A recuperação será verde?

  • Pedro Martins Barata
  • 18 Maio 2020

Vários sinais apontam já para mudanças reais no nosso paradigma trazidas por esta crise. O mais claro foi a emergência do teletrabalho e ensino distância que cortou as emissões de CO2 para atmosfera.

Este é um dos desafios mais prementes do momento: a ânsia da recuperação da economia mundial no período pós-pandemia. Por muito grave que a crise económica seja, e ela arrisca-se a sê-lo de uma forma devastadora, é importante perceber que a crise climática que a precedia e que continua connosco é de uma complexidade muito maior e terá efeitos a longo prazo muito mais devastadores, ainda que, tal como a proverbial rã na panela, não nos apercebamos que estamos a ser “cozinhados”.

Um bom sinal, sem dúvida, foi a reafirmação nos últimos dias por parte de muitos líderes internacionais, em eventos como o Diálogo de Petersberg, da absoluta necessidade de conciliar a recuperação económica com a solução da crise climática. Tal como referiu o chefe de gabinete do presidente Obama aquando da última crise financeira, “uma crise é uma oportunidade (de mudança) boa demais para ser desperdiçada…”

Mas, mais do que as intenções expressas por governantes e celebridades, vários sinais apontam já para mudanças reais no nosso paradigma trazidas por esta crise. O mais claro, sem dúvida, foi a emergência do teletrabalho e ensino distância que cortou o número de deslocações e, por consequência, a redução das emissões de CO2 para a atmosfera.

Há ainda, sinais mais subtis destas mudanças: a reinvenção de processos industriais através da impressão 3D para produção de viseiras e de outras componentes usadas em ventiladores; e a necessidade do comércio online. Estas soluções e alterações adotadas um pouco por todo o mundo, mostraram-se mais verdes, contribuindo para uma quebra de quase 1 milhão de toneladas nas emissões de CO2 por dia.

Para além da simples aplicação tecnológica, assistiu-se também a um questionamento mais sincero dos nossos valores sociais. Tivemos a oportunidade de parar e de nos conhecermos melhor uns aos outros, observando-se uma proximidade entre vizinhos, comerciantes locais, e o bairro ganhando uma expressão que muitas vezes não a tinha. Na cidade, passámos a ser cúmplices uns dos outros quando nos espreguiçamos à janela, ou passamos com o cão pelo transeunte já não anónimo no parque.

O tempo dirá se muitos destes sinais se repercutirão no futuro na nossa vivência quotidiana. Há, contudo, uma questão que me parece inegável e que esta crise veio mostrar: a emergência de um novo modelo de produção e utilização de energia. Por via da limitação dos consumos, por via da queda do preço do petróleo, teme-se agora se não o fim do investimento, pelo menos o fim do ciclo ascendente em investimento nas energias renováveis.

Por um lado, os números da produção elétrica em Portugal e na Europa contam outra história, como descrevem os artigos do The Hill sobre a realidade alemã, Business Green, desta vez no Reino Unido e ainda o Financial Times sobre a crise e o seu impacto nas renováveis e no investimento. Em vários países batem-se diariamente recordes de penetração de energia renovável – solar, em particular – em grande parte também pela melhoria da qualidade do ar nos centros urbanos. Menos poeira significa ar mais limpo, melhor insolação e, logo, mais produção de energia.

Por outro lado, a experiência de uma disrupção social como a que esta pandemia causou, demonstrou a resiliência dos sistemas elétricos com alta penetração de energias intermitentes. Sabendo que estas não podem ser armazenadas na sua forma original, os resultados foram notáveis – as luzes não se apagaram – como confirmamos agora nos recordes de solar e eólico. Ao mesmo tempo, a resiliência de um sistema aumenta quando ele comporta alternativas e redundâncias e, como tal, esta crise veio mostrar também à sociedade a resiliência de modelos como o “prosumer” (produtor/consumidor) de eletricidade.

A geração renovável, em particular a geração distribuída, provou poder contribuir decididamente para a resiliência destes sistemas, ao mesmo tempo que melhora o acesso democrático à energia. A Coopérnico, cooperativa única de apoio às energias renováveis, continuará, por isso, com ainda mais força nos próximos anos na senda do investimento e comercialização de eletricidade renovável em Portugal.

Hoje com cerca de 1000 clientes em Portugal e produzindo anualmente 1850 megawatts-hora de energia limpa, evitamos a emissão de 687 toneladas de CO2 para a atmosfera. É por isso que nesta Primavera há razões para ter alguma esperança no futuro, e no futuro das energias renováveis.

  • Pedro Martins Barata
  • Membro da direcção da Coopérnico - Cooperativa de Energias Renováveis e consultor em energia e alterações climáticas da Comissão Europeia, OCDE, Banco Mundial e Ministério do Ambiente

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