O novo normal na vida das sociedades

  • Marta Graça Rodrigues
  • 16 Março 2021

Podemos dizer que as assembleias gerais telemáticas passaram a fazer parte do novo normal na vida das sociedades.

Nos inícios da pandemia e face à proximidade das assembleias gerais anuais que teriam de se realizar até 31 de março ou 31 de maio, o legislador cuidou especificamente deste tema, prorrogando tal prazo para 30 de junho de 2020. Foi também referida na legislação adotada a possibilidade de realização de reuniões de órgãos colegiais por meios telemáticos, com a CMVM a emitir recomendações no mesmo sentido.

Essa possibilidade, reconhecida no Código das Sociedades Comerciais desde 2006, na prática, e tanto quanto é do nosso conhecimento, nunca tinha sido utilizada em assembleias gerais de sociedades cotadas e era geralmente suprimida nos estatutos das não cotadas, sendo sobretudo invocadas dificuldades técnicas para tal.

No entanto, desde aí, tiveram lugar pelo menos uma assembleia geral (anual) por cada sociedade cotada, para além das extraordinárias realizadas em algumas das maiores cotadas portuguesas, podendo através de uma consulta rápida das respetivas convocatórias perceber que apenas nas sociedades com reduzida dispersão de capital foram realizadas reuniões presenciais.

No atual Estado de Emergência, já não houve qualquer prorrogação de prazos, sendo assumido que as assembleias gerais serão realizadas por forma não presencial. Podemos dizer que as assembleias gerais telemáticas passaram a fazer parte do novo normal na vida das sociedades. Ainda assim, diríamos que, havendo agora tempo para tal, deveriam as sociedades aprimorar as formas de participação e votação dos acionistas, não devendo ser justificação para algumas limitações a tais direitos as dificuldades técnicas que inicialmente se podiam ter colocado. Falamos designadamente da possibilidade de os acionistas inscritos votarem durante a assembleia geral e não mais obrigatoriamente de forma antecipada por correspondência ou voto eletrónico nos dias anteriores à assembleia.

Com efeito, é natural e até desejável, que os acionistas possam, no decurso da reunião, e em função da informação disponibilizada na mesma, definir ou alterar o seu voto e exercê-lo no momento de forma mais informada. Esta possibilidade, genericamente suprimida nas assembleias realizadas no ano passado pois implicava soluções tecnológicas porventura mais desenvolvidas, no contexto da nova normalidade deveria ser reposta, pois a reunião não deveria resumir-se à mera proclamação por parte do Presidente da Mesa dos resultados da votação feita nos dias anteriores. Tal permitiria voltar a ter reuniões de assembleias gerais nas quais todos – incluindo a administração e a mesa – entram para a reunião sem saber qual será o resultado, voltando a introduzir-se o fator surpresa que caracterizou tantas das deliberações tomadas em assembleias gerais de sociedades com capital disperso.

De igual modo, deverão as sociedades desenvolver soluções técnicas que permitam que os acionistas possam intervir na reunião, exercendo o direito à informação que lhe assiste. Na verdade, a Assembleia Geral é o lugar por excelência para a administração prestar contas aos respetivos acionistas e tal não se compadece com a necessidade de envio à sociedade das questões por escrito fora e antes da reunião.

Caberá ao Presidente da Mesa assegurar que as condições para o exercício dos direitos a participar e votar são criadas, tanto mais que podemos esperar que mesmo depois da pandemia as sociedades deverão continuar a usar do expediente das assembleias telemáticas, ou pelo menos mistas, com a inerente poupança em logística e instalações, designadamente no caso de assembleias mais mediáticas com uma maior afluência de participantes. E não vale vir dizer que não houve tempo para se prepararem, pois este é já hoje o novo normal da vida das sociedades.

  • Marta Graça Rodrigues
  • Sócia da Garrigues

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