Tribunais à distância

  • Pedro de Almeida Cabral
  • 29 Abril 2020

A experiência covideana tem o condão de nos fazer perceber que os Tribunais podem funcionar de outra forma, em cooperação mais estreita com os advogados, evitando deslocações e atos desnecessários.

E quase tudo a pandemia fechou, incluindo os Tribunais. No início destes tempos, os Tribunais começaram por estar em férias judiciais fora de época, o que teve como efeito a paragem forçada de milhares de processos. Como rapidamente se percebeu, esta solução era desajustada, pois nada impedia que processos continuassem a ser tramitados e tratados à distância por juízes e advogados, desde que não envolvessem audiências presenciais.

Por isso, apurou-se este regime, abandonando o mecanismo das férias judiciais. Agora, estão suspensos os prazos para a prática de atos na maior parte dos processos. No entanto, se as partes concordarem, o processo pode prosseguir à distância, com advogados e juízes a apresentarem peças processuais e os juízes a despachar. Tudo se faz via CITIUS, o sistema informático dos Tribunais, criado há mais de dez anos. Quando há audiências e julgamentos que implicam a presença física, se as partes estiverem de acordo, também se podem fazer à distância, através de teleconferência.

Já os processos urgentes – processos com arguidos presos, processos de violência doméstica, insolvências e providências cautelares, entre outros –, passaram a correr livremente, sem suspensão. Nestes processos, audiências e julgamentos são à distância, por teleconferência. Se tal não for possível, em algumas situações, por estarem em causa valores como a vida, a integridade física ou a liberdade, audiências e julgamentos podem realizar-se, cumprindo recomendações e orientações das autoridades de saúde.

É assim que os Tribunais estão a funcionar e vão funcionar até que o Governo decida que este regime excecional já não é necessário. Entretanto, neste mês e meio adiaram-se milhares de julgamentos. Mesmo tramitando os processos à distância, como era evidente que tinha que suceder, a carga processual acumulada será pesada e levará anos a resolver. Em Espanha, já se prepara uma extensa reforma judicial que agilize drasticamente os tempos processuais. Em Portugal, nada de semelhante. Apenas se fala no encurtamento das férias judiciais de verão em 15 dias. Um remédio recorrente para os Tribunais que se revela sempre pouco eficaz.

A experiência covideana, com as suas regras de exceção, tem o condão de nos fazer perceber que os Tribunais podem funcionar de outra forma, em cooperação mais estreita com os advogados, evitando deslocações e atos desnecessários. De resto, a única maneira de evitar um atascanço processual de grandes proporções nos Tribunais, é facilitar e agilizar os processos, fazendo uso das ferramentas informáticas que agora são de uso comum. Face ao que vai sendo a experiência nos Tribunais em estado de pandemia, ficam algumas ideias de mudança:

  • Realização de audiências prévias à distância, por videoconferência. Trata-se, na maior parte dos casos, de breves reuniões do juiz com os advogados para preparar o julgamento. Aliás, poderia até haver, mais amiúde, reuniões entre juízes e advogados sobre outras questões processuais, temperando a estrita rigidez escrita habitual no nosso processo.
  • Possibilidade de realizar julgamentos à distância nos processos mais simples e de menor valor, por sugestão do Tribunal e acordo das partes. Em Portugal, o princípio da imediação obriga a audição presencial de testemunhas, com algumas exceções. No entanto, nalgumas causas com baixo valor, poderia ser uma solução prática e eficiente.
  • Gravação de depoimentos de testemunhas com imagens, acabando com as caducas gravações áudio. É um anacronismo que, em 2020, ainda não se gravem imagens das testemunhas a depor em Tribunal, pois só imagens permitem, num eventual recurso, examinar com verdade o que foi dito pelas testemunhas no julgamento.
  • Utilização do CITIUS para atos em massa, tanto de processos como de advogados. O sistema informático dos Tribunais tem sido subutilizado e não se encontra plenamente explorado. Por exemplo, o CITIUS devia contar automaticamente prazos e custas, poupando trabalho a secretarias e a advogados. Tal como, durante a pandemia, o CITIUS também devia permitir que os advogados declarassem para todos ou alguns dos seus processos se concordam que os mesmos prossigam à distância, evitando milhares de despachos e requerimentos.

A escritora indiana Arundathy Roy pensa que a pandemia é também um portal, entre este mundo e o próximo, que nos permite entrever algumas das mudanças que estavam apenas esboçadas. É por esse portal que temos que espreitar para atualizar a nossa máquina judicial. Só assim cidadãos e empresas terão decisões com a rapidez a que têm direito.

  • Pedro de Almeida Cabral
  • Sócio fundador da Enes | Cabral

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