A cor dos seguros

  • Paula Rios
  • 10 Dezembro 2019

Paula Rios contesta o cinzentismo da indústria e atreve-se até a dizer que o setor segurador tem dentro de si todas as cores do arco-íris.

Não se sabe bem o porquê, mas existe uma tendência para dizer que “os seguros são cinzentos”. Trabalhando neste setor há algumas décadas, não consigo entender a razão de tal afirmação. Melhor, só posso entendê-lo porque nós, o setor, nem sempre conseguimos mostrar aquilo que somos e, mais importante ainda, o que fazemos pela sociedade. Mas este é um trabalho que se está a fazer e que irá prosseguir.

Os seguros estão ligados a tudo o que se passa na sociedade, desde os fenómenos naturais até ao desenvolvimento tecnológico. E porquê? Muito simplesmente porque tudo o que implique risco, implica o seu conhecimento, avaliação, gestão e, em última instância, a possibilidade da sua assunção por um segurador ou ressegurador.

Avançado

A este respeito gosto de contar uma história que me aconteceu no já longínquo ano de 2002. Na altura viajei até Bergen, na Noruega, onde ia representar a Associação Portuguesa de Seguradores (APS) numa reunião do então Comité Europeu de Seguros (hoje Insurance Europe) sobre temas ligados à Responsabilidade Civil. O voo não era direto, pelo que fiz escala em Amesterdão e comprei lá um livro dum autor que muito aprecio, pela sua capacidade de ligar tecnologia e ficção, Michael Crichton. O livro, em inglês, tinha o título de “Prey” (Presa) e era sobre nanotecnologia, algo de que eu nunca tinha ouvido falar. A história era aterradora – uma empresa construíra um conjunto de nanopartículas com intuitos bélicos, e um dia elas “escaparam” para fora do laboratório desencadeando o caos, até porque eram, devido à sua “nano-dimensão”, quase impossíveis de detetar. Achei o tema interessante, mas um bocadinho de ficção científica. Qual foi o meu espanto quando, ao chegar à reunião em Bergen, constatei que um dos colegas ia fazer precisamente uma apresentação sobre a responsabilidade civil derivada da nanotecnologia e a preocupação que já existia na sua empresa – uma resseguradora – a esse respeito, sobre o possível impacto nos seguros de responsabilidade civil produtos!

Creio que este exemplo ilustra bem o quão avançado tem de estar o setor segurador, para poder acompanhar os riscos atuais da sociedade e prever os futuros. Todos os anos a Swiss Re publica o seu relatório Sonar sobre riscos emergentes, onde enuncia o conjunto de riscos que, de acordo com os seus especialistas, irão impactar mais esse ano. Para 2019, entre outros, foram indicados como os cinco principais riscos emergentes em 2019: a colisão entre a tecnologia digital e os hardwares tradicionais; as ameaças potenciais derivadas do alargamento das redes móveis 5G, as implicações dos testes genéticos para os seguradores Vida e o impacto das alterações climáticas nos setores de Vida e Saúde. O relatório prevê também, no que respeita a alterações climáticas, potenciais impactos em seguros tão variados como os patrimoniais, agrícolas, de pesca, supply chain, de responsabilidades, acidentes de trabalho e vida e saúde.

Em prol da sociedade

Mas o setor não se limita a acompanhar os novos riscos e tendências, ou a estudar novas soluções. Está, e tem estado, há séculos, sempre presente em momentos por definição difíceis, quer para os seres humanos quer para as sociedades. Momentos de grandes catástrofes naturais ou resultantes de ação humana, furiosas tempestades e incêndios que devastam indústrias e propriedades, erros médicos ou de engenharia, momentos de aflição devido a doenças graves ou acidentes, naufrágios de grandes navios, produtos defeituosos, e mais recentemente ciberataques. Em todos esses momentos o seguro esteve e está presente, ajudando cidades e fábricas a serem reconstruídas, famílias a reerguerem-se, lesados a serem devidamente ressarcidos pelos seus prejuízos. Devolvendo biliões à sociedade. E nem se venha com o já algo vetusto argumento das ”letrinhas pequeninas” – que já não são tão pequeninas assim, ou pelo menos não menores que noutros contratos de adesão que tão bem conhecemos. Se pode ser verdade que, algumas vezes, certas especificidades dos contratos poderiam e deveriam ser mais bem explicadas, muitas vezes os tomadores de seguro nem se dão ao trabalho de ler a apólice, criando assim uma expectativa daquilo que ela cobre que por vezes é irrealista.

Protetor

Acrescentaria mais algumas curiosidades – ou não – sobre o setor segurador. Desde logo, é dos mais regulamentados em termos de garantias financeiras e exigências de solvência, tratando-se de um setor em que se vai pagar hoje um prémio para, eventualmente, um dia vir a receber uma indemnização ou capital – dependendo da verificação de um evento futuro incerto. Há que assegurar que quem recebe esse prémio, contra a assunção de um risco, terá no futuro condições para pagar os sinistros que se vierem a verificar. No entanto, a prestação do segurador – a garantia daquele risco, que nos dá um sentimento de segurança, de sabermos que, a acontecer algo, estaremos protegidos – inicia-se imediatamente após o pagamento do prémio. Por isso não poderemos dizer que, não havendo sinistro, nunca existe prestação do segurador. Existe, embora essa segurança, essa proteção, seja mais “palpável” em alguns seguros do que noutros. Por exemplo, ao contratarmos um seguro de viagem, sentimo-nos mais confiantes, sabendo que, se nos acontecer algum dissabor no nosso destino, teremos um número a quem ligar a pedir ajuda, e que existe um conjunto de coberturas que, no pior dos cenários, nos vai, literalmente, salvar a vida. Um exemplo apenas, entre muitos outros.

Abrangente

Outro facto curioso é o setor poder acolher todo o tipo de profissionais. Abrange áreas tão vastas, toca tantas matérias, exige um know how tão diverso, que nele fazem a sua carreira economistas, médicos, juristas, engenheiros, matemáticos, gente de Marketing e Comunicação, só para citar alguns… E, curiosamente, quase todos chegam ao setor por acaso, mas depois apaixonam-se e por cá continuam a desenvolver a sua carreira, podendo sempre evoluir para novos e distintos desafios.

Cheio de cor

Afinal, tendo em conta que é um setor que garante riscos que vão do agrícola ao cibernético, das viagens à habitação, da saúde às responsabilidades, dos automóveis aos satélites, dos acidentes de trabalho às obras de arte, das catástrofes naturais aos riscos industriais, etc, com entidades especialistas, como é o caso do Lloyd’s, duma sofisticação tal que fornece soluções como o seguro para as pernas do Cristiano Ronaldo ou a voz da Madonna, como é que alguém pode achar que é cinzento? De todo! Atrevo-me até a dizer que o setor segurador tem dentro de si, sem sombra de dúvida, todas as cores do arco-íris.

  • Paula Rios
  • Senior Advisor to MDS Group CEO, FULLCOVER Editor in Chief

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