Editorial

Um país embalado

O Governo deixa cair na opinião pública medidas como o englobamento de rendimentos em IRS ou a obrigação dos médicos de ficarem no SNS. E a opinião pública encolhe os ombros, como se fossem normais.

Um Governo que (não) governa, uma oposição que não se opõe, e um país que anda ao sabor de conveniências, da resposta a interesses de curto prazo, eleitoralistas, sem a avaliação das consequências. Todos os dias, há mais uma medida, mais um objetivo. Dois exemplos (mais há outros): O englobamento de rendimentos prediais no IRS, a obrigação de os alunos de medicina permanecerem como médicos do ensino público, duas medidas que põem em causa a liberdade e a livre iniciativa, que promovem um país que nivela por baixo, que troca a ambição e o risco pela mediania.

Cada um dos problemas, que existem, tem as suas próprias explicações, embora acabem por convergir nos incentivos a um atraso de vida. Um país remediado, a crescer ‘poucochinho’. Porque as respostas apresentadas são fáceis, só vão criar mais distorções e travam a capacidade de gerar riqueza.

Portugal tem falta de investimento, e uma das razões mais relevantes para este estado de coisas é o capital, e a poupança. Por detrás de uma bandeira de justiça social e do reforço da progressividade dos impostos — que na verdade não são mais do que ir buscar receita onde ela estiver –, o Governo prepara-se para avançar com um englobamento de rendimentos prediais e de capitais.

Das duas, uma: O englobamento de rendimento de que se fala será uma medida para vender ao Bloco de Esquerda sem efeitos práticos ou é mesmo para levar a sério, trará um aumento de impostos e, sobretudo, um desincentivo à poupança e ao investimento, seja imobiliário ou mobiliário. E se no primeiro caso, o mercado existe, no segundo é quase uma força de expressão.

É claro que a existência de taxas diferenciadas em sede de IRS, para rendimentos do trabalho e para os outros rendimentos, não é uma solução adequada. Foi a história que nos trouxe até aqui, um código de IRS que é um queijo suíço, e por isso a história seria outra se, em simultâneo com o englobamento de rendimentos, o Governo trouxesse para cima da mesa uma reforma, e uma redução, das taxas e escalões de IRS. Não traz uma, nem outra, mesmo tendo em conta a anunciada criação de mais dois escalões de IRS. Percebe-se que, provavelmente, serão os rendimentos de capital e prediais a pagarem a criação daqueles dois novos escalões. Paga a poupança e o investimento pelo consumo. É uma metáfora perfeita deste Governo.

Como é claro, um Governo que olha para a poupança e para o investimento desta forma só pode achar normal a obrigação de um estudante de medicina de permanecer nos hospitais públicos. Como os hospitais públicos estão num processo crescente de degradação, o Governo alinhou com o PCP e o BE no fim das Parcerias Público-Privadas. Assim, não haverá termo de comparação entre a capacidade de gestão dos Mello, da Luz, dos Lusíadas, e a (in)capacidade de gestão do Estado, com as suas regras e a sua falta de investimento. Mas como isso não chega para reter talento, proíbem-se os jovens licenciados em Medicina de trabalharem no privado durante um certo período. O Estado Novo não faria melhor, ou pior.

É evidente que há um problema de oferta e de procura de médicos, há um número insuficiente de médicos face aos atos clínicos que são realizados, ou procurados, no SNS (e seria pior se não houvesse o setor segurador e os hospitais privados). E que tal formar mais médicos? E deixar universidades como a Universidade Católica abrirem cursos de medicina (contra um certo corporativismo dos próprios profissionais de saúde)?

O problema não é apenas este. Já há concursos para a contratação de médicos para o Estado que ficam vazios, ou parcialmente por preencher. Há falta de gestão, há falta de condições materiais. Mas em vez de criarem condições para que os jovens médicos escolham o setor público em vez do privado, em vez de criarem os incentivos a um funcionamento eficaz e eficiente do Serviço Nacional de Saúde, à falta de melhor, querem tornar a permanência no SNS obrigatória, querem acabar com a liberdade de escolha dos próprios recém-licenciados.

Num país normal, com uma oposição e uma sociedade civil ativa, qualquer destas propostas seria discutida, questionada, exigiam-se números para essa discussão. Não é o que se está a ver.

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