Manual do Estagiário

O Manual do Estagiário tem algumas dicas como “seja legal ou finja que é" ou ainda “não defenda excessivamente um trabalho recusado" pois pode parecer que não tem mais ideias.

Caro leitor, caso esteja à procura de um texto efusivo sobre os malefícios dos estágios, a epidemia dos recibos verdes, a forma como os estagiários são explorados por malévolos empresários e sobre como o Estado deveria garantir a todos os licenciados um ordenado enorme, um smartphone topo de gama (mas sem acesso ao e-mail, porque ver mails fora do trabalho é traumatizante), um horário das 10h às 17h, férias pagas num timesharing em Vilamoura, uma garrafa de Grey Goose por semana no Lux (porque a vida não é só trabalho) e uma Volvo V70, então está no sítio errado.

Se realmente procura um texto desse género poderá procurá-lo no P3, o suplemento do jornal Público que está mais à esquerda que o Avante. Sim, do jornal Público! O mesmo jornal ao qual a esquerda apontou esta semana o dedo ao diretor, por demitir dois profissionais que são de esquerda. Competentes ou incompetentes não importa, mas onde é que já se viu dispensar os serviços de pessoas de esquerda?! Coragem David, no Portugal da Geringonça não é fácil vencer este Golias.

O Manual do Estagiário de que vos quero falar, felizmente não tem estas frescuras. Foi escrito em 1997 por Eugênio Mohallem para o site do Clube de Criação de São Paulo, hoje Clube de Criação do Brasil e tem como objetivo ajudar os jovens publicitários a singrarem na sua carreira.

Este texto foi-me dado a conhecer por colegas de agência brasileiros, mesmo no início da minha carreira e ajudou-me bastante. Houve inclusive uma altura em que me apercebi que muito mais pessoas em Portugal o tinham lido e que o iam passando aos seus colegas e amigos. De facto, a atualidade do que foi escrito nesse documento de 19 páginas, mantém-se intacta até ao dia de hoje.

Neste pequeno manual, começa-se por explicar como criar uma “pasta”, o que em Portugal chamamos de portfólio criativo. São dados vários conselhos sobre o número de trabalhos a incluir, como devem estar numerados, qual a variedade de medias que devemos ter e até como a devemos apresentar ao diretor criativo que nos está a entrevistar.

Mas esta não é a parte realmente importa. As melhores dicas são indiscutivelmente aquelas sobre os primeiros tempos de trabalho de um estagiário. Aqui podemos encontrar passagens como “Seja legal. Ou finja que é. Depois que você virar dono de agência, aí pode ficar intragável à vontade”, ou ainda “Não defenda excessivamente um trabalho recusado. Gente que se agarra demais a uma ideia é porque deve ter poucas”, ou “Se o diretor de criação tiver que perder mais tempo com você do que perderia fazendo ele mesmo o trabalho, você é apenas um estorvo” e por fim “Pode esquecer a novela das sete. Carreiras são como aviões: você precisa de mais força na descolagem do que para se manter nas alturas. Ou seja, esteja preparado para ralar muito nos primeiros anos”.

Num país onde não existe uma apologia do trabalho, onde se demoniza a competitividade laboral, onde se desculpabiliza a incompetência, onde quem trabalha pouco faz gala disso e onde se alimenta diariamente a falácia de que podemos tornar-nos um país rico se todos trabalharmos menos, textos como estes deviam ser obrigatórios.

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