BRANDS' ECO Ficar em casa: um perigo inevitável

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  • 6 Abril 2021

António Bello, fundador e diretor executivo da Associação Just a Change, reflete sobre a importância de ter uma casa com condições em tempos de pandemia e dá a conhecer o trabalho do Just a Change.

Há um ano que ficar em casa é o dia-a-dia da maior parte dos portugueses. Em casa, estamos abrigados da pandemia. Esta dimensão de abrigo que as nossas casas nos proporcionam é algo que não realizamos todos os dias. Ocorre-nos, principalmente, quando sentimos o seu efeito protetor: quando chove, quando está frio, ou, na situação atual – menos frequente, felizmente -, quando existe uma pandemia.

A hierarquia das necessidades [1], proposta por Abraham Maslow, aponta o abrigo com uma das mais básicas necessidades do ser humano, e a sua ausência compromete a satisfação de necessidades mais elevadas. Na verdade, o nosso lar está de tal forma relacionado com a condição humana que existe um termo para quem não o tem: sem-abrigo. Até na língua se revela a importância da “casa” na determinação da nossa condição humana.

Estamos fartos de estar em casa, mas não podemos negar que esta serviu o propósito de abrigo e nos protegeu contra o vírus.

"Como podem estas pessoas tomar medidas de precaução como “lavar as mãos frequentemente com água e sabão” quando não têm água ou saneamento? Como podem “evitar utilizar espaços comuns com outras pessoas presentes” quando no mesmo quarto dorme uma família inteira? Ou como podem “deixar os sapatos à porta de casa” quando o chão dentro de casa é de terra e lama?”

António Bello

Fundador e Diretor Executivo da Associação Just a Change

Mas, e se a nossa casa for fonte de doença, desconforto ou mal-estar? Se esta, em vez de nos proteger, nos ataca? Ou se, neste contexto atual, não oferece condições mínimas de defesa contra a pandemia? Esta é a realidade de milhares, só em Portugal. Pessoas que vivem em casas sem condições de segurança, saúde, conforto ou higiene.

Segundo um estudo publicado em 2018 pelo INE, mais de 60.000 pessoas vivem em casas sem água canalizada ou saneamento, e mais de 30.000 não têm eletricidade. Também segundo dados do Eurostat, um em cada quatro portugueses não tem condições para manter a sua casa quente, tornando Portugal o 2º país da UE com o maior aumento na taxa de mortalidade durante o inverno, apesar dos nossos invernos pouco rigorosos [2].

Antes e depois de uma reabilitação da Just a Change em Óbidos.

Como podem estas pessoas tomar medidas de precaução como “lavar as mãos frequentemente com água e sabão” quando não têm água ou saneamento? Como podem “evitar utilizar espaços comuns com outras pessoas presentes” quando no mesmo quarto dorme uma família inteira? Ou como podem “deixar os sapatos à porta de casa” quando o chão dentro de casa é de terra e lama?

Talvez a única recomendação que conseguem cumprir é a de “não convidar nem permitir que outras pessoas entrem em sua casa durante o período de isolamento”, o que já não faziam antes, por vergonha ou por ninguém lá conseguir ou querer entrar.

"Acreditamos que reabilitar uma casa é uma oportunidade para a reconstrução de uma vida, o que resulta na melhoria do bem-estar e na redução de riscos para a saúde e segurança. ”

António Bello

Fundador e Diretor Executivo da Associação Just a Change

Para além da falta de condições para cumprir as devidas precauções sanitárias, muitas destas casas são, elas próprias, um foco de doença. Doenças respiratórias, provocadas por má qualidade do ar, humidade, pó, gases e fumos que não são devidamente extraídos, infeções por contacto com fungos, insetos ou ratos; gripes e constipações causadas pelo frio e pela chuva que cai dentro de casa, ou pela falta de água quente para um duche; existe, até, quem corra perigo de vida, apenas por estar dentro de uma casa em risco de desabamento do telhado ou de apanhar um choque elétrico provocado por uma instalação degradada.

Decerto que nada disto invalida a necessidade de confinamento que se impôs ao país. Mais do que nunca, a nossa vida passa-se em torno da nossa casa. Mas infelizmente, para muitos portugueses ficar em casa não é sinónimo de ficar protegido. É precisamente o oposto.

Conscientes desta crise habitacional, o Just a Change tem como missão reabilitar casas de pessoas carenciadas. Acreditamos que reabilitar uma casa é uma oportunidade para a reconstrução de uma vida, o que resulta na melhoria do bem-estar e na redução de riscos para a saúde e segurança. Mas significa também promover a inclusão social, o que tem um impacto direto na redução da pobreza, trazendo melhorias significativas em termos de saúde pública e eficiência energética.

[1] Abraham H. Maslow (1987). Motivation and personality (3ª ed.), Nova Iorque.
[2] LIDDELLl, Christine et al., Excess winter deaths in 30 European countries 1980–2013: a critical review of methods, (2016) Journal of Public Health.

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