Como a criminologia ajuda a indústria seguradora

  • Rute Guincho e Selma Magalhães
  • 5 Abril 2021

Rute Guincho e Selma Magalhães são criminólogas especializadas em seguros. Alertam para que o fraude no setor está estimada em 10% e explicam as linhas essenciais que seguem para a detetar.

No mundo das seguradoras existem vários tipos de seguros, capazes de garantir vários riscos como os decorrentes de uma atividade (caça, montagem de aparelhos de gás, etc.), de uma profissão (advogado, mediador de seguros, etc.), ou de situações da vida familiar (danos causados a terceiros na habitação ou por um animal doméstico, etc.), que são definidos como seguros de Responsabilidade Civil (RC). No leque de produtos englobam-se ainda os Acidentes Pessoais (AP), Acidentes de Trabalho (AT), Patrimoniais (PT), Saúde, Habitação, Automóvel, entre outros, sendo que, em todos eles, poderá existir a necessidade de averiguação sempre que a seguradora considere estar perante uma situação que suscite dúvidas quanto ao que efetivamente aconteceu. Deste modo, mostra-se impreterível responder às 5 questões essenciais para o criminólogo: “Quem?”, “Como?”, “Quando?”, “Onde?” e “Porquê?”.

Importa salientar que apesar de todos os mecanismos já existentes de regulação do ramo, é imprescindível, entre outras medidas, a realização de trabalho científico/académico por parte de criminólogos que dispõem de todas as valências para a elaboração de estudos na área de combate à fraude. Estima-se que 10% de todas as participações de sinistros efetuadas no mundo são fraudulentas. Salientamos desta forma, a importância do perito criminólogo nas averiguações de AT, AP, RC, Automóvel, Incêndio, Caça, Furtos e Roubos.

Considerando o seguro de RC, a seguradora cobre o risco do segurado (beneficiário da apólice) e pode ter que vir a indemnizar terceiros por danos que lhes cause. Assim, essa cobertura pode abranger vários riscos, como uma atividade, uma profissão ou situações decorrentes da vida familiar, conforme referido.

Por outro lado, existem seguros obrigatórios e facultativos, sendo que os primeiros contemplam as coberturas mínimas definidas por lei ou pela respetiva regulamentação que lhe caiba, já nos segundos, como por exemplo nos seguros de RC, as coberturas são as definidas, previamente, entre o tomador (entidade responsável pelo prémio do seguro) e a seguradora.

Na generalidade dos casos, o seguro cobre a RC do segurado por factos ocorridos entre o início e o final do contrato, abrangendo os pedidos de indemnização apresentados depois do término deste, sempre que o sinistro tenha ocorrido durante a vigência contratual. Para tal, em caso de sinistro, o tomador do seguro ou o segurado devem comunicar o sucedido por escrito ao segurador no prazo indicado no contrato ou, na inexistência de prazo, nos oito dias posteriores a terem tomado conhecimento do sinistro. Devem, também, adotar as medidas para prevenir ou limitar os danos sofridos. Terminada a regularização do sinistro, a indemnização paga pela seguradora depende do dano causado e tem como limite o valor do capital seguro, após deduzida a franquia e/ou rateio.

O Criminólogo enquanto perito na área dos seguros apresenta-se como um profissional multidisciplinar nas áreas criminais, sociais, forenses e de investigação

Não obstante o regulamentado, considerando as condições gerais e específicas de cada apólice, nos casos em que estamos perante um seguro de RC, o ordenamento jurídico português contempla no seu art. 500º do Código Civil a possibilidade de reclamar, independentemente da culpa, os danos que o segurado causar a outro, desde que recaia sobre si a obrigação de indemnizar. Ainda que o ordenamento jurídico e demais regulamentação contemple a possibilidade indemnizatória, a seguradora pretende, na maioria dos casos, aferir se os factos ocorreram conforme participado, excluindo qualquer possibilidade de fraude.

O Criminólogo enquanto perito na área dos seguros apresenta-se como um profissional multidisciplinar nas áreas criminais, sociais, forenses e de investigação, ao passo que os profissionais sem formação poderão não dispor do conhecimento científico necessário para desenvolver, por exemplo, uma entrevista adequada às diferentes tipologias existentes nos diferentes ramos.

Nesse mesmo sentido o Criminólogo, capacitado do conhecimento e da experiência das boas práticas da entrevista, é capaz de analisar através do tipo de interveniente a adequação da mesma, tendo em conta a análise corporal e a inconsistência do discurso no que concerne a alterações de comportamento desde o 1º contacto (agendamento) até ao final da averiguação (após constatação dos factos) e a correlação entre os danos observados com as declarações prestadas.

À semelhança de uma investigação criminal é necessário a realização do estudo do local do incidente. Este será melhor analisado por um Criminólogo/perito que, sendo portador de informação científica e tendo valências como técnico da gestão do local do sinistro é dotado do conhecimento necessário para proceder à: recolha de prova / indícios; reconstituição do sinistro; recolha de registo de vídeo/imagem; recolha de declarações das testemunhas; e, análise documental de relatórios disponibilizados pelos intervenientes no processo de averiguação.

Espera-se que o Criminólogo, enquanto perito, proceda a diligências no sentido de determinar a real origem do dano e tenha capacidade de comparação entre facto originador (declarado) e o dano evidenciado, por forma a ser possível despistar uma possível fraude/aproveitamento por parte dos intervenientes. Relativamente ao objeto/facto originador, pretende-se analisar as suas características (peso, tamanho e rigidez) para que seja possível proceder ao estabelecimento de nexo causal entre a origem e os danos participados, atendendo à extensão dos últimos.

Na perspetiva das seguradoras, qualquer técnico deverá proceder a um estudo do produto acionado, analisando-o tendo em conta as respetivas exclusões, franquias e condicionalismos, de maneira a que no local da averiguação possa, de forma mais direcionada, esclarecer qualquer indício essencial no enquadramento ou desenquadramento do sinistro.

Entre os erros mais comuns dos peritos, enquanto profissionais no terreno, relativamente à análise corporal, podemos destacar a não utilização de estratégias de entrevista, nomeadamente, a utilização de uma conversa introdutória de quebra-gelo ou a incapacidade de adaptar a entrevista colocando questões ao tipo de personalidade de cada interveniente.

"A indústria seguradora vai infelizmente continuar a ser penalizada por esta autêntica pandemia que é a fraude. Esta realidade exige que o mercado aposte, cada vez mais, na sua prevenção e combate.”

Outros erros surgem na análise do local do sinistro, em que, muitas vezes, as fotografias do local não registadas da forma correta que deverão corresponder sempre ao método de captação do geral para o particular recorrendo, na medida do possível, a marcações/comparações.

Na análise preliminar do bem danificado em que se devem identificar indícios de afetação anterior, como sinais de deterioração que impactam com uma ocorrência recente, ocorrem frequentemente erros.

Muitas vezes, não se procede a uma comparação de versões testemunhais proferidas onde, ocasionalmente, ocorre recolha de informação divergente entre os interlocutores. Quando isto acontece, deve ser realizada a comparação de testemunhos para determinar qual deles se coaduna com a dinâmica do sinistro que, efetivamente, deu origem à lesão/dano.

A identificação da data de ocorrência do sinistro carece de atenção especial, já que os produtos, por vezes, são contratados com base em determinado tipo de sinistros e possíveis enquadramentos, quando, posteriormente, no decurso da análise do sinistro, comparando o registo documental, o mesmo possui data anterior à data de início da apólice, motivo pelo qual, se procede liminarmente ao desenquadramento do sinistro, pelo facto de ter ocorrido, em data anterior ao início da apólice.

Como em todos os setores de atividade, a indústria seguradora vai infelizmente continuar a ser penalizada por esta autêntica pandemia que é a fraude. Esta realidade exige que o mercado aposte, cada vez mais, na sua prevenção e combate.

Em suma, é nosso propósito, não só valorizar o papel do Criminólogo (que possui a regularização do exercício da profissão prevista na Lei nº 70/2019, de 2 de Setembro) enquanto perito, como também, contemplar a abrangência do conhecimento que o profissional detém e que pode ser uma mais-valia quanto à deteção de fraudes e elaboração de planos de prevenção que garantam os direitos e os interesses das empresas seguradoras.

  • Rute Guincho
  • Licenciada em Criminologia no Instituto Superior da Maia, Perita na Realperitos
  • Selma Magalhães
  • Licenciada em Criminologia pela Universidade Lusíada do Porto, Perita Auxiliar

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