Portugal Pandémico

A postura do Governo é de uma omissão calculada e calculista na acção política que pode ter resultados experimentais sérios na moral do País e na saúde da Nação.

O primeiro-ministro de Portugal está infectado. Resistente natural ao Covid, membro do museu da história natural do socialismo, o chefe do Governo sofre de uma infecção liberal aguda. Em mensagem informal aos portugueses, na sequência de uma reunião de emergência do gabinete de crise, o Governo comunica que afinal não há emergência e que a crise é a segunda temporada de uma série da Netflix. Para que tudo corra bem basta cumprir as regras, as mesmas regras que conduziram o País ao presente estado da pandemia. A lógica política desta afirmação é própria de uma legenda de um desenho animado para crianças analfabetas – os portugueses.

O vírus liberal do Governo socialista afirma, jura e promete que, numa lógica de responsabilidade cívica descentralizada, o respeito pelas regras garante a liberdade viral e o horizonte da normalidade. Acontece sempre aos convertidos serem mais crentes que os crentes de longa data.

Se um Governo de Direita tivesse esta atitude liberal devolvendo a responsabilidade à circulação social de uma sociedade solidária e homogénea, certamente que os socialista de serviço rebentariam de indignação perante a ausência do Estado. Neste cenário, a mesma política de hoje seria vista como prova da insensibilidade social da Direita. Mas sendo um Governo socialista, a decisão política liberta uma mistura tóxica à base de impotência, desvalorização, desinteresse, no limite, desresponsabilização política. A pandemia é uma fatalidade que está para além do bem e do mal, uma ocorrência determinista perante a qual o desígnio político é um adereço retórico. O País não pode parar, preparem-se com naturalidade para os 1000 casos diários numa contagem progressiva e progressista. Na visão do Primeiro-Ministro há duas coisas certas neste mundo – a morte e os impostos.

Este sonambulismo político não é inocente nem é virtuoso. O que o Governo vem dizer aos portugueses é que os portugueses devem contar exclusivamente com os seus próprios recursos, através dos seus comportamentos, das suas condutas, tudo convergindo num elenco de pequenos gestos no confinamento de um País estreito.

A lógica do mercado aplicada à contenção da pandemia não sofre dos defeitos da lógica do mercado aplicada à economia – não gera insegurança, nem o caos, nem especulação, nem desigualdade, nem injustiça social. Cinicamente, o Governo recomenda que os portugueses circulem na selva urbana até à exaustão da doença, aconselha que respirem o ar dos outros através dos padrões alfazema de uma máscara social. Se ficarem contaminados, recolham-se no domicílio. Se ficarem doentes, podem então acudir ao Serviço Nacional de Saúde pago com os impostos dos portugueses. Há qualquer coisa de profundamente imoral nesta atitude política.

A postura do Governo é de uma omissão calculada e calculista na acção política que pode ter resultados experimentais sérios na moral do País e na saúde da Nação. Quando na Europa, com medidas mais gravosas, mais directas, mais activas, mais duras, mais atentas, mais preventivas, mais repressivas da pandemia, vários países não conseguem controlar a explosão de casos que vão transformando o mapa do Continente em reservas exclusivas onde reina a coroa de uma proteína vermelha, em Portugal o Governo iluminado resolve debelar a questão com conferências de imprensa burocráticas, reuniões patéticas, muitas palavras e uma dose outonal de negação e de falsidade.

Seria preferível que o Executivo tivesse a coragem de assumir a solução da Suécia, onde não há confinamento, nem fecho das escolas, nem máscaras obrigatórias, onde os restaurantes e bares se mantêm abertos, onde a normalidade de uma vida normal não foi interrompida no paraíso social-democrata, tudo orientado pelo desígnio político de atingir por métodos naturais a imunidade de grupo. É a pandemia ao som cromático do disco sound dos Abba.

Imune ao medo, imune ao pânico perante o Covid, Portugal parece optar por uma engenharia social tão estranha quanto perigosa. Vamos então por partes. Na contabilidade feita nas costas de um envelope ocasional, o primeiro-ministro aparenta assumir uma estratificação social dos danos da pandemia.

Primeiro, morre a Geração Silenciosa, ou seja o corpo dos cidadãos nascidos antes de 1946. Depois, ficam infectados os famosos Baby Boomers, contribuintes nascidos entre 1946 e 1964 e que poderão sobreviver com ou sem sequelas secundárias e permanentes. Segue-se a Geração X, incautos que vieram ao mundo entre 1965 e 1980, o primeiro segmento social em que as perspectivas podem ser consideradas moderadamente optimistas. Na distribuição sequencial surge a Geração do Milénio e que inclui todos os indivíduos nascidos entre 1981 e 1996 – neste caso o panorama é francamente animador, com sintomas fracos da doença ou até com o predomínio da ausência de sintomas. Finalmente, a Geração dos Zoomers, nascidos depois de 1996 e praticamente insensíveis aos efeitos do vírus. Tudo somado, Portugal ficará transformado numa Nação jovem com um longo e próspero futuro à sua frente. Eis a política de um génio.

Quanto ao cancelamento do Natal. Impossível. Pela primeira vez na sua história, Portugal será verdadeiramente um Natal dos Hospitais.

Nota: Por opção própria, o autor não escreve ao abrigo do novo acordo ortográfico.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Portugal Pandémico

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião