Lay-off complicado?

  • Carla Naia
  • 15 Abril 2020

Percebe-se, agora, sem sombra de dúvida, neste momento extraordinário, que empregadores e trabalhadores estão (também aqui) unidos num mote comum que é o da sobrevivência da empresa.

Muito se tem falado nas últimas semanas do “Lay-off”. Trata-se de um estrangeirismo usado para descrever a possibilidade da empresa que se encontra numa situação económica difícil, assegurar a sua viabilidade e a manutenção dos postos de trabalho, por recurso à suspensão ou redução dos contratos de trabalho. Ora, esse instrumento de viabilização das empresas e de salvaguarda dos postos de trabalho (saliente-se) já existe, no nosso ordenamento jurídico, desde o Decreto-Lei 398/83, de 2 de novembro, condensando o que já havia sido previsto no Decreto-Lei 353-H/77, de 29 de agosto (para as empresas declaradas em situação económica difícil) e no Decreto-Lei 230/79, de 23 de julho (para as empresas atingidas por catástrofes ou outras ocorrências graves). Não é, por isso, uma novidade tal figura cujas raízes históricas remontam ao período pós revolução.

Todavia, talvez nunca, como agora, se revelou tão importante fazer apelo aos princípios orientadores do direito do trabalho que, definitivamente, deixou de ser “o galho do direito”, como o ouvi, nas aulas da faculdade, do meu brilhante Professor Doutor Júlio Gomes. Percebe-se, agora, sem sombra de dúvida, neste momento extraordinário, que empregadores e trabalhadores estão (também aqui) unidos num mote comum que é o da sobrevivência da empresa. E afirmo isto, não com a ingenuidade que alguns mais céticos possam apontar, mas com a firme convicção de que o direito do trabalho existe para firmar esse propósito, consagrando direitos e garantias de uns e de outros, sem esquecer que a parte mais fraca, nesta relação desnivelada é, sem falsos moralismos, o trabalhador.

Mas é precisamente essa a característica deste ramo do direito que parte da assunção de que as partes não se encontram numa normal relação civil, existe um desnivelamento e, por isso, uma proteção acrescida do trabalhador. Não é hipócrita nem ingénuo, é justo. E, também, por ser esse o cerne do nosso ordenamento jurídico-laboral, existem normas específicas para os cargos diretivos em que o legislador reconhece (poder) existir liberdade negocial.

De volta ao lay-off “simplificado” (ou complicado?) é com tristeza que observo o desnorte do atual panorama legislativo e interpretativo, onde as fontes do direito deixaram de ser as normas jurídicas (e o seu incontornável elemento histórico, como suporte da Interpretação) e passaram a ser os telejornais, os jornais e até os comentadores desportivos que sobre este tema opinam, quanto aos fundamentos, requisitos e pressupostos.

Sejamos sérios e tratemos com seriedade tão grave cenário que afeta tantas famílias não só de trabalhadores, como de empregadores, profissionais independentes, pequenos empresários. O Estado que cumpra o seu papel de lançar legislação de qualidade, suportada nos princípios do nosso ordenamento, adequados a este cenário, de exceção. Que existam nos sites das autoridades oficiais (DGERT, Segurança Social) esclarecimentos claros, consistentes e conscientes do que é a nossa realidade empresarial e laboral. Todos os cidadãos a isso têm direito e é uma questão de cidadania e de civilidade tal verificar-se, muito mais, agora.

Talvez nunca, como hoje, me seja tão difícil ser advogada. Pois o nosso papel, como o vejo, é o de apontar soluções, implementar estratégias adequadas à realidade (complexa porque diversa) de cada cliente de forma séria, consistente e adequada aos princípios do direito. Não o dos telejornais ou dos jornais, como vem acontecendo. Sejamos sérios e responsáveis. Todos e por todos. A começar pelo Estado que, aqui, nos (des)regula.

Carla Naia – Advogada Especialista em Direito do Trabalho da Cerejeira Namora Marinho Falcão

  • Carla Naia
  • Advogada especialista em direito do trabalho da Cerejeira Namora Marinho Falcão

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