Fugir com o braço à seringa

Faz sentido este alarido em torno das vacinas? Casos de coágulos acontecem, mas são uma raridade. Sucessivos alertas só geram desconfiança, aumentando o número dos que fogem com o braço à seringa.

Estamos há mais de um ano a viver algo que nunca, nem nos nossos piores pensamentos, imaginámos que pudéssemos vir alguma vez a experienciar. De um momento para o outro, aquele que era um vírus que surgiu num mercado na cidade longínqua de Wuhan, na China, começou a chegar a mais e mais países, até que finalmente nos bateu à porta. E nós fechámo-la.

Confinámos. Foi estranho, mas foi o melhor que fizemos para evitar uma desgraça maior do que aquela que vivemos durante a primeira vaga. Nem nós, nem ninguém, estávamos preparados. Não tínhamos a resposta necessária para travar um vírus com esta capacidade de transmissão.

Voltámos a abrir, mas apenas para semicerrar portas pouco depois. Percebemos que não se ia embora com o verão, mas mesmo assim tentámos lutar pelo regresso à normalidade. E apesar dos vários alertas, convidámo-lo para a ceia de Natal, o que foi, como se viu, fatal.

Quando pensávamos que o pior já tinha passado assistimos a um escalar da pandemia sem precedentes. Uma subida vertiginosa no número de novas infeções, de internamentos e, claro, de mortes. Centenas e centenas de pessoas perderam diariamente a vida para este novo coronavírus. Algo impensável, mas aconteceu.

Ver, diariamente, 100, 200, 300 mortes por Covid-19. Ler, diariamente, sobre os “recordes” de mortes que a SARS-CoV-2 provocou, gerou em nós aquilo que chamámos de “fadiga da pandemia”. Chocou ver um vírus ceifar o equivalente à queda de um avião, todos os dias.

Chocou, mas não chocou todos. Dependeu da perspetiva. Infelizmente, para muitos a “gripezinha” não metia medo. Não era impeditiva de andar por aí, na rua, sem o distanciamento necessário dos demais. E, pior, sem máscara.

Mas choca mais ver que, agora, muitos dos bravos, dos destemidos desta pandemia, são mais sensíveis quando em causa está uma vacina com uma solução nova que promete a proteção, mas não sem a devida dose de risco.

O queixo de muitos caiu quando percebeu que em menos de nove meses nasceram vacinas contra a pandemia das nossas vidas. Foi um processo extremamente rápido — nunca antes se tinha colocado no mercado uma vacina de forma tão célere — para dar resposta a um problema urgente de todo o mundo.

Vacinar, vacinar, vacinar. Passou a ser o lema de todos, ansiosos por voltar à vida normal. Mas não bastassem os constrangimentos da produção, com as devidas guerras entre potências para saber quem consegue mostrar ao seu povo quem chega primeiro à imunidade de grupo, as vacinas começaram a revelar alguns problemas.

A Pfizer, a primeira a chegar aos braços de todo o mundo, gerou algumas reações alérgicas, mas a da AstraZeneca pôs-nos todos a falar de coágulos sanguíneos. A da Astra e, agora, a da Janssen, que ainda nem chegou a Portugal.

Sim, todo o cuidado é pouco, principalmente com um fármaco novo. Daí a exigência de rigor em todo o processo de aprovação para a distribuição destas inovações. Mas o que temos assistido, nas últimas semanas, tem sido um espetáculo que não é digno de se ver. Uma coisa é ser cuidadoso, outra é gerar pânico.

Mais uma vez estamos perante uma questão de perspetiva. Em milhões e milhões de doses já administradas da AstraZeneca, contam-se algumas dezenas de casos de formação de coágulos sanguíneos com diminuição de plaquetas registados em vários países, que em casos raros levou a mortes.

No caso da Janssen, com quase sete milhões de doses administradas, suspendeu-se a vacina porque houve seis (sim, seis…) casos de coágulos sanguíneos. São 0,00008% do total. Morreu uma pessoa, até o momento.

Faz sentido todo este alarido? Coágulos sanguíneos formam-se das mais variadas formas. E a probabilidade de se formarem coágulos pela toma destas vacinas é até inferior àquela de quem toma a pílula. Ou de quem fuma. E se ficar infetado pela Covid-19, o risco… nem se fala.

Alertas como os que temos vindo a ter por causa dos riscos das vacinas não ajudam a combater a pandemia. Alertas como os que temos visto só alimentam os receios. Alimentam a dúvida. E na dúvida, aumenta o número daqueles que preferem não arriscar — mesmo sabendo que têm menos hipóteses de ter uma reação grave do que as de ganhar o Euromilhões.

Há uma grande maioria que continua a acreditar na ciência. Que quer, assim as haja, ser vacinado, mas está a crescer o número daqueles que rejeitam serem inoculados. O inquérito da Escola Nacional de Saúde Pública mostra isso mesmo: entre os que não tinham tomado, 7,8% disseram que não a iriam tomar, contra apenas 1,7% em março. Esta é uma perspetiva que assusta.

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