O racismo e a parede à direita do CDS

O Chega quer deportar Joacine para a Guiné-Bissau. Um dirigente do CDS dá vivas a Salazar e elogia a PIDE no Facebook. É com esta gente que querem fazer uma aliança à direita em Portugal?

André Ventura propôs, num post no Facebook, que a deputada do Livre “fosse devolvida ao país de origem”, numa reação à proposta de Joacine Katar Moreira de restituir todo o património das ex-colónias, presente em território português, aos países de origem de forma a “descolonizar” museus e monumentos estatais.

“A linguagem foi, obviamente irónica”, veio tentar retratar-se esta terça-feira o deputado do Chega. Como escrevia Henrique Raposo no Expresso, “a posição de Ventura, sugerindo a devolução de Joacine (cidadã portuguesa), é abertamente racista. Pior: é um racismo cobarde que se esconde atrás da piadola”.

O pior é que estas afirmações xenófobas e racistas — ou outro adjetivo qualquer igualmente abjeto que preferirem — não são um caso isolado. Ainda esta semana foi notícia um vídeo onde se pode ver um homem, num comício do Chega no Porto, à frente de André Ventura, a fazer uma saudação nazi, enquanto se cantava o hino nacional. É preciso ter muita bruma na memória para, 75 anos depois da libertação de Auschwitz, ainda haver tolerância com comportamentos racistas.

Perante mais este caso, a esquerda condenou em uníssono o comportamento de André Ventura. A líder parlamentar do PS considerou a “declaração xenófoba e incompreensível”. Pedro Delgado Alves, do mesmo partido, insurgiu-se: “Para quem busca fontes jurídicas para condenar as afirmações de Ventura de hoje não faltam opções: a Constituição da República, os bens jurídicos tutelados no Código Penal e na legislação contra a discriminação xenófoba, o Estatuto dos Deputados, o Código de Conduta dos Deputados, entre vários outros.”

Pedro Filipe Soares, do Bloco de Esquerda, fala em “racismo e falta de noção democrática”, o PAN em “discurso de ódio” e o Livre em ataques “deploráveis e racistas”. No Governo, a ministra da Justiça condenou o “discurso xenófobo” do deputado do partido Chega. Para Francisca Van Dunem, Joacine Katar Moreira foi “convidada a ir para a sua terra, como se esta não fosse a terra da deputada”. A única deputada eleita pelo Livre nasceu há 37 anos na Guiné-Bissau, de onde saiu aos oito. Desde então vive em Portugal e tem nacionalidade portuguesa.

O muro de Berlim e o muro de Auschwitz

Se à esquerda há uma condenação total, à direita há um silêncio absoluto.

Depois de António Costa ter, como gosta de dizer, “derrubado o último resquício do muro de Berlim”, a direita já percebeu que só regressará ao poder com maioria absoluta ou conseguindo uma aliança alargada à direita. Isto para evitar aquilo que um dia Miguel Poiares Maduro chamou de “uma mexicanização do nosso regime”, ou seja, a perpetuação ad eternum dos socialistas no poder. Em política, tudo o que dura muito tempo passa de prazo e apodrece.

Uma aliança entre PSD e CDS não é novidade. Desde 1979, com a Aliança Democrática (AD) de Sá Carneiro e Freitas do Amaral, que os dois partidos se entendem quando querem chegar ao poder. A questão é se essa aliança deve ser alargada mais à direita? Até agora, como dizia Paulo Portas, “à direita do CDS, só há uma parede”. Ou seja, o partido agregava várias direitas, de modo a não deixar espaço aos extremismos.

O problema é que nas últimas eleições essa parede foi derrubada com a entrada do Chega ao Parlamento. Apesar do discurso xenófobo e racista, a direita tradicional tem tido uma tolerância e uma complacência anormais para com André Ventura. E isto já vem desde os tempos de Passos Coelho que manteve o apoio a André Ventura quando este concorreu pelo PSD/CDS à Câmara de Loures com um discurso perigoso, a roçar o racismo, sobre a comunidade cigana local.

Justiça seja feita ao CDS de Assunção Cristas que, na altura, retirou o apoio a André Ventura e resolveu apresentar um candidato próprio a Loures. Só que, o CDS mudou este fim de semana. Para líder, os centristas escolheram Francisco Rodrigues dos Santos, considerado em 2018, pela revista Forbes, um dos “30 jovens mais brilhantes, inovadores e influentes da Europa” na categoria Direito e Política.

A parede à direita do CDS

Esta é uma daquelas profecias que se auto concretiza. Se uma revista estrangeira diz que o Chicão é bom, na aldeia da direita todos acreditam que sim. Francisco Rodrigues dos Santos tem 31 anos, mas mais parece ter 91: é contra o casamento gay, contra o aborto e quer acantonar o CDS ainda mais à direita. Numa coisa André Ventura tem razão: “O original é sempre melhor que a cópia”. Aliás, nem se percebe como é que algumas pessoas, essas sim inteligentes e inovadoras como Adolfo Mesquita Nunes, ainda façam parte desde novo velho CDS.

Quando esta semana foi questionado na TSF sobre sobre uma possível aliança política com o Chega, Francisco Rodrigues dos Santos respondeu que sim, desde que André Ventura não ultrapasse determinadas linhas vermelhas. Mas que linhas vermelhas são estas que André Ventura e o seu partido ainda não ultrapassaram?

Provavelmente essas linhas vermelhas não existem neste novo velho CDS. O Expresso noticiava esta terça-feira que Abel Matos Santos –, dirigente nacional do CDS que, com a eleição de Francisco Rodrigues dos Santos, passou a fazer parte da Comissão Executiva do partido, — escreveu vários posts no Facebook onde dá vivas a Salazar, elogia a PIDE (“uma das melhores polícias do mundo”) e critica Aristides de Sousa Mendes (um “agiota de judeus”). A direção do partido não repudiou nem expulsou o dirigente. Parafraseado André Ventura, é uma vergonha, é uma vergonha, é uma vergonha!

Mais ao centro, também Rui Rio, quando disputava as primárias no PSD, teve esta atitude de tolerância, quase paternalista, para com André Ventura: “O Chega é muito jovem, só tem um deputado, é muito difícil perceber o que vai ser dentro de um ano ou dois anos (…) Acho que é um bocadinho exagerado classificarmos o Chega de fascista ou de extrema-direita. Tem algumas posições extremistas e de perfil populista, se forem ganhando peso no Chega não será possível entendimentos com o PSD, se se forem moderando penso que sim”.

Depois de ter sugerido a deportação de Joacine e do vídeo que vimos do comício no Porto, o líder do PSD ainda acha “exagerado classificarmos o Chega de fascista ou de extrema-direita?” E o PSD vai querer uma aliança com este CDS que dá vivas a Salazar e critica Aristides de Sousa Mendes?

Não vale tudo para chegar ao poder e formar maiorias políticas. Costa conseguiu-o “derrubado o último resquício do muro de Berlim”. O PSD também o pode conseguir “derrubado o último resquício do muro de Auschwitz”. E isto passa por deixar pessoas como André Ventura e Abel Matos Santos do lado de lá dessa parede à direita do CDS. Isto no pressuposto de que o CDS ainda está deste lado do muro.

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