O exército do futuro é feito de engenheiros e designers

  • André Albuquerque
  • 29 Abril 2020

Estamos em guerra. Não é a guerra a que o mundo nos habitou. Não envolve armas nem militares mas chama-nos ao campo de batalha. A bomba? Covid-19. A guerra? É global, nacional, individual e mental.

É comum ler-se como os conflitos de amanhã serão travados com computadores em vez de tanques, combatidos por linhas de código em vez de soldados, em espaços virtuais em vez de físicos. É igualmente comum ler-se que os inimigos serão organizações ciber criminosas, hackers ou até governos autocráticos que procuram desequilibrar as balanças do poder. No entanto, o vírus com o qual lutamos hoje é tão ou mais perigoso que estas ameaças. Reconhecer esta realidade é crucial pois este vírus é só o primeiro de vários que enfrentaremos este século, de acordo com Melinda Gates, cofundadora da Bill & Melinda Gates Foundation.

O Covid-19 desencadeou uma guerra sanitária. Desencadeou também uma guerra contra a nossa economia, contra o crescimento do desemprego e contra a deterioração mental da nossa população. Hoje o nosso foco é na luta contra as mortes e mitigação da infeção, nos desafios enfrentados pelos profissionais de saúde e na resiliência do sistema nacional de saúde. Paralelamente, lutamos para nos adaptar à digitalização forçada da nossa sociedade, algo que prevíamos demorar anos mas que acabou por acontecer em semanas. E como se estes não fossem combates suficientes, começaremos em breve a luta pela sobrevivência dos empregos, das pequenas e grandes empresas, do nosso produto interno bruto e da nossa posição no mundo como criadores de valor. As últimas estatísticas apontam para uma quebra do PIB entre 4% e 20%, de acordo com o NECEP da Universidade Católica Portuguesa. Colocando em perspetiva, o PIB português cresceu 20.98%, entre 2007 e 2019 (com uma recessão pelo meio), segundo o Pordata. Tal indica, num cenário pessimista e não ajustado à inflação, que iremos eliminar os últimos 13 anos de riqueza produzida.

É para combater estes longos e intensos confrontos que precisamos de um “exército para o futuro”. Se esta guerra não requer armas, fogo ou movimentações geográficas, então aqueles que irão lutar no campo de batalha não serão os mesmos que lutaram no passado. Precisamos de “soldados” que irão guiar a digitalização da nossa economia, fomentar a criação de emprego em grande escala e construir as defesas contra novos inimigos que manifestar-se-ão depois deste. Precisamos de um “exército” de engenheiros informáticos, designers digitais, gestores de produtos e marketeers prontos a servir a sociedade com os seus conhecimentos, recursos, tempo e paixão. Não por lucro e não pela vontade de subir na escada corporativa, mas porque detém o conhecimento para desenhar as ferramentas capazes de vencer uma guerra que acabou de começar.

No mundo das startups todos sabemos que nada tem mais força para unir “estranhos” como um inimigo comum, fossem os táxis para a Uber ou as taxas de câmbio para a Revolut. Hoje, o inimigo comum é este vírus que nos assola. E nunca antes uma união entre estranhos foi tão necessária. Felizmente, já vemos resultados. Organizações como o Tech4Covid19, onde a comunidade tecnológica portuguesa se junta para lançar produtos e ferramentas contra a pandemia, ou iniciativas como o Project Open Air, que reúne contribuidores de vários países para desenhar ventiladores a uma fração do custo, são dois exemplos deste movimento. Projetos como o Vizinho Amigo, onde mais de cinco mil jovens voluntários assistem grupos de risco, o Student Keep, que disponibiliza computadores e internet para que crianças continuem a aprender, ou o Comerciantes.pt, que ajuda pequenos retalhistas a digitalizaram-se e criar lojas online, representam alguns “esquadrões” a combater neste conflito.

E estas “unidades militares” não nascem apenas da comunidade mas igualmente de empresas estabelecidas. São exemplos a Outsystems que, através do COVID Community Response Program, disponibiliza gratuitamente o seu software para desenvolver aplicações de combate à pandemia e a KI Labs que desenvolveu o InfoCOVID19.pt, um simulador de apoio a empresas. Ambas as iniciativas são resultado da união entre executivos e colaboradores, que colocam temporariamente de parte o core business e desenham soluções para a sociedade. Por sua vez, a nível internacional, projetos como a aplicação de rastreamento do coronavírus, desenvolvido pela Google e Apple, contam com a participação de mais de 1.000 designers, engenheiros e gestores de produto de ambas as empresas. No entanto, estas realidades não são exclusivas ao vírus. O “Pledge 1%” da Salesforce é um outro exemplo da união contra um inimigo comum. A empresa oferece 1% dos seus lucros, tempo dos colaboradores e produtos para reduzir a desigualdade social. Desde o lançamento do programa, em 2014, a empresa atribuiu 240 milhões de dólares em bolsas, 3,5 milhões de horas em serviço comunitário e doou acesso aos seus produtos a mais de 39.000 ONGs.

Compreender a necessidade de dar resposta à situação atual com tanta ou mais intensidade que este vírus, tornou-se clara para os que se apresentam na primeira linha de combate. E não, esta resposta não pode parar com o regresso à normalidade. Temos que continuar a encontrar respostas e caminhos muito além desta epidemia, pois todas as reincidências de segundas, terceiras e inúmeras vagas serão devastadoras, duradouras e desiguais. E é por isso que acredito que é na tecnologia que iremos encontrar o “exército do futuro”, capaz de fazer frente a este e tantos outros inimigos.

Assim, precisamos que todos os engenheiros, developers, designers, gestores, tecnológicos e qualquer pessoa motivada, se unam numa milícia que crie soluções para apoiar a nossa economia, a nossa população, o nosso estado, a nossa saúde e o nosso futuro. Precisamos que o Tech4Covid evolua para Tech4Society. Precisamos que empreendedores e líderes empresariais providenciem os meios, espaço e tempo para os seus colaboradores desenvolverem inovações que farão a diferença. Precisamos que todas as empresas revejam a sua contribuição para uma sociedade melhor e que meçam este impacto como medem receitas e lucros. Precisamos que as instituições públicas se libertem da burocracia, adotem a tecnologia e se tornem ágeis a apoiar aqueles que perderam o emprego, num mundo onde o nosso trabalho define a nossa identidade e propósito. Precisamos que os nossos governos, atual e futuros, repensem como motivar o talento jovem, cada vez mais descrente da política, a investir mais tempo e energia em iniciativas que fomentem o progresso social. E, finalmente, precisamos que todos, que orgulhosamente partilham nas redes sociais as suas missões durante esta pandemia, não debandem deste “exército” quando a OMS anunciar o fim da mesma, pois esta guerra ainda agora começou.

*André Albuquerque é empresário e professor convidado na Católica Lisbon School of Business and Economics.

  • André Albuquerque

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