem do tema passa, numa primeira fase, por fazer parcerias com seguradoras, acabando por funcionar apenas como um canal de distribuição e deixando a parte mais técnica, atuarial e de relatório para a seguradora. Mas, a prazo, pode ser que também queiram criar essas competências. Mas se isso vier a acontecer será mais a médio prazo. Este é de facto um negócio complexo, que exige muito capital. As grandes tecnológicas estão a entrar em muitas outras áreas, como os pagamentos, mas no negócio segurador vejo-os mais a entrar através de parcerias.

As insurtechs, pequenas empresas centradas no cliente e na digitalização, continuarão a oferecer produtos complementares ou poderão entrar no negócio do seguro direto, como evolui esta nova realidade no mercado nacional?

Estão a aparecer para atacar determinadas áreas. Em Portugal nenhuma delas está a querer abordar o negócio segurador ‘de A a Z’. O que desenvolvem é competências e capacidades, através de novas tecnologias, hoje disponíveis a um preço muito acessível. As insurtechs desenvolvem sobretudo componentes tecnológicos e capacidades para atacar determinados processos e operações na cadeia de valor. O grande desafio é, uma vez mais, o desafio regulatório, pelo que muitas delas operam mais do lado da distribuição. Aparecem outras a desenvolver competências na análise de risco ou muito focadas em desenvolver processos muito ágeis para resolver sinistros.

A postura do sector segurador tem sido de abertura às insurtechs. Em Portugal, olha-se para estas entidades que estão a nascer, que são startups, empresas pequenas, com muita inovação, como um modo de trazer inovação para dentro de casa de uma forma mais rápida. Para a insurtech constitui uma oportunidade para escalar mais depressa, ter acesso a uma base de dados muito maior, a um mercado muito maior. É uma situação ‘win – win’ para todos, todos têm a ganhar.

Pode haver aquisições de insurtechs?

Pode haver aquisições ou, pelo menos, tomadas de participação. O sector segurador viveu muitos anos com determinada realidade económica e tecnológica e o relacionamento com as insurtechs é uma forma de mais rapidamente entrar no mundo digital.

Qual o efeito do IFRS 17, a nova Norma de Relato Financeiro Internacional para o setor dos seguros, publicada pelo International Accounting Standards Board (IASB), sobre o sector?

O IFRS 17 é uma das componentes da nova regulamentação que tem sido introduzida, já tivemos a diretiva da distribuição e o regulamento geral da proteção de dados. Agora, até 2022, as seguradoras têm de preparar-se para o IFRS 17. O relato financeiro contido no IFRS 17 aborda de uma forma completamente distinta os contratos de seguro. É preciso haver competências internas, é preciso investir em tecnologia e é preciso prepararmo-nos para que em janeiro de 2021 se possa fazer o paralelo entre os sistemas atuais e o sistema IFRS 17.

É verdade que a entrada em vigor de nova regulação constitui um custo adicional que não existia há uns anos, mas hoje temos um setor mais sólido, principalmente com a entrada em vigor do (regime) Solvência II.

Em Portugal olha-se para as insurtechs como um modo de trazer inovação para dentro de casa de uma forma mais rápida

Há o interesse nas insurtechs e a preocupação com os ciberataques… não se está a criar um investimento em tecnologia muito forte nas seguradoras?

O ciberisco é uma realidade que é fruto das novas tecnologias, que também tem as suas desvantagens. É um risco que atinge todos os setores da sociedade. Temos todos de proteger as nossas bases de dados. No setor segurador temos bases de dados importantes, é a base do negócio, pelo que é uma preocupação fazer essa proteção e uma proteção constante. Hoje podemos comprar a melhor tecnologia, mas amanhã esta já não chegará para nos proteger, é preciso fazer um investimento contínuo.

José Galamba de Oliveira, pesidente da Associação Portuguesa de Seguradores, em entrevista ao ECO - 30MAI19

É também uma oportunidade de negócio para o sector. Os seguros contra riscos cibernéticos estão bastante desenvolvidos nos Estados Unidos, onde se concentra 85% do mercado de seguros mundial de ‘cyber’.

O que mais traz o investimento em tecnologia?

O investimento em mais tecnologia trará ganhos de eficiência. Este é um setor onde há muito processo manual que tem de ser otimizado. É uma questão de sobrevivência. É um meio para termos processos ágeis, capacidades de resposta ágeis e é também um meio para mais rapidamente chegarmos ao consumidor final. A ideia que se tinha da relação do segurado com a seguradora era de que o contacto entre os dois acontecia uma vez por ano, o que era bom, pois significava que não tinha havido sinistros. Atualmente o mercado é muito concorrencial e, tal como noutros negócios, temos de ter pontos de contacto com os clientes para criar algum grau de fidelização e as tecnologias permitem-no. Neste plano estão a dar-se desenvolvimentos interessantes por parte de muitos operadores.

Temos novas realidades de mobilidade que estão a causar stress no meio urbano como bicicletas, motorizadas, trotinetes (…) e o ramo automóvel tem-se ressentido. É uma preocupação porque é o maior ramo do setor segurador

O ‘pay – per – use’ é um caminho a ser seguido?

Há países que já progrediram bastante nesse domínio. Por exemplo, quem tem dois automóveis não os conduz ao mesmo tempo e a tecnologia facilita, apurando quando é que o segurado está a conduzir e o carro que está a conduzir. É necessário um seguro que dê resposta a isso, pois não faz sentido ter dois seguros individuais, um para cada automóvel. Podemos ter, é um outro exemplo, um seguro de transporte urbano, que já existe em Inglaterra, em que quando alguém pega numa bicicleta está seguro e quando muda para outra forma de transporte público continua seguro. A tecnologia permite fazê-lo. Em Portugal, no caso em que os condutores se dispõem a facultar os dados, já temos tecnologia para aferir o tipo de condução da pessoa e, se for boa, poderá haver lugar a uma bonificação no prémio de seguro.

Quais os passos dados na literacia financeira relativamente aos seguros?

Um contrato de seguros não é uma coisa simples, tem alguma complexidade. Como é que a dificuldade de leitura se vai ultrapassar? Com produtos mais simples. Uma das ideias que se pretende pôr em prática na área da poupança assenta no modo como vai ser vendido o novo produto europeu, o PEPPE (Pan-European Personal Pension Product – um novo produto de poupança para a reforma). Deverá ser realizada num telemóvel e as condições sobre os riscos ou as características da apólice devem poder ser lidas num minuto. Isso obriga a tornar os produtos muito mais simples. Isto quanto ao consumidor final, já que o negócio empresarial tem sempre necessidades muito próprias. Ao tornar os produtos mais simples espera-se que haja um grau de satisfação maior e que as pessoas percebam melhor que estão a comprar proteção. Proteção para os riscos que corremos todos os dias. Há que reconhecer que o setor fez um esforço muito grande. Aqui há uns anos falava-se de ‘letrinhas pequeninas’, hoje as letrinhas já não são ‘pequeninas’ e há um resumo à cabeça com os pontos principais de que cada um deve tomar conhecimento antes de subscrever um seguro. Mas há um caminho a percorrer, estamos a fazê-lo nas escolas, e temos parcerias com algumas entidades para chegar a mais escolas para falar do que é o risco e como dele nos podemos proteger.

As novas regras quanto à utilização de dados têm suscitado problemas?

Não temos conhecimento de problemas desde que entraram em vigor há um ano. Mas temos de clarificar algumas situações no tratamento de dados sensíveis. Falamos, por exemplo, dos dados de saúde, em especial no contexto dos seguros de saúde, mas também dos seguros de acidentes de trabalho ou de seguros automóvel, que muitas vezes implicam tratamentos médicos a pessoas sinistradas. Temos falado com as autoridades no sentido de acautelar isso na lei, como, aliás, outros países já o fizeram, e neste momento estamos expectantes quanto ao que resultado. Sem saber o que lá vem escrito é difícil saber quais são as consequências. A nossa preocupação é tornar o tratamento, a resolução de um sinistro ou a subscrição de uma nova apólice um processo que não seja muito complexo. Dou um exemplo: quando alguém chega a uma urgência, tem um seguro e precisa de saber se tem o capital para cobrir a situação, alguma informação tem de fluir para a seguradora.

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