Editorial

Um ano pode ter apenas dois meses?

Bom dia, boa tarde, boa noite. (sem abraços e beijinhos). O plano continua a ser 'poucochinho', mas como será se a economia continuar fechada para lá de junho?

Para quem ainda tivesse dúvidas, ou fosse suficientemente ingénuo, ou inconsciente, a comunicação do primeiro-ministro António Costa foi cristalina: Vamos fechar para obras durante três meses, este ano louco de 2020 — para quem ‘sonhava’ com os loucos anos 20, aí está a resposta — vai ter apenas nove meses. Mas vamos admitir outro cenário? E se 2020 for mesmo reduzido aos dois primeiros meses do ano (porque todos os outros se vão perder)?

A transparência da informação e, sim, o papel dos jornalistas, são absolutamente críticos para que isto seja suportável, o pior que os decisores políticos podem fazer é mentir, criar falsas expectativas e, logo, frustrações acumuladas. O país vai parar nos próximos três meses e regressa em junho… se houver sítio para onde regressar. E se não houver? Continuaremos todos de quarentena sem prazo de validade, com uma economia fechada?

Esta sexta-feira ficamos a saber que:

  1. O estado de emergência vai ser prolongado (pelo menos uma vez), portanto, mais 15 dias para além daqueles que já estão definidos no decreto presidencial.
  2. O país vai ficar suspenso durante três meses, portanto, em ‘lay off’ especial
  3. Já estão definidos os serviços que têm de fechar neste estado de emergência, portanto, já sabe o que poderá e sobretudo o que não poderá fazer.

Já o escrevi aqui em Editorial. O programa económico do Governo é ‘poucochinho’. E continua a ser. Se levar em linha de conta o que nos diz o primeiro-ministro, que a crise é mesmo temporária, e tem três meses de duração, então o programa é ainda mais pobre do que aparenta ser. Perante uma crise previsivelmente temporária, seria necessário um choque que não se vê, para o regresso em junho. Medidas musculadas, financiadas pelo BCE, claro, com taxas de juro próximas de zero e prazos de pagamento a perder de vista. Portugal está melhor do que em 2011, sim, mas a dívida pública continua a ser elevada. A zona euro está melhor do que em 2011, mas países como Itália têm dívidas públicas de mais de 130%.

No entanto, a mensagem de Costa é contraditória.

Depois de um conselho de ministros de horas, e do adiamento sucessivo da conferência de imprensa, admitia-se, que, desta vez é que seria. Um programa a sério, até na sequência das medidas do BCE e da Comissão europeia, que pode ler aqui e aqui. Não foi. O primeiro-ministro avisa-nos que vêm aí três meses terríveis, a economia estará mesmo fechada, não é parada, é fechada. O primeiro-ministro diz que é preciso fazer tudo para segurar o emprego e as empresas, a capacidade instalada. Mas o que está em cima da mesa não permite garantir, ou pelo menos limitar, o desastre que aí vem.

Na próxima quinta-feira, o Banco de Portugal vai publicar as previsões para 2020, serão as primeiras de uma instituição pública independentes que têm em conta o impacto do novo coronavírus. E vão mostrar que o país vai entrar em recessão profunda este ano. Mas nestes três meses vamos ter uma depressão, queda do produto acima dos 20%. Acham muito? Então, ponham na máquina de fazer contas o ‘fim’ do turismo, o encerramento do setor automóvel, a paragem das exportações, o ‘shutdown’ do consumo privado, o congelamento do investimento. Sobre o consumo público, a despesa do Estado, mas com este programa, sobra muito pouco.

Há já informações e notícias sobre despedimentos, que vão disparar nas próximas semanas, e só pode. Num país de serviços, é o que temos. Não porque os empresários sejam uns malandros sem coração — também haverá, claro, como em todo o lado, a malandragem não tem classe social nem função profissional –, mas simplesmente porque não têm negócio. Como dizia o antigo ministro das Finanças, não há dinheiro. Qual é a parte desta frase que não entende?

O primeiro-ministro faz condicionar os apoios públicos à proibição de despedimento. O princípio é bondoso, mas a realidade não. E o Governo vai descobrir, com este programa, que os empresários vão preferir despedir aos apoios que lhes são disponibilizados sob a forma de dívida, à banca e ao Estado. Este caminho só é uma solução se, depois, houver economia. O Governo quer proteger o emprego e o mercado, mas para isso é preciso que haja mercado logo a seguir. E empresas, empresas, empresas. São as empresas, e a sua atividade, que vão permitir a proteção do emprego, o emprego não se protege a si próprio. Mas as empresas só vão produzir se puderem vender. Uma economia fechada não oferece, mas também não procura.

António Costa não se tem escondido atrás do Presidente, ou de Mário Centeno. Aparece, dá a cara, assume a liderança política, e isso são pontos a seu favor. Mas não chega. Esta sexta-feira, anunciou duas medidas de caráter social: o fim da caducidade dos contratos de arrendamento neste período de pandemia e a renovação automática dos subsídios de desemprego. São necessárias, são positivas, e também limitadas para uma economia fechada. Mas esta abordagem tem um pressuposto. É mesmo temporária, de três meses. E se não for?

O Estado português não vai ter dinheiro para aguentar uma economia parada para além de um prazo muito curto, três meses. Nem o BCE vai ter capacidade para nos aguentar a todos, na zona euro, com economias fechadas. Sem oferta, isto é, sem produção, e com dinheiro a circular, a inflação só poderá disparar, porque os cidadãos vão consumir, pouco, mas o suficiente para pressionar os preços. Queremos transformar a zona euro (não é só um problema português) numa enorme Venezuela?

É preciso recordar que o problema que vivemos hoje é de saúde pública, tem origem num vírus, um novo coronavírus, não resultou, como em 2008, dos buracos do sistema financeiro, o americano desde logo. E por isso a resposta com dinheiro não chegará, por maior que seja o envelope, se a economia permanecer fechada. É preciso encontrar uma resposta para a pandemia, uma vacina. Mas volto ao cenário inicial? E se a pandemia não estiver contida, de facto, em finais de maio? O que vamos fazer?

Uma economia de guerra, como se designa aquela que estamos a viver, pressupõe isso mesmo, a existência de economia. Mas se o país está em quarentena, em estado de emergência, não haverá economia. Nem sequer de guerra. Nem empresas nem trabalhadores.

Em simultâneo com um pacote de apoio às empresas, drástico e direto, a melhor forma de combater o desemprego, o Governo tem de se preparar o país para outro cenário, o do regresso ao trabalho mesmo num contexto em que a pandemia ainda não está ultrapassada. Porquê? Porque se não houver um regresso ao trabalho, à produção, seja qual for o modelo necessário, com mais teletrabalho, com mais proteção dos trabalhadores, com outra organização, dentro de seis meses, o país vai morrer à fome, com falências e desemprego que não nos passa pela cabeça, nem conseguimos imaginar. Demasiado pessimista? Quem, há um mês, admitia que hoje estivéssemos todos em casa?

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