Para grande males, remédios eficazes

  • João de Castro Baptista
  • 16 Março 2020

Não é tempo para o exercício de críticas estéreis, mas sim para propostas construtivas. É isto mesmo que, de forma muito objetiva e sintética, se pretende fazer.

No contexto da crise epidemiológica que vivemos, foi publicado o DL nº 10-A/2020, de 13-03 que estabelece um conjunto de medidas de resposta em diversos setores da atividade do Estado.

No tocante à gestão processual e diligências judiciais, rege o Capítulo VI, “Atos e diligências processuais e procedimentais”, mais concretamente os artigos 14.º e 15.º, com as epígrafes, respetivamente, de “Justo impedimento, justificação de faltas e adiamento de diligências processuais e procedimentais” e “Encerramento de instalações”.

Não é tempo para o exercício de críticas estéreis, mas sim para propostas construtivas. É isto mesmo que, de forma muito objetiva e sintética, se pretende fazer.

Começando pelo artigo 14.º, o expediente escolhido – justo impedimento para atos processuais praticados presencialmente – afigura-se, ao mesmo tempo, desnecessário, ineficaz e contraproducente; desnecessário, considerando que a lei geral já o consagra, nomeadamente no artigo 140.º do CPC, sendo que, no respetivo n.º 3, está previsto o impedimento resultante de facto notório em que se integrariam o conjunto de situações em causa; ineficaz, porque ficam de fora todos os atos processuais com prazos em curso cuja prática não é feita presencialmente – a esmagadora maioria – e em que as partes e mandatários atenta a situação que vivemos, terão acrescidas dificuldades – para não dizer uma efetiva dificuldade – em praticar correta e atempadamente; contraproducente, uma vez que cada alegação de justo impedimento, dará lugar a um incidente carecido de análise, ponderação e decisão, multiplicador de tramitação processual e mobilizador de recurso e, acima de tudo, a um clima de incerteza e falta de segurança jurídica sempre indesejável, mas verdadeiramente prejudicial no atual contexto.

Já no artigo 15.º, fala-se numa efetiva suspensão de prazos em geral, mas dependente do encerramento das instalações em que devam ser praticados ou da suspensão do atendimento presencial. Ora, o critério seguido nesta norma causa ainda maiores perplexidades. Com efeito, para que serve suspender o prazo para praticar um ato processual através da plataforma CITIUS por se encontrar encerrado o Tribunal a que se destina? De que forma poderão as partes e os respetivos Mandatários aferir, de forma segura, do efetivo encerramento ou suspensão do atendimento presencial de cada um dos organismos a que se destina um ato processual não presencial? Mais, quando e como tomarão conhecimento da alteração dessa situação? Finalmente e no tocante ao dispositivo do n.º 3, como compreender que os “cidadãos, sujeitos processuais, partes, seus representantes ou mandatários” de um município em que os Tribunais estão encerrados beneficiem de suspensão dos prazos para praticar um ato num Município em que tal não aconteça e aos próprios residentes neste município, no mesmo assunto, não se aplique igual suspensão? Não se compreende e pode acarretar efetivas desigualdades.

Em suma, também aqui pontua a incerteza e se perspetiva a multiplicação de incidentes desnecessários.

Sem prescindir, não se afigura evidente a conjugação do regime ora proposto com a recente deliberação do Conselho do Superior da Magistratura.

Posto isto, considerando que a situação que vivemos é, mais do que excecional, verdadeiramente inédita e uma vez que é, neste momento, imprevisível a respetiva duração e impacto, tudo aconselha a uma efetiva, inequívoca e imediata suspensão dos prazos processuais em todos os processos não urgentes, pelo menos até ao final das férias judiciais da Páscoa. Durante este período de quatro semanas e de acordo com o cenário que se for desenhando ou prorrogar essa suspensão ou desenvolver e aplicar um novo regime, melhor pensado e mais estruturado que, em face das circunstâncias, permita o retomar a possível normalidade processual.

*João de Castro Baptista é sócio da JPAB – José Pedro Aguiar-Branco Advogados.

  • João de Castro Baptista
  • Sócio da JPAB – José Pedro Aguiar-Branco Advogados

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