Covid-19 na insolvência

  • João Tiago Morais Antunes
  • 1 Junho 2020

É preciso agora, mais do nunca, investir nas empresas e criar incentivos à medida desta pandemia para que possam continuar a ser o motor central de desenvolvimento da economia.

Face ao atual contexto económico, têm sido adotadas várias medidas para dar algum fôlego às empresas neste período excecional.

A par de medidas dirigidas à capitalização das empresas, foram aprovadas outras mais focadas nas que chegaram a esta crise já debilitadas, como é o caso da suspensão do dever de apresentação à insolvência pelo devedor, medida também implementada em outros países europeus. É, sem dúvida, uma medida importante, porque afasta um incentivo fortíssimo à tomada de uma decisão dramática num período de extrema incerteza. Com efeito, sem esta suspensão, os gestores corriam um risco de sobre si recair responsabilidade pessoal pelos danos causados pela não apresentação à insolvência de uma empresa tecnicamente nessa condição.

Contudo, esta medida não resolve naturalmente, por si só, os problemas colocados a uma vasta quantidade de empresas, nem lhes confere a estabilidade necessária durante este período conturbado.

A verdade é que neste momento os processos urgentes (como os de insolvência) continuam a ser tramitados. E assim, apesar de as empresas não terem de se apresentar à insolvência nada impede que os seus credores a requeiram, produzindo o resultado que se pretendeu (bem) evitar.

De igual modo, cremos que esta suspensão deveria ter sido concedida de forma mais alargada (i.e., durante um período para além do estado de emergência), sob pena de, nos 30 dias subsequentes à cessação da suspensão, ainda em plena confusão da reorganização da vida coletiva, os Tribunais se verem confrontados com enxames de apresentações à insolvência.

Estas duas medidas poderiam permitir que centenas de empresas ganhassem tempo para se reorientar e reorganizar no pós lockdown e retomar a sua vida de forma menos dramática. A verdade é que ninguém sabe como será a reação da economia nos próximos meses e preservar a máxima flexibilidade deveria ser prioridade absoluta.

Realça-se ainda que os prazos de negociação previstos nos processos especiais de revitalização (PER) não estão suspensos. Ora, estes prazos são demasiado curtos (2 meses, mais 1) para, numa altura de paralisia e imprevisibilidade, assegurar condições de sucesso às negociações. Mais do que nunca, os agentes económicos precisam de tempo e de margem de manobra que a tesouraria lhes retira. Não faz, por isso, sentido exigir que os credores e devedora tomem decisões numa altura em que ninguém consegue decidir, sob pena de o processo encerrar (sem sucesso) por falta de um acordo no prazo legal.

Justificar-se-á também medidas de proteção para as empresas com planos de insolvência e/ou de revitalização aprovados e em curso e que, por definição, têm uma situação financeira frágil e cujos impactos do Covid-19 serão, por isso, mais difíceis de acomodar. Pode, assim, fazer sentido, à semelhança do que sucedeu noutros setores, criar uma moratória para tais planos, além de estender os períodos de carência neles previstos, dado que o cumprimento das obrigações aí estabelecidas, muito provavelmente, apenas pode ocorrer após a cessação do estado de emergência.

Seria também importante consagrar a possibilidade de devedores e insolventes requererem o ajustamento dos planos aprovados aos impactos do Covid-19, criando-se um procedimento legal simplificado e célere da sua homologação judicial, evitando a discussão que surgirá necessariamente sobre a possibilidade de a pandemia representar uma alteração superveniente das circunstâncias subjacentes aos planos de recuperação em execução. Deverá, ainda, admitir-se a possibilidade de empresas submetidas a PER há menos de 2 anos puderem, por força da atual situação, recorrer novamente a esse processo, evitando-se que venham a insolver.

Por último, deverá criar-se um regime mais atrativo para os credores/entidades que decidam financiar estas empresas com “new money”, consagrando-se, por exemplo, um regime ainda mais favorável em matéria de qualificação e graduação de créditos, do que o já existente privilégio mobiliário geral e/ou incentivos fiscais.

É preciso agora, mais do nunca, investir nas empresas e criar incentivos à medida desta pandemia para que possam continuar a ser o motor central de desenvolvimento da economia e a assegurar os atuais níveis de emprego.

  • João Tiago Morais Antunes
  • Sócio da área de Resolução de Litígios da PLMJ

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