A máquina da verdade

  • David Tomé
  • 28 Janeiro 2021

Já ouviram falar greenwashing? É quando nos querem “vender” uma imagem falseada de sustentabilidade e onde o propósito e impacto não são mais que palavras vãs, em conteúdo ou substrato.

“Não podemos ser voluntaristas”, “hoje já fizemos o suficiente pela natureza”, “temos um relatório de sustentabilidade muito bonito”. Apesar das afirmações serem algo surpreendentes, posso-vos garantir que são verdadeiras.

Um pouco por todo o mundo, o compromisso com a sustentabilidade parece adquirir cada vez mais adeptos. Serve de exemplo o Business Roundtable (1), nada mais do que uma associação de 200 CEO, entre os quais Jeff Bezos da Amazon e Tim Cook da Apple, que declararam formalmente o compromisso para com todos os stakeholders.

Contudo, é tal a divergência entre a teoria – aquilo que se escreve – e a prática – aquilo que se faz-, que começo a acreditar que vivemos numa realidade paralela.

Já ouviram falar greenwashing? Pois, é o nome que damos quando nos querem “vender” uma imagem falseada de sustentabilidade e onde o propósito e impacto não são mais que palavras vãs, sem conteúdo ou substrato.

O conceito de greenwashing foi cunhado nos anos 80 por Jay Westerveld (2), aquando de férias no Havai. Este notou uma clara incongruência entre a prática do hotel onde estava hospedado e a sua suposta responsabilidade ambiental cujo objetivo central era a proteção dos corais. Por um lado, apelavam à consciencialização dos clientes para não efetuarem a troca diária de toalha, por outro estavam a construir mais quartos para incentivar o turismo, aumentando exponencialmente a pressão sobre esse ecossistema marítimo.(3)

O olhar crítico para a verdadeira sustentabilidade ganhou relevo na academia. Por cá, o Center for Responsible Business e Leadership da Universidade Católica Portuguesa de Lisboa (4), considera que o conceito de greenwashing está associado a práticas de organizações que “falam muito sobre sustentabilidade, mas fazem muito pouco”. Ou seja, um elemento de ilusão ao serviço das agendas dos departamentos de comunicação.

Algumas empresas focadas apenas no retorno económico de curto prazo, criam imagens fantasiosas na mente de todos os stakeholders, ao auto sinalizam-se como arautos das boas práticas, quando estas na verdade não passam de “ações de relações-públicas” (5).

Motivados por esta perspetiva de “realidade incompleta” George Serafeim (6) e Sir Ronald Cohen desenvolveram a iniciativa Impact-weigthed accounts. Numa tradução forçada para português, poderíamos estar a falar de “contas ponderadas pelo seu impacto”. O conceito procura apurar o valor efetivamente criado por uma empresa, após consideração dos seus efeitos nas várias dimensões ESG.

O lucro ou o prejuízo passam a não ser suficientes para determinar o sucesso de uma empresa. É preciso monetizar o impacto social e ambiental decorrente da ação ou da inação, subtraindo-o (se negativo) ou somando-o (se positivo), ao resultado contabilístico. Ficaremos assim com uma imagem verdadeira e apropriada do valor efetivamente acrescentado pelas organizações.

Sir Ronald Cohen, vem enfatizar (7) a oportunidade e a necessidade induzida pela recente crise pandémica de apurar os verdadeiros impactos sociais e ambientais. Tal como em 1929, a não-existência de um sistema robusto de avaliação e regulação da realidade factual levou a uma situação de catástrofe humana, também agora a não-consideração de todos os impactos nos levou a uma desestabilização de todo o sistema económico social e ambiental.

A máquina da verdade ainda está a ser afinada, mas veio para ficar e esperemos que tenha muito uso, sobretudo se vier a reverter más práticas e a promover um ciclo virtuoso de prosperidade.

Notas:

  1. https://www.businessroundtable.org/
  2. https://en.wikipedia.org/wiki/Jay_Westerveld
  3. https://hivelife.com/greenwashing/
  4. https://www.clsbe.lisboa.ucp.pt/edition-10-greenwashing
  5. Bebchuk, L A. and Tallarita, Roberto, The Illusory Promise of Stakeholder Governance (February 26, 2020)
  6. https://www.hbs.edu/impact-weighted-accounts/news/Pages/default.aspx
  7. Crisis offers a chance to rewrite accounting to include impact. Financial Times, 16 de Julho de 2020
  • David Tomé

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