Empresas incentivam, mas não obrigam a vacinar preferindo testar muito
A vacinação é uma das principais armas para lutar contra a Covid-19. Em alguns países, empresas e Governos começam a torná-la obrigatória. Em Portugal, continua a ser apenas recomendada e incentivada.
Dos Estados Unidos a França, Governos e empresas começam a avançar com medidas que obrigam os trabalhadores a vacinar-se contra a Covid-19. Na Google e no Washington Post só regressa ao escritório quem já tem a vacinação completa. Em França, os profissionais de saúde são também obrigados a vacinar-se. E nas Filipinas nem sequer se pode sair à rua sem ter as duas doses da vacina. Em Portugal, as empresas ouvidas pela Pessoas não se identificam com estes cenários. A opção? Testagem mais frequente e incentivo à vacinação. Ter a vacina Covid não é requisito obrigatório no regresso ao escritório.
“Estamos a acompanhar as orientações da Direção Geral de Saúde e, neste sentido, neste momento estamos exclusivamente a apelar à vacinação e à auto-testagem, até porque nos termos das leis laborais, nomeadamente no que se refere a cuidados de higiene no local de trabalho, segurança e medicina no trabalho, bem como no âmbito da proteção de dados, é necessário um trabalho constante de adaptação aos constrangimentos decorrentes da pandemia, mas respeitando sempre a lei e os direitos dos colaboradores”, avança João Falcão, diretor de marketing do grupo Ibersol, à Pessoas.
“Acreditamos numa posição pedagógica e neste sentido temos vindo a sensibilizar os colaboradores para a importância da segurança coletiva como eixo fundamental na recuperação do setor e proteção do emprego. Dados recentes, tanto nacionais como internacionais, demonstram que a vacinação aumenta a proteção e reduz significativamente os riscos de doença grave, pelo que o Grupo Ibersol sublinha a importância da vacinação da população em geral como forma de proteção coletiva, quer na perspetiva dos colaboradores como dos clientes”, continua o diretor de marketing do grupo de restauração que gere cadeias como Pizza Hut, Burger King, Taco Bell ou Pasta Café.
Questionado sobre a possibilidade de avançar para a exigência do certificado de vacinação — como, lá fora, algumas empresas têm vindo a decidir — o responsável pelo marketing do grupo Ibersol diz que se está “a cumprir rigorosamente com as leis laborais e gerais”. “Neste momento a vacinação contra a SARS-CoV-2 não tem cariz obrigatório. Estamos, contudo, a aguardar pelas decisões das autoridades oficiais e evoluiremos nesta matéria em função das disposições legais que vierem a ser tomadas”, diz.
Acreditamos numa posição pedagógica e neste sentido temos vindo a sensibilizar os colaboradores para a importância da segurança coletiva como eixo fundamental na recuperação do setor e proteção do emprego.
“Se o enquadramento legal assim o determinar, procederemos em conformidade”, acrescenta João Falcão, salientando, contudo, que no grupo 40% dos colaboradores (cerca de 2.000 pessoas) estão na faixa etária dos 18 aos 25 anos, ou seja, só agora estão a iniciar o processo de vacinação, “ainda com uma percentagem muito baixa de vacinação”.
A Beta-i, por sua vez, não acredita sequer que seja preciso chegar ao ponto da vacinação obrigatória. A consultora de inovação diz que vai manter o regime de teletrabalho, pelo menos, até final do ano, continuando a adotar os cuidados necessários para manter a segurança da equipa, entre eles a verificação da temperatura para entrar no local de trabalho.
“As pessoas que usarem a nossa sede física terão que reservar uma vaga disponível, ao chegar ao escritório fazem sempre teste de febre e providenciamos caixas de auto-testes, máscaras e álcool e uma ficha de presença. Os lugares estão marcados para ocupação e as salas de reunião têm também que ser reservadas previamente. O espaço é limpo duas vezes por dia e temos dispensadores de álcool em todos os sítios”, explica Pedro Rocha Vieira, CEO e cofundador da Beta-i.
Já o offsite de verão, que a empresa costuma fazer de forma presencial, foi uma reunião em regime híbrido, que não implicou viagens e onde só entraram presencialmente os colaboradores com testes negativos dentro do prazo estipulado. “A Beta-i pagou os testes de todos os colaboradores.”
Sempre que necessário, o ManpowerGroup também recorre à testagem dos trabalhadores, seguindo as regras emitidas pela Direção Geral de Saúde. E, acima de tudo, incentiva a vacinação.
“A nossa principal preocupação será sempre a de continuar a privilegiar a saúde, o bem-estar e o conforto dos nossos colaboradores. Valorizamos e aconselhamos a que todos os que trabalham connosco sejam vacinados contra a Covid-19, mas sem impormos qualquer obrigatoriedade no que respeita a este tema”, avança Rui Teixeira, diretor de operações do ManpowerGroup Portugal.
Já no grupo Lisbon Project, a decisão foi tomada em concordância com os colaboradores. Com a adoção do teletrabalho como o formato permanente de trabalho na empresa, os escritórios passam a ser utilizados num sistema de hot seat no qual as equipas se reúnem para discutir projetos específicos. Nessas reuniões, “todos os colaboradores são previamente testados, sendo que, a totalidade da equipa pretende ser vacinada“, conta Ricardo Carvalho, CEO do grupo.
Por um lado, devemos respeitar o livre arbítrio de cada indivíduo, por outro, essa mesma liberdade não pode colocar em risco as liberdades de outros, muito menos quando tratamos de questões relacionadas com a saúde.
O líder encara este tema com uma “enorme complexidade”. “Por um lado, devemos respeitar o livre arbítrio de cada indivíduo, por outro, essa mesma liberdade não pode colocar em risco as liberdades de outros, muito menos quando tratamos de questões relacionadas com a saúde.”
“A seguir todas as regras aplicadas pelas autoridades locais”
No setor dos transportes, a Uber, que está presente em cerca de 70 países, diz estar atenta às decisões tomadas pelas autoridades locais. Para já, “a exigência de vacina está a ser aplicada aos colaboradores dos Estados Unidos da América e apenas para os que querem regressar ao escritório“, avança fonte oficial da empresa à Pessoas. “Nos outros países estamos a seguir todas as regras aplicadas pelas autoridades locais.”
Independentemente da “luz verde” do Governo para levantar o teletrabalho, a tecnológica decidiu estender o trabalho à distância até outubro de 2021. “Vamos estar constantemente a medir aquilo que são as práticas e recomendações das organizações de saúde pública e do Governo e, também, aquilo que nós consideramos importante dar aos colaboradores, do ponto de vista de flexibilidade e segurança.”
Também o Lidl assume a mesma postura no que toca à vacinação obrigatória. Sem avançar muitos detalhes sobre o tema, o retalhista alimentar diz que a sua prioridade, desde o início da pandemia, é “assegurar a proteção e segurança de todos os colaboradores e, igualmente, dos clientes”.
“Continuamos, diariamente, a acompanhar todos os desenvolvimentos desta pandemia, atentos ao evoluir da situação, para melhor respondermos aos desafios colocados, reforçando sempre a segurança e higiene”, refere fonte oficial. E relembra: “Dispomos de protocolos de contingência, garantindo que os colaboradores devem proceder no caso de suspeita ou confirmação de infeção por Covid-19. Os colaboradores podem também recorrer à linha do colaborador, que os ajudará no esclarecimento de dúvidas e acompanhamento.”
Vacinação obrigatória ganha adeptos nos EUA
Nos Estados Unidos, depois de o presidente Joe Biden ter admitido que tornar a vacina contra a Covid-19 obrigatória para todos os funcionários federais do país é uma possibilidade que “está a ser considerada”, as decisões começam a surgir no mundo corporativo. Washington Post, Google, Facebook, Netflix, Uber, Morgan Stanley… Os anúncios vão sendo feitos, uns atrás dos outros, um pouco por todos os setores, mas as big tech têm sido as primeiras a avançar com a medida.
A Google encabeçou as tecnológicas ao tomar a decisão de tornar obrigatória a vacinação para os funcionários que voltem ao escritório. Para já, a medida abrange apenas os escritórios dos Estados Unidos, mas o objetivo é estendê-la a outras regiões, avisou o CEO da companhia, Sundar Pichai. “Ser vacinado é uma das formas mais importantes de nos mantermos a nós e às nossas comunidades saudáveis nos próximos meses”, escreveu o Sundar Pichai numa comunicação enviada a todos os colaboradores, à qual o The New York Times teve acesso. E esclareceu que a obrigatoriedade da vacinação aplica-se aos escritórios nos Estados Unidos já “nas próximas semanas”, mas vigorará também noutras regiões “nos próximos meses”.
Por cá, quando contactada pela Pessoas, a companhia remete para o comunicado de Sundar Pichai: a “implementação irá variar de acordo com as condições e com a regulamentação local e não será aplicada até que as vacinas estejam amplamente disponíveis nesse mesmo local”. Sobre quando essa obrigatoriedade se poderá aplicar à equipa em Portugal não adianta detalhes.
À semelhança da Google, o Facebook — que planeia reabrir os seus escritórios com 50% da lotação até ao início de setembro e a capacidade total em outubro — quer os seus funcionários vacinados. “À medida que os nossos escritórios forem reabrindo, exigiremos que qualquer um que venha trabalhar em qualquer um dos nossos escritórios nos EUA seja vacinado. A maneira como implementamos esta política dependerá das condições e regulamentações locais. Continuamos a trabalhar com especialistas para garantir que os nossos planos de regresso ao escritório priorizam a saúde e segurança de todos”, refere o vice-presidente da rede social, Lori Goler, em comunicado.
Também a Netflix já implementou uma política que obriga à vacinação do elenco e equipa de produção de todos os conteúdos americanos. Quanto aos escritórios, a empresa não planeia a reabertura até que a maioria das pessoas seja vacinada, mas a empresa espera que os seus funcionários regressem após o dia do trabalhador, a 7 de setembro.
Embora sem recorrer à vacinação obrigatória, a Apple está a tomar outras medidas. A tecnológica prefere, pelo menos para já, restaurar a sua política de uso obrigatório de máscara na maioria das suas lojas nos EUA, tanto para os clientes como para os funcionários, mesmo que estejam já vacinados.
Em Wall Street, os grandes bancos de investimento estão a enviar uma mensagem aos seus empregadores para voltar ao escritório este verão, mas acompanhados do certificado de vacinação. No final de junho, o Morgan Stanley anunciou que apenas os funcionários vacinados teriam as portas do escritório abertas. Os restantes seriam obrigados a trabalhar remotamente.
Com uma postura menos rígida, o Goldman Sachs está a pedir aos seus funcionários que comuniquem o seu estado de vacinação, mas não faz do certificado de vacinação um requisito obrigatório para entrar no escritório. O JP Morgan pede o mesmo, mas apenas para realizar o registo num portal interno.
Vacina contra a Covid obrigatória para alguns setores
Embora em Portugal a vacinação seja voluntária — e continue a ser meramente recomendada na maioria dos países europeus — há cada vez mais países a torná-la obrigatória para alguns setores, como é o caso dos profissionais de saúde ou dos trabalhadores em lares.
Em Itália entrou em vigor em abril uma lei de emergência sanitária que prevê que “as pessoas que trabalham em estruturas socio-sanitárias, públicas e privadas, em farmácias e consultórios privados, estão obrigadas a ser vacinadas”. O objetivo passa por “proteger o máximo possível a equipa médica e paramédica e aqueles que estão em ambientes que podem estar mais expostos ao risco de infeção”, explicou o Governo de Mario Draghi, em comunicado, citado pela Reuters.
Também, no mês passado o Reino Unido seguiu os passos de Itália, anunciando que a vacina contra a Covid-19 passará a ser obrigatória para todos os funcionários de lares de idosos em Inglaterra. Esta medida ainda deverá ser aprovada, mas estima-se que entre em vigor já em outubro e terá um período de carência de 16 semanas (cerca de quatro meses). O Governo inglês está também a ponderar estender esta medida aos profissionais de saúde.
Mais recentemente, o presidente francês anunciou também que a vacinação vai passar a ser obrigatória a partir de 15 de setembro para todos os profissionais de saúde, incluindo todo o pessoal dos lares, hospitais e serviços administrativos. “Se não agirmos agora, o número de casos e hospitais vai aumentar”, afirmou Emmanuel Macron, numa comunicação ao país. O Chefe de Estado francês foi mais longe e chegou a admitir alargar esta obrigatoriedade a toda a população.
A Grécia tomou a mesma decisão, numa altura em que se regista uma subida de infeções no país associados à variante Delta. A partir de 16 de agosto, os funcionários de lares de idosos vão ser suspensos se não agendarem a vacina contra a Covid-19. O mesmo acontecerá aos trabalhadores de hospitais públicos e privados se não o fizerem, a partir de 1 setembro. “O país não fechará novamente por causa de alguns”, disse o primeiro-ministro grego, Kyriakos Mitsotakis, acrescentando que “não é a Grécia que está em perigo, mas os gregos não vacinados”, alertou, numa declaração transmitida pelas televisões e citada pela Reuters.
Fora da Europa, nas Filipinas, que se depara com um dos piores surtos da Ásia, as pessoas que não forem vacinadas contra a Covid não terão permissão para sair de casa, anunciou o presidente filipino, Rodrigo Duterte. “Você escolhe, vacina ou prisão”, disse durante um discurso televisivo, na sequência de relatos de baixa afluência em vários locais de vacinação na capital, Manila. “Não me interpretem mal, há uma crise neste país. Estou apenas exasperado com o facto de os filipinos não prestarem atenção ao Governo”, acrescentou, citado pela CNN.
E pela Oceânia, mais precisamente nas ilhas Fiji, o lema é: “No jabs, no job“, o que significa “sem vacinas, sem emprego”. Quem não for vacinado contra a Covid-19 não vai poder trabalhar. Os funcionários públicos devem estar vacinados, pelo menos com a primeira dose da vacina, até 15 de agosto, sendo que serão despedidos se não receberem a segunda dose da vacina até 1 de novembro, de acordo com a AFP.
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