Porque é que Portugal estagnou

A nossa primeira obrigação enquanto membros da sociedade é impedir que o governo, através do estado, cometa abusos. Em Portugal não estamos a cumprir este nosso dever.

Enquanto em Portugal persistirmos nos mesmos erros e não forem aplicadas ideias como as de Friedman, não conseguiremos alcançar o nível de desenvolvimento dos países mais avançados.

Faz agora 40 anos que Milton Friedman apresentou um programa de televisão em que demonstrava como o capitalismo é moralmente e empiricamente superior ao socialismo. “Free to Choose”, escrito com a sua mulher Rose, foi o livro que apresentou as ideias tão brilhantemente expostas nesse programa.

Vale a pena reler o livro e relembrar as ideias porque parece que foi escrito a pensar no Portugal de hoje. A primeira e imediata conclusão da sua leitura é que em Portugal se continua a ignorar os seus ensinamentos e a praticar o mesmo socialismo que Friedman denunciou.

Esta constatação é especialmente importante numa época em que as limitações à liberdade se tornaram normais e “aceitáveis”, e em que o estado português é apresentado como o “dínamo” que vai dar energia à sociedade usando dinheiro que não lhe pertence.

Alguns pensarão que isso não é relevante numa situação de pandemia. Infelizmente, não é bem assim. As mudanças fundamentadas na urgência dos tempos difíceis tornam-se muitas vezes permanentes e difíceis de reverter quando a crise termina. E estas mudanças vão no mesmo sentido das que conduziram a sociedade portuguesa para a terceira década de estagnação no seu desenvolvimento.

É por isso que me parece muito oportuno recordar algumas das ideias defendidas pelo casal Friedman. A introdução do livro é brilhante e só por si suficiente para ocupar este artigo, Friedman junta nela duas ideias simples mas poderosas, retiradas de Adam Smith e Thomas Jefferson, que depois desenvolve ao longo do livro:

  1. A liberdade económica do capitalismo é um requisito essencial para a liberdade política;
  2. O socialismo e a manipulação do estado para o seu reforço são uma limitação da liberdade que prejudica o desenvolvimento.

Liberdade económica e política

Adam Smith explicou-nos que a liberdade económica assenta numa instituição descentralizada, o mercado, onde as pessoas cooperam voluntariamente, sem coerção ou orientação centralizada, enquanto procuram alcançar os seus objectivos, contribuindo dessa forma para o desenvolvimento. Por isso o estado só relutantemente – e apenas quando tal for requerido pela sociedade – deve ser chamado a intervir.

Os economistas de hoje devotam grandes esforços a definir as situações em que o Estado deve intervir no mercado – as chamadas falhas de mercado -– mas parecem demonstrar um profundo desprezo, pelo menos desde James Buchanan e Gordon Tullock, pelos efeitos negativos que resultam da intervenção do estado — as falhas de governação.

O que Friedman mostra é que uma sociedade livre e democrática deve estar protegida de uma interferência do estado que prejudique a liberdade. E a liberdade económica descentralizada deve ser promovida pois contrabalança e limita a concentração e o exercício do poder político.

Friedman realça, citando Thomas Jefferson, a importância do autogoverno e da necessidade de colocar limites à interferência estatal na liberdade do ser humano: “um governo sábio e frugal, que impedirá os homens de causar danos uns aos outros, e em tudo o mais lhes dará a liberdade de regular as suas próprias realizações …”.

Esta ideia complementa outra das grandes inovações norte-americanas que vigora até hoje, o sistema de freios e contrapesos, e que foi divinamente verbalizada por James Madison, um dos “founding fathers” e co-autor da constituição dos EUA: “Mas o que é o próprio governo, senão a maior das críticas à natureza humana? Se os homens fossem anjos, não seria necessário governo algum. Se os homens fossem governados por anjos, o governo não precisaria de controlos externos nem internos”.

O estado funciona através de homens imperfeitos que limitam a liberdade económica e, por seu intermédio, a política, e quanto maior for o estado, maior serão esses limites. Esta mensagem é particularmente importante numa altura em que o estado é cada vez maior e vai continuar a crescer com a pandemia, aprofundando a promiscuidade com o poder económico, pelo que a nossa liberdade é cada vez menor e vai continuar a diminuir (o caminho para a tirania que Friedman refere).

Socialismo e manipulação do estado

O socialismo “vende” a ilusão de que somos governados por anjos enquanto coloca os recursos do Estado ao seu serviço, em vez de ao serviço da sociedade. Ao longo do livro, Friedman analisa maravilhosamente diferentes dimensões do papel do estado, e parece que o faz a pensar no Portugal do século XXI. Está lá tudo:

  1. A mediocridade do poder político focado na manutenção do poder;
  2. O nepotismo e as nomeações políticas de amigos e de partidários;
  3. A mesquinhez dos abusos de poder e os tiques autoritários;
  4. Os recursos aplicados por conveniência política e sem critério económico;
  5. A ineficiência das empresas controladas pelo estado;
  6. O cúmulo burocrático e a ausência de uma gestão adequada dos serviços públicos;
  7. O excesso de dívida pública e o travão ao desenvolvimento que representa;
  8. A carga fiscal originada pela despesa pública que os portugueses irão pagar no futuro;
  9. A exagerada legislação que se intromete em cada vez mais dimensões das nossas vidas.

Tudo isto é o socialismo actual, tudo isto é o estado no Portugal contemporâneo.

O socialismo há décadas que se instalou no estado e usa-o para manipular a sociedade e para se alimentar a si próprio. Uma das frases de Adam Smith que Friedman cita é paradigmática do que é a prática socialista: “Um indivíduo que pretende apenas servir o interesse público promovendo a intervenção do estado é levado por uma mão invisível a favorecer interesses privados”, mesmo nas ocasiões em que tal não faz parte das suas intenções.

Mas como recorda também Friedman, o sucesso do capitalismo realçou mais os males da sociedade e é na ingénua intenção de os corrigir que caímos no engodo de que o estado é feito de anjos bons que só fazem o bem. Como seres humanos que somos, tendemos sempre a dar como adquiridas as coisas boas conseguidas pela iniciativa da sociedade e a esquecer o perigo que representa para a liberdade a existência de um Estado forte, menosprezando a necessidade perpétua de proteger as pessoas contra a sua tirania.

Em Portugal esse risco é ainda maior pois os portugueses confundem o Estado português, que é o país, com o estado administrativo, que é um conjunto de entidades criadas para servir a sociedade. Daqui resulta a velha máxima de Luis XIV, agora colectivizada pelo espírito socialista: “O estado somos nós”.

Mas nós somos parte do país, não somos parte do Estado administrativo. As entidades administrativas não fazem parte da sociedade. As pessoas que trabalham para o Estado são membros da sociedade, mas a entidade administrativa “estado” não é parte dela. O estado existe para servir a sociedade no que esta requer e não para se servir da sociedade, como o socialismo pratica. O estado deve ser árbitro e não participante porque é esse o desejo dos homens livres. Enquanto esta confusão não for esclarecida, continuaremos a viver na ilusão de que somos governados por anjos, que, maravilha das maravilhas, até são nossos conterrâneos.

Tudo isto pode soar a mera retórica. Mas, como Friedman realça, os últimos 200 anos provam que não é. Os limites ao poder do estado e à acção socialista permitiram que Reino Unido, no século XIX, e Estado Unidos, no século XX, se desenvolvessem mais do que os outros países. Os últimos 20 anos em Portugal também ajudam a demonstrá-lo mas pela negativa, pois o estado manipulado pelos socialistas actuou como uma fonte de resistência ao desenvolvimento.

“Des-envolver” Portugal

O desenvolvimento é uma ambição comum a toda a sociedade portuguesa. “Desenvolver” é constituído pelo prefixo “des”, de oposição, e por “envolver”, do latim volvere, ou seja fazer girar. Mas o socialismo é o oposto. Em vez de “desenrolar, permitir o aparecimento de algo que estava tolhido”, o socialismo usa o estado para tolher, apertar, enrolar e limitar, e é por isso a negação do desenvolvimento.

A consequência de todo este delírio colectivista em que Portugal está metido há algumas décadas é o abuso do estado e o atrofiamento da responsabilidade dos membros da sociedade, como se observou no fim-de-semana passado com a proibição ilegal de transitar entre concelhos e a aberração policial que o poder político mandou instalar nas estradas.

Este atrofiamento vê-se pelo desperdício de talento na máquina burocrática do estado, pela desvalorização do trabalho árduo, do engenho e da iniciativa, a não ser que seja para contribuir para o colectivo socialista, pela aversão ao risco e pela ganância de gastar ou pela incapacidade de poupar. O socialismo mete-se em tudo o que nos diz respeito sem nos mostrar qualquer respeito.

A grande questão por responder que Friedman nos deixa é se já passámos ou não do ponto de não retorno em relação à presença de um estado manipulador nas nossas vidas privadas. Para o evitar, a nossa primeira obrigação enquanto membros da sociedade é impedir que o governo, através do estado, cometa abusos. Em Portugal não estamos a cumprir este nosso dever.

Friedman deixou-nos ideias que teimamos em ignorar. Enquanto em Portugal persistirmos nos mesmos erros e não forem aplicadas ideias como as de Friedman, não conseguiremos alcançar o nível de desenvolvimento dos países mais avançados. É preciso “des-envolver” Portugal, e isso faz-se libertando-o do socialismo.

Nota: Por opção própria, o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico.

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