A concorrência é também digital

  • Rita Aleixo Gregório
  • 3 Março 2021

O recurso a algoritmos de monitorização e de definição de preços pode evitar guerras de preços, conduzindo à sua uniformização.

Ninguém tem dúvidas de que a pandemia Covid-19 veio sacudir o status quo. Veio modificar hábitos e adaptar procedimentos. Veio acelerar a alteração de comportamentos, incluindo – entre outros – do nosso comportamento como consumidores, em particular da nossa forma de comprar.

A pandemia forçou-nos a vencer antigas resistências e a ficarmos mais digitais, massificando o comércio eletrónico e/ou diversificando os padrões de consumo online, privilegiando bens que satisfazem necessidades mais imediatas (como alimentos ou produtos de parafarmácia), em detrimento de outros que viram decrescer a sua procura neste canal (como o vestuário).

Ao mesmo tempo, assistiu-se a uma acomodação crescente dos operadores económicos a esta (rápida) mudança de paradigma, com reflexo na dinâmica concorrencial entre os mesmos.

Neste contexto evolutivo, intensificou-se o debate sobre a adequação dos instrumentos existentes para responder aos desafios concorrenciais da economia digital. Isto porque, sendo inegável que o comércio eletrónico tem associadas diversas vantagens para os seus utilizadores (como o incremento da transparência, a maior oferta de bens e serviços e o alargamento de mercados geográficos, de um lado, e menores custos operacionais e um maior leque de clientes, do outro), é também inegável que comporta riscos e dificuldades acrescidas à luz das regras de concorrência.

A maior transparência das plataformas digitais, porque permite a monitorização em tempo real dos preços de (re)venda, pode facilitar a colusão entre empresas. O recurso a algoritmos de monitorização – que, segundo apurou a Autoridade da Concorrência, será feito pela maioria das empresas que monitorizam os preços online dos seus concorrentes – e de definição de preços pode evitar guerras de preços, conduzindo à sua uniformização. Também a utilização de algoritmos de ranking e de recomendação pode ser feita de modo a influenciar o comportamento do consumidor a fim de dificultar a entrada de novos operadores no mercado.

Acresce que, o combate ao parasitismo dos distribuidores online sobre os distribuidores físicos (designadamente em contextos de distribuição seletiva) e a admissibilidade de acordos de fixação dual de preços (i.e., com distinção entre o canal online e o canal offline) e de restrições publicitárias em ambiente digital (incluindo a utilização de marcas como keywords em motores de busca) são exemplos de matérias que continuam a suscitar controvérsia.

O vivo debate em torno destas questões, no âmbito quer da revisão da legislação da União Europeia aplicável às restrições verticais, quer das iniciativas conduzidas pela Comissão Europeia com impacto na economia digital (Digital Finance Package, Digital Markets Act e Digital Services Act), é suficientemente ilustrativo das incertezas que norteiam a aplicação do direito da concorrência na economia digital.

Não é, porém, expectável que tal conduza ao abrandamento da atividade investigatória e sancionatória da conduta das empresas em ambiente digital. Pelo contrário, a investigação de indícios de abuso (designadamente, de encerramento do mercado a novos operadores) e de colusão (com destaque para alinhamentos de preços ou repartições de mercados) em ambiente digital continua a ser uma prioridade da política de atuação da Autoridade da Concorrência para 2021. Espera-se (e é desejável) que essa atuação seja feita com a parcimónia que o referido contexto de incerteza e de reforma impõe.

  • Rita Aleixo Gregório
  • Consultora sénior da PLMJ

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

A concorrência é também digital

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião