In memoriam: a viagem inacabada de Teresinha Lopes

  • Agostinho Pereira de Miranda
  • 20 Março 2020

Seria no ensino, na advocacia e na judicatura que Teresinha Lopes haveria de revelar toda a sua capacidade e méritos, não só profissionais como também humanos.

Sempre imaginei que no céu, naturalmente o lugar para onde vão todos os meus amigos, haverá uma biblioteca infinda e eterna onde poderão encontrar os livros que não tiveram tempo de ler em vida. E que, escondido do olhar dos mais intrépidos, estará algures um tomo grosso e negro: o que contém o registo das coisas que cada um planeou mas não conseguiu fazer antes de morrer.

A Teresinha Lopes – um nome apenas conhecido em Portugal nos círculos jurídicos, mas uma referência nacional no país em que nasceu, Angola – cumpriu muito do que se propôs fazer na vida. Afinal, queria apenas servir. Serviu o País, o seu amado país, com a mesma determinação e afinco com que serviu a Justiça, a Amizade, a Família.

Tinha apenas 25 anos quando assumiu a defesa (oficiosa) do principal réu do histórico Processo dos Mercenários – o tristemente famoso Costas Georgiou (Coronel Tony Callan). No ambiente revolucionário da Angola pós-independente nunca seria tarefa fácil. Mas Teresinha foi tão profissional e digna que o réu dispensou a presença de qualquer outro advogado internacional. E, ante a possibilidade da condenação à morte, as únicas palavras de Tony Callan que a história regista foram para sua irmã, ali presente, e para a advogada.

Modesta, idealista e discreta, Teresinha tinha começado a sua carreira profissional no Ministério do Trabalho do Governo de Transição, em 1975. Seguiram-se posições de crescente responsabilidade no Ministério do Plano e nas estruturas institucionais que, já nos anos 80 e 90, viriam a promover a transição da economia planificada para a economia de mercado, nomeadamente nas várias comissões de reformulação e substituição de diplomas herdados do período colonial, incluindo o arcaico Código Comercial de 1888.

Mas seria no ensino, na advocacia e na judicatura que Teresinha Lopes haveria de revelar toda a sua capacidade e méritos, não só profissionais como também humanos. Na Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto, onde lecionou durante 20 anos, instituiu a cadeira de Direito Comercial, tendo elaborado as primeiras lições nacionais dessa disciplina. Autora de uma parte dos diplomas que constituem a arquitetura jurídica do país, não surpreendeu ninguém que viesse a revelar-se uma das mais prestigiadas advogadas angolanas, alguém que não perdia tempo com exercícios de hermenêutica estéril. Nos órgãos de direção da Ordem foi sempre uma voz conciliadora e pragmática.

Em 2012 Teresinha Lopes foi eleita, sob proposta do MPLA, Juíza Conselheira do Tribunal Constitucional. Em outubro de 2019, após quase meia centena de anos a trabalhar o Direito e as causas sociais a que frequentemente emprestava o seu saber, Teresinha jubilou-se. A menina que a Caála vira nascer em 1951 queria agora voltar a visitar a sua terra. Mandou fazer a revisão do carro e preparou-se para rumar à saudosa Huambo. Mas a rainha das trevas tinha outro destino para ela. Um AVC levou-no-la 8 dias depois.

*Agostinho Pereira de Miranda é advogado.

  • Agostinho Pereira de Miranda
  • Advogado e presidente da Associação ProPública – Direito e Cidadania

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