“Há que fazer mais investimento tecnológico na justiça”, diz Sofia Martins, sócia da Miranda

A sócia da Miranda tem mais de 20 anos de experiência na área do Contencioso & Arbitragem. Leia a entrevista.

A Sofia Martins entrou na Miranda em 2014. Com mais de 20 anos de experiência, a sua prática centra-se na área do Contencioso & Arbitragem. A sócia é a escolha da Advocatus para a rubrica “Como é fazer contencioso em plena pandemia”?

As férias judiciais são um tema que é politicamente recorrente. Perante este contexto da pandemia, concorda que deveriam ser reduzidas, de forma a recuperar o tempo perdido? Parece-me uma solução simples mas que terá alguns anti – corpos.

O problema das férias judiciais é, a meu ver, uma falsa questão. As pessoas tendem a pensar que durante as férias judiciais nenhum dos operadores judiciários trabalha, o que não corresponde à verdade. Os processos urgentes continuam a tramitar, por exemplo. Os juízes que não estão efetivamente de férias continuam a proferir despachos e sentenças. As secretarias continuam a expedir notificações. E os advogados continuam a trabalhar não apenas nos processos urgentes como também noutros assuntos, judiciais e não judiciais. A única diferença é que os prazos previstos na lei para os advogados praticarem, em representação dos seus clientes, determinados atos, ficam suspensos.

A verdade é que as férias judiciais maiores – as que coincidem com o período do verão e que duram seis semanas – visam permitir precisamente que magistrados, funcionários e judiciais e advogados consigam, apesar de tudo, abrandar o ritmo e tirar os dias de descanso a que têm direito (no caso dos magistrados e funcionários judiciais) ou que conseguem (no caso dos advogados).

Por outro lado, diferentemente do que se passou no primeiro momento da pandemia, neste momento a atividade judicial não está paralisada. O que se previu – e não vou entrar nas fragilidades da redação do diploma legal – é precisamente que os prazos perentórios estão suspensos no que não sejam processos urgentes. Isto de modo a acautelar as dificuldades sentidas no cumprimento de prazos, seja pela dificuldade de acesso a documentos necessários para elaborar uma peça processual, seja pela dificuldade de contacto entre clientes e advogados, etc..

Mas a lei determina que magistrados continuem a proferir despachos e sentenças. E até que se realizem, inclusive por meios de comunicação à distância, todas as diligências possíveis, desde que com o acordo de todos os intervenientes. Isto significa que todos os operadores judiciários terão, em algum momento do ano, de poder tirar férias, pois têm continuado a trabalhar.

Dito isto, se é certo que não me choca que nesta fase se pudesse encurtar o período de verão para 4 semanas, a verdade é que mais do que isso é muito complicado de gerir, pois traria problemas à organização dos tribunais, designadamente em termos do direito a férias de magistrados e funcionários.

Fala-se ou falou-se em situações de pré-ruptura do SNS. E do sistema de Justiça? O que se pode esperar com esta paragem derivada da pandemia?

Conforme minha resposta acima, não estamos a meu ver perante uma paragem. Um abrandamento, em certa medida, mas não uma paragem. Tendo por referência o período anterior de confinamento, houve adiamento de vários julgamentos, de facto, mas todos se realizaram no último trimestre do ano, daquilo que foi a minha experiência. É evidente que estamos perante alguma pressão adicional que motiva algum atraso, mas não creio que se possa falar em rutura. Pelo menos na área cível, que é aquela em que exerço maioritariamente a minha atividade. Os problemas que existem são os que já existiam, agravados por algum atraso adicional.

Dito isto, se é certo que não me choca que nesta fase se pudesse encurtar o período de verão para 4 semanas, a verdade é que mais do que isso é muito complicado de gerir, pois traria problemas à organização dos tribunais”

Quem serão as maiores vítimas desta paragem?

Eu tenho a sorte e o privilégio de trabalhar num escritório que tem todos os meios tecnológicos que me permitem – e a toda a equipa de contencioso da Miranda – continuar a trabalhar remotamente sem grandes sobressaltos. Tenho também a sorte de residir em Lisboa, onde o acesso à internet é fácil e tem qualidade. Tenho consciência que esta realidade não é transversal a todo o país e a todos os advogados, e diria que são estes aqueles que mais estarão a sofrer com a situação que vivemos atualmente.

O discurso dos atrasos na Justiça é recorrente. Já foram adiadas 50 mil diligências devido à Covid-19. Esta passará agora sempre a ‘desculpa’ para esses mesmos atrasos?

Confesso que não conheço as estatísticas. Admito que sejam esses os números, mas sinceramente não sei, nem sei que tipo de diligências estão aí incluídas. Como referi há pouco, no primeiro período de confinamento vi vários julgamentos a ser adiados, mas já todos tiveram lugar entretanto. Não me parece, pois, que a pandemia possa servir de uma desculpa para justificar os atrasos que já vinham de trás. Esses devem-se a muitas outras razões, conhecidas no meio, como, por exemplo, falta de meios dos tribunais de comércio face ao número e tipos de processos que lhe estão confiados.

Não é fácil ser PM ou ministra da saúde nesta fase. Mas como avalia a atuação do Governo ao lidar com a pandemia? Estamos reféns das opiniões de demasiados especialistas?

Tenho dito muitas vezes em conversas com amigos e colegas que não invejo a posição do atual governo. É evidente que há coisas que poderiam ter sido feitas de outra forma ou de forma mais expedita. Mas detesto “engenheiros de obra feita”. Ninguém sabia o que nos esperava e ainda hoje continuamos a aprender, a cada dia, o que é verdadeiramente esta doença e como se pode evitar/mitigar/conter. Por isso, tenho dificuldade em “passar julgamento” a todos os governantes. Estamos a falar de pessoas que, na sua generalidade, não são cientistas. E quando nem estes muitas vezes se entendem ou quando a própria ciência vai evoluindo nas suas perceções acerca do que é ou não indicado, exigir que os políticos, que no final do dia são quem tem de tomar as decisões, façam tudo bem, numa análise necessariamente ex post, parece-me injusto. Julgar o passado com o conhecimento que se tem do presente é sempre muito injusto.

Fazer contencioso em confinamento é possível?

É. Como referi, tenho a sorte de ter todos os meios à minha disposição. Tenho computador em casa, tenho impressora, tenho internet, tenho certificado digital, tenho uma biblioteca física no escritório à qual posso aceder quando preciso, há inúmeras bases de dados disponíveis online, tenho software que me permite fazer videoconferências com facilidade. O meu trabalho é essencialmente intelectual, pelo que não tenho sentido grandes dificuldades em continuar a fazer tudo aquilo que é aconselhamento a clientes em cenários pré-litigiosos ou mesmo preparação e apresentação de peças processuais. A única coisa que tem sido mais difícil é a realização de audiências judiciais de forma remota, em grande parte devido a dificuldades técnicas mais dos tribunais que dos advogados.

Ninguém sabia o que nos esperava e ainda hoje continuamos a aprender, a cada dia, o que é verdadeiramente esta doença e como se pode evitar/mitigar/conter. Por isso, tenho dificuldade em “passar julgamento” a todos os governantes. Estamos a falar de pessoas que, na sua generalidade, não são cientistas”

As diligências feitas à distância são uma miragem, um discurso enganoso do poder político? A Justiça ainda não é suficientemente tecnológica?

Não acho de todo que sejam uma miragem. Aliás, na arbitragem internacional, área onde trabalho bastante, têm continuado a ser feitas múltiplas audiências de forma virtual.

Há poucas semanas o Círculo de Advogados de Contencioso, a cuja direção pertenço, organizou um webinar – que será disponibilizado no site do Círculo – precisamente sobre este tema. Recomendo aos leitores que assistam.

Há que fazer mais investimento tecnológico na justiça, sem dúvida. Seja em termos de conexão à internet, seja em termos de formação dos operadores, seja inclusive em termos de alguma flexibilização nas plataformas utilizadas. Mas no que respeita a audiências prévias, as mesmas têm sido feitas, genericamente com bastante sucesso, havendo até quem entenda que, no futuro, isso poderá e deverá continuar a ser assim, com enormes poupanças de tempo para todos os envolvidos (evitam-se deslocações e necessidade de salas de audiência, por exemplo). Audiências de julgamento têm suscitado maior ceticismo. Mas, como digo, em arbitragem são neste momento a norma, não obstante haver processos e processos e nem todos serem compatíveis com audiências puramente virtuais.

Dá-se ao “luxo” de poder recusar casos?

Não creio que se trate de um luxo. Em consciência, se não tenho tempo, porque estou com muito trabalho, ou se entendo que não tenho os conhecimentos especializados que considero adequados, é meu dever deontológico recusar o patrocínio. Não raras vezes sou contactada e remeto o assunto para outros colegas que entendo poderão tratar o assunto de forma mais adequada do que eu. Isto para além das situações em que existe um conflito de interesses, em que naturalmente não aceito.

O facto de estar integrado num escritório de grande dimensão, corta-lhe as vazas para aceitar alguns clientes?

Não creio que se possa falar em cortar vazas. É evidente que numa estrutura grande, o potencial de surgimento de conflitos de interesses é maior. E tenho tido algumas situações desse tipo. Mas tenho também benefícios de estar numa estrutura como a Miranda, que entendo ultrapassam largamente as potenciais desvantagens.

Também nunca me senti coartada na aceitação de casos mais pequenos ou de clientes individuais. Eu é que muitas vezes opto por não o fazer em razão de falta de disponibilidade que muitas vezes este tipo de casos exige e que entendo, em consciência, não ter.

Sente que o escritório onde está, pela estrutura que tem, dá menos valor ao contencioso e mais a uma advocacia de negócios?

Historicamente, a Miranda estava de facto mais focada na advocacia de negócios. Mas com o passar do tempo evoluiu e compreendeu que sem um contencioso competente e eficaz não poderia prestar aos seus clientes um serviço de qualidade, full service. É precisamente na área dos negócios que surgem os maiores litígios, pelo que o bom acompanhamento dos clientes passa, necessariamente, por uma equipa de contencioso forte, que acompanhe os advogados das áreas mais transacionais, ajudando na prevenção e, no limite, na resolução dos litígios. Precisamente por isso a Miranda entendeu ser importante apostar também na área do contencioso. A minha contratação, pela Miranda, em 2014, fez precisamente parte desse movimento, e tenho sido estimulada a desenvolver cada vez mais a área, que tem vindo a crescer, quer em termos de equipa, quer em termos de volume de trabalho, nos últimos anos. Ao dia de hoje creio, pois, que a generalidade dos meus colegas de escritório reconhece a utilidade e importância de ter uma equipa de contencioso forte.

O contencioso já foi mais valorizado do que é?

Depende da perspetiva. Para mim, naturalmente, continua a ser a área mais nobre do exercício da advocacia, e que exige um conhecimento mais transversal das várias áreas do direito. Quando comecei a trabalhar, há mais de 20 anos, não havia ainda áreas de especialidade como há hoje, em Portugal. E, portanto, todos os advogados, de forma mais ou menos intensa, faziam um pouco de tudo, incluindo contencioso. Considero, aliás, que isso foi fundamental no meu crescimento enquanto advogada. A especialização, sobretudo nos escritórios maiores, levou a que alguns advogados deixassem praticamente de fazer contencioso e talvez se possa ter gerado algum preconceito. Mas a verdade é que quando as transações dão para o torto, é no contencioso que acabam, pelo que mesmo os advogados mais transacionais acabam por entender a importância do que fazemos. O mesmo se diga quanto a clientes.

E as boutiques nesta área fazem sentido?

Creio que podem fazer, sim. Com mencionei há pouco, as estruturas maiores geram mais conflitos e é natural que alguns colegas que estão mais focados em contencioso prefiram ter estruturas dedicadas apenas (ou principalmente) ao contencioso. Naturalmente que a integração de equipas de contencioso noutras estruturas continua a fazer sentido. Mas são dois modelos perfeitamente possíveis.

Já foi ameaçado ou insultado em tribunal?

São termos bastante fortes. Mas picardias, por escrito e mesmo em audiência, são comuns. Houve uma outra ocasião em que me senti mais ofendida, mas nunca nada que me tenha tirado noites de sono.

Qual foi o caso em que saiu do tribunal e pensou “saí-me mesmo bem!”? Sem falsas modéstias.

Naturalmente não posso falar, por motivos deontológicos, de casos concretos. Mas tenho a sorte de ao longo da minha carreira ter tido algumas situações em que claramente senti que tinha feito a diferença, e isso é muito gratificante.

Lembro-me de pelo menos dois casos – um há alguns anos e outro mais recente – em que senti que o meu trabalho fez toda a diferença, o que pude confirmar ao ler as sentenças, onde reconheci vários trechos relevantes de argumentação que tinha utilizado.

A Justiça faz-se condenando. Esta é a tese que domina na opinião pública. Como explicar ao cidadão comum que não é esse o caminho?

A Justiça faz-se condenando quando há factos e prova que devam levar a uma condenação. Faz-se absolvendo quando assim não é. Condenar com base em opiniões ou preconceitos, sem prova, não é Justiça.

Como é a sua relação com a magistratura. É do tipo de advogado conflituoso, diplomata, respeitador ou mais provocador?

Eu diria que é boa. Tenho grande respeito pelos magistrados, e de forma geral creio que é mútua. Considero-me uma advogada respeitadora. Claro que há uma outra situação em que tenho de ser mais assertiva, mas “não é com vinagre que se apanham moscas”. E o respeito mútuo é essencial. Além do que o Juiz não é a parte contrária. É quem vai decidir se quem tem razão é o meu cliente ou a outra parte. Pelo que merece todo o respeito e consideração e não ser brindado com factos ou argumentos irrelevantes ou com petulâncias que em nada o ajudam a decidir o litígio. Tenho aliás notado que quanto mais “experiente” sou, mais objetiva e clara sou na forma como escrevo. Os pontos de exclamação, os adjetivos desnecessários, etc., são recursos que praticamente não uso. Servem para muito pouco ante os magistrados.

Se fosse ministro da Justiça quais seriam as suas três prioridades?

Ainda bem que não sou! A primeira coisa que me vem à cabeça é a necessidade de maior diálogo entre os vários operadores judiciários. E do Ministério com todos eles, em particular com os advogados. Nos últimos anos creio que a atenção do Ministério tem estado mais focada noutros operadores judiciários e não nos advogados. Não que estes devam ter mais atenção do que os outros. Mas devem ter a mesma atenção, pois sem advogados não há sistema de Justiça. Somos tão importantes como magistrados judiciais e do Ministério Público. Um outro ponto seria o investimento na formação dos oficiais de justiça. E um terceiro, o apoio aos magistrados por secretários especializados, com formação jurídica. Beneficiavam os magistrados, que ficariam libertos de muitas tarefas mais administrativas ou de mero expediente e que teriam ajuda para pesquisas mais profundas que precisassem de fazer, por exemplo, podendo dedicar-se de melhor forma a decidir, que é a parte mais nobre e mais importante da sua função. Beneficiavam jovens juristas, que poderiam ganhar uma relevante experiência ao assessorar magistrados nas suas funções. E beneficiava a Justiça, que certamente seria mais célere.

A Justiça faz-se condenando quando há factos e prova que devam levar a uma condenação. Faz-se absolvendo quando assim não é. Condenar com base em opiniões ou preconceitos, sem prova, não é Justiça”

E bastonário da Ordem dos Advogados?

Tentava unir a classe e acabar de vez com a disparatada querela entre advogados em prática isolada e grandes escritórios. Somos todos advogados e há espaço para todos. A advocacia, como qualquer outra profissão, tem pessoas mais vocacionadas para um tipo de atividade do que para outra. E todos devem poder exercer como entendem e preferem, sem rótulos e preconceitos. Por outro lado, reformulava o estágio, que padece de enormes problemas centrados numa visão única e muito ultrapassada do que e hoje a atividade do advogado.

E, finalmente, se fosse PGR?

Como não trabalho na área penal, tenho alguma dificuldade em responder, pois o papel do Ministério Público é muito menos preponderante na área cível. Mas diria que na generalidade é preciso fomentar um maior diálogo com outros operadores, em concreto com advogados.

Qual foi ou é para si o melhor ministro/ministra da Justiça desde o 25 de abril?

Tinha 8 meses quando se deu o 25 de abril, pelo que dificilmente poderia falar de todos os Ministros da Justiça desde então. Iniciei o estágio em 1996, precisamente no ano em que entrou em vigor a profunda reforma do processo civil de 1995/1996. Muitos talvez não se lembrem bem nem tenham noção dos efeitos desta reforma, até porque depois disso já houve outras. Mas, com todas as críticas que se lhe possam fazer, foi um marco muito relevante, pelo que me vem logo à cabeça Laborinho Lúcio e Vera Jardim.

Fora isso, honestamente é muito difícil fazer comparações entre Ministros que exerceram os seus cargos em períodos e contextos diferentes.

Se pudesse escolher, em que jurisdição (europeia ou mundial) trabalharia e porquê?

Quando me formei não era vulgar um licenciado em direito aventurar-se para fora. Se me formasse hoje, provavelmente iria para fora, para ganhar experiência internacional na área da arbitragem. Dito isto, cheguei lá mesmo estando em Portugal. Parte relevante da minha atividade centra-se, precisamente, na arbitragem, em litígios que nada têm a ver com Portugal, pelo que me sinto bem por cá. Claro está que o centro do mundo, nesta área, fica mais a norte, sobretudo em cidades como Paris ou Londres. E por vezes tem sido frustrante não poder estar no “centro do mundo”. Mas não me posso queixar. Pelo contrário. Gosto do que faço e consegui aceder a esse mundo por outras vias.

Os advogados têm horizontes mais abertos que os magistrados (juízes ou procuradores)?

Honestamente, creio que sim. Lembro-me de há muitos anos uma colega de faculdade e amiga que seguiu a via da magistratura judicial me ter comentado que devia ser uma chatice ter de lidar com os clientes. É certo que por vezes há alguns clientes mais difíceis. Mas é o contacto com os clientes e as suas atividades que nos permitem ter uma visão mais pragmática do que é o dia a dia de uma empresa, de um setor, de uma atividade. E o direito não pode viver na abstração dos conceitos. Tem de ser aplicado à vida, aos factos. Compreendê-los é por isso fundamental. Para além do que me permite ganhar conhecimento variado em áreas totalmente díspares. Por ser advogada de contencioso já tive de aprender muitas coisas que desconhecia em absoluto: desde o processo de fabrico de iogurtes e à sua colocação no mercado da grande distribuição, a como se utilizam explosivos para abrir fundações de grandes obras, a matérias financeiras, e poderia continuar. Esse contacto direito com a vida comercial creio que nos dá uma maior abertura para compreender a generalidade dos problemas.- são muito dependentes ou influenciadas pelo mediatismo?

Na área cível, não creio que assim seja. Nunca o senti. Na área penal, admito que possa acontecer em alguns casos, mas como já referi não é a área em que me movo, pelo que prefiro não fazer afirmações pouco sustentadas. Posso em qualquer caso dizer que em algumas experiências relevantes que tive, não senti isso, em fase de julgamento. Pelo contrário, tive a sorte de me deparar com magistrados muito competentes e que decidiram com base nos factos, de forma justa. Posso ter tido sorte, mas é o que posso atestar da minha experiência pessoal nessa área, a qual, como digo, não será representativa.

Mas é o contacto com os clientes e as suas atividades que nos permitem ter uma visão mais pragmática do que é o dia a dia de uma empresa, de um setor, de uma atividade”

Mudaria as regras dos advogados poderem falar de casos concretos, de forma a que o vosso trabalho fosse mais compreendido?

Não. Qualquer pessoa é livre de falar do que sejam factos pessoais seus. Do que sejam factos pessoais de outros, não. E um advogado não fala de si. Falar de um caso é falar de factos dos seus clientes e da vida deles. E falar de casos acompanhados por outros advogados é falar sem muitas vezes conhecer o contexto factual completo, o que é muito perigoso.

Por outro lado, é permitido ao advogado falar, em certas circunstâncias, de casos que acompanha, designadamente quando tal seja necessário para prevenir ou remediar a ofensa à dignidade, direitos e interesses legítimos do cliente ou do próprio. Deve para o efeito pedir autorização prévia à Ordem, sendo que em casos de urgência pode falar sem autorização, devendo em qualquer caso informar prontamente a Ordem.

Não me choca este regime, que creio vai de encontro àquilo que é a profissão. Os meus clientes compreendem o meu trabalho, e é o juízo deles (e dos magistrados ou árbitros que decidem o caso) que me preocupa. Não o da opinião pública. É por vezes ingrato? Sim. Mas faz parte da nossa vida e é assim que deve ser.

Gostaria que houvesse uma instância totalmente independente – com maioria de não magistrados – que avaliasse a ética e imparcialidade de um magistrado. Um canal direto entre cidadãos, advogados e magistratura?

Não é um tema sobre o qual tenha pensado muito. Dito isto, a atual composição já contempla vários vogais não magistrados, ao prever a designação de dois vogais pelo Presidente da República e a eleição de sete vogais pela Assembleia da República. Não sendo a maioria dos membros, o peso é relevante na composição do Conselho. Não sinto necessidade de mudanças.

A prestação de contas dos nossos magistrados é necessária?

Depende do que se entenda por isso. Os magistrados são avaliados. Nessa medida prestam contas. As suas decisões são genericamente passíveis de recurso (com exceção dos tribunais superiores). Por isso também por aí a sua atividade é monitorizada, corrigindo-se on que deva ser corrigido. Prestar contas ao público? Não creio que faça sentido.

Arbitragem versus tribunais. Este meio de justiça privada vai engolir os tribunais, mais cedo ou mais tarde?

De todo. Esta é a minha área de eleição, e posso assegurar que não é essa a vocação da arbitragem. Nem deve ser. A arbitragem é, por definição, um meio alternativo de resolução de litígios. Não substitutivo. E não é apta a todos os tipos de litígios.

Também não é um meio de “justiça privada”. A atividade arbitral é – como tem de ser – apoiada pelos tribunais comuns, a vários níveis. Os tribunais comuns são o garante, em última análise, do processo justo e equitativo, e precisamente por isso se prevê, por exemplo, a possibilidade de anulação judicial de uma decisão arbitral, quando assim deva ser. E são também os tribunais judiciais que garantem a boa execução das sentenças arbitrais, quando as mesmas não são voluntariamente cumpridas.

A arbitragem – naquilo que é o seu conceito histórico e tradicional, que vem desde a era romana – é um meio de resolução de litígios adequado a resolver de forma tendencialmente mais célere e por julgadores com maior especialização nas matérias, litígios comerciais. É este o seu campo de aplicação por excelência, e há que evitar generalizações. Há hoje muitas realidades a que se chama arbitragem que se calhar deveriam ter outro nome.

A arbitragem não é, nem deve ser, um meio de resolver pendências judiciais. Aliás, os tribunais judiciais deveriam aspirar a conseguir oferecer Justiça em termos equivalentes aos tribunais arbitrais, como sucede noutros países europeus, como a Holanda ou o Reino Unido, onde os tribunais de comércio são tão ou mais céleres e eficazes, por força da especialização, do que os tribunais arbitrais.

Mas nas transações transfronteiriças, sobretudo, é perfeitamente normal que nenhuma das partes se queira sujeitar à jurisdição do país da outra parte. A que acresce a maior facilidade de reconhecimento e execução das sentenças arbitrais quando comparado com o processo – em alguns países inexistente – de reconhecimento de sentenças judiciais estrangeiras.

E por isso é perfeitamente natural que as partes optem por resolver os seus litígios num foro neutro relativamente a ambas as partes. Mais a mais quando o tribunal é composto, com participação das partes, por julgadores com especiais conhecimentos nas matérias ou indústrias em causa, o que, sobretudo em determinadas áreas, é extremamente importante. Seria impensável, por exemplo, submeter a discussão de um litígio de milhões relacionado com contratos de produção petrolífera a um juiz de primeira instância de uma qualquer comarca de competência generalizada, que tem na sua secretária várias outras centenas de processos sobre matérias bem mais quotidianas, e que jamais conseguiria, no tempo e com os meios disponíveis, analisar a situação com o mesmo grau de facilidade e rapidez do que um árbitro que conhece bem a indústria. No polo oposto, seria disparatado submeter a arbitragem, por exemplo, a resolução de um litígio relacionado com um contrato de arrendamento habitacional.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

“Há que fazer mais investimento tecnológico na justiça”, diz Sofia Martins, sócia da Miranda

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião