Contínuos da República

O Primeiro-Ministro em fim de Legislatura revela-se nunca ter sido um Líder mas um Gerente. Daí esta sensação de um País sem rumo, sem visão, sem uma ideia política sobre a sua posição na Europa.

O Estado da Nação não envergonha o Estado nem excita a Nação. Isto porque o Estado não tem vergonha e a Nação pouca vontade para excitações. A satisfação saloia e a banalidade boçal enchem a Câmara com personagens que se escondem por detrás de fachadas políticas para sobreviver, e o Parlamento assemelha-se a um palco barato longe e ignorante do mundo real.

O PS rebenta de orgulho pela salvação da Pátria e exemplo para a Europa; o Bloco é o Robespierre pós-moderno purista e implacável face à inanidade dos interesses instalados e com a Revolução pintada numa falsa lágrima ao canto do olho; o PCP é o partido conservador da Esquerda, imóvel no tempo, com discursos gastos sobre os “direitos” mais a “reposição do poder de compra” e coisas afins repetidas até à náusea em editoriais do “Avante”. A Oposição é a Oposição, opõe-se. Mas não sabe bem ao que se opõe ou como deve opor-se no meio de tantos discursos politicamente castrados. A Oposição, PSD e CDS, mais parecem a mulher velha e solteira que certas tribos africanas usam para “caluniar e cuspir” sobre o túmulo do chefe morto. Mas a Oposição é sempre mais eficaz quando o diagnóstico político é sólido, quando as propostas políticas são pensadas em detalhe, quando a “desconsideração” política é vocal e corajosamente dita na cara do chefe vivo, não sobre o túmulo de um chefe imaginário no outro lado do espelho. A Oposição é um “romance processual” em movimento circular e que nunca se define no plano concreto, mas que se dispersa num fogo-de-artifício desmaiado e num enredo confuso para português ver, ouvir e evitar.

Depois da sessão terminada, o Primeiro-Ministro solene e sorridente, passeia a sua arrogância mansa pela Câmara, cumprimentando aliados, sorrindo das nuvens para a Oposição, como um Imperador de Roma regressado das Campanhas contra os Bárbaros e outros Ateus – liberais, conservadores, populistas e todas as pérfidas seitas que combatem e criticam a mais perfeita encarnação do Novo Socialismo. Faltou a presença do “Secretário”, respeitosamente atrás e à direita do Imperador, na boa tradição de Roma, para recitar ao ouvido do Primeiro-Ministro o mais precioso e o mais esquecido de todos os mantra políticos – “Lembra-te que também és mortal”.

Alguém parece esquecer a lição implícita na radical derrota do Syriza. Primeiro, a Esquerda só prevalece se conseguir concretizar uma agenda implacável contra todos os interesses do establishment político e económico – factor decisivo sobretudo para uma “pequena economia aberta” e integrada na Zona Euro. Segundo, apesar da mais expressiva vitória eleitoral existe sempre um limite inscrito nos propósitos políticos pelo facto elementar de se ser Membro de Pleno Direito da União Europeia, nomeadamente, as eleições não eliminam os compromissos políticos e económicos de um Estado Membro – não existe opção política democrática face à força dos Tratados Europeus. Terceiro, a Esquerda só prevalece se conseguir estabelecer uma coligação entre a “Frente Eleitoral” e a “Frente Social”; ou seja, um regime simultaneamente no Poder das Instituições e no Poder da Rua através da mobilização de um largo espectro de Movimentos Sociais. Para a Esquerda, a experiência da Grécia mais parece a quadratura do círculo, mais parece o confronto entre a Água e o Fogo, entre a Europa e a Revolução. Ganhou a Europa. E em Portugal? A julgar pelo entusiasmo de uma Esquerda Estatista, Dirigista, Moralista, será certamente a Revolução. Ou talvez não.

O Primeiro-Ministro em fim de Legislatura revela-se nunca ter sido um Líder mas apenas um Gerente. O Gerente faz as coisas bem, mas o Líder faz a coisa certa. Daí talvez esta sensação de um País sem rumo, sem destino, sem visão, sem uma ideia política sobre a sua posição na Europa e no Mundo. A Gerência do Primeiro-Ministro está infectada por um optimismo sem matéria ou substância política concreta, apenas a lógica das pequenas medidas pontuais que trazem uma aparente prosperidade no curto prazo, mas que nada dizem sobre o médio e o longo prazo. Se o Governo fosse uma apólice de seguro, o desfiladeiro das pequenas letras do contrato teriam a duração de várias Legislaturas. A Gerência sofre também de um narcisismo agudo temperado com a Épica Mitologia dos Gerentes. Parafraseando Teddy Roosevelt, é preciso ter os olhos bem fixos nas estrelas, mas os pés bem fixos na terra. O Gerente só tem olhos para as estrelas, num peculiar exercício de miopia política.

Portugal precisa de Liderança e precisa de Oposição. Não uma Oposição reactiva que projecta um negativismo negro sobre a face da República. E Liderança não é a promessa de uma Crónica na Lua. Neste momento da vida do País, Portugal exige um programa político capaz de incorporar 5 grandes linhas de orientação: 1) A “Política da Prudência”; 2) A “Política da Vergonha”; 3) A “Política da Seriedade”; 4) A “Política da Acção”; 5) A “Política da Convicção”. A coragem para definir um desígnio e uma visão de longo prazo são uma lacuna na identidade do País, mas a coragem entendida como a “via média” entre a cobardia e a aventura. A cobardia é a morte política de uma estátua. A aventura é a morte política do pensamento mágico.

Nota: O autor escreve ao abrigo do antigo acordo ortográfico.

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