Muito mais interessante do que concluir que Musk não vai conseguir construir qualquer robô humanóide, é perceber se queremos máquinas que se parecem com humanos.

Esta semana Elon Musk deu mais um passo para se tornar uma caricatura do brilhante visionário que de vez em quando ainda é. Numa apresentação quase surreal, decidiu anunciar que a Tesla vai lançar no próximo ano um robô humanóide e até pôs um ator no palco a fazer de conta que era a máquina que se pretende vir a criar.

Que Elon Musk vive obcecado com o universo de Blade Runner, já se sabia pelo menos desde que lançou a Tesla Cybertruck. Mas não se sabia que o sonho dele era ocupar o lugar de Tyrell (ou, na sequela 2049, de Wallace). Ambos eram engenheiros e cientistas de formação, ambos foram responsáveis pela construção de humanóides assassinos e, pelos vistos, ambos são o alter-ego de Musk. Claro que a sessão desta semana não passou de um mero plano de marketing que visa fazer subir as ações das Tesla e ocupar o espaço das notícias sobre os carros em piloto automático que continuam a ter acidentes. E também não é mais do que um multimilionário branco de meia idade a tentar impor a sua visão de futuro, da mesma forma que Zuckerberg agora anda a tentar convencer toda a gente sobre as virtudes de um metaverso infantilóide. Mas o mais interessante da sessão de marketing apresentada pelo fundador da Tesla é a discussão que ela permite: devem os robôs ser humanóides?

Do ponto de vista da execução de tarefas não há qualquer vantagem em ter uma aparência humanóide. É difícil conceber uma ação física que não seja mais facilmente executada por uma máquina desenhada para o efeito do que a forma corporal do humano. E convém ter aqui em conta que os robôs que teremos em ação durante as próximas décadas são do género dos que vemos numa linha de montagem fabril, ou seja, construídos para desempenhar uma única tarefa com o máximo de eficiência e sem interrupções. Claro que idealmente, em condições extremas, uma máquina poderá desempenhar várias funções, pelo que a capacidade de movimento poderá ser uma vantagem – mas mesmo aí vale mais a pena olhar para os progressos da Boston Dynamics do que para a tontice idealizada por Musk. Aliás, não há um único especialista em robótica que acredite que um robô humanóide pode vir a coabitar em espaços urbanos com os humanos nas próximas décadas, quanto mais no próximo ano.

A única razão que valida a preferência humanóide dos robots é a facilitação da construção de relações entre os humanos e estas máquinas. O raciocínio que lhes dá origem prevê que se estas máquinas se parecerem com humanos, serão mais bem tratadas e o trabalho conjunto será mais fácil. Como se a humanidade não tivesse um longo histórico de tratar diferente o que é igual apenas porque a pele tem uma cor ligeiramente diferente… É bacoco presumir que se vai diluir o desdém e o ódio humano com um robô menos realista e mais humanizado na aparência. Ou alguém acha que o respeito pelo trabalho nos call-centers ficou facilitado desde que se introduziram os bots de voz? Claro que há atividades económicas que estão apostar nesta área, começando pela indústria pornográfica e continuando nas indústrias de acompanhamento de idosos e até de crianças.

O ponto é que todas estas ações acabam por implicar a desumanização da interação, não o seu contrário. E isto para além de serem um abuso no consentimento alheio, porque, para funcionarem, estas engenhocas têm de ser capazes de enganar o humano com que estão a interagir. Convém referir que as boas experiências no acompanhamento de idosos têm ocorrido precisamente porque se reforça que o aparelho com que se interage tem a inteligência ao nível de um aspirador e não se pretende fazer de conta que é um ser humano.

No limite, a humanização do robô não é útil para o humano nem para o próprio robô. Como este visa a eficiência, o que se deve procurar é a complementaridade de ações em que a ação humana pode levar à maximização da atividade do robô – exatamente como se passa hoje com os computadores. Desejar que um computador espolete emoções é um lirismo próprio de ficção científica, não de uma economia funcional.

Ler mais: Todo este tema tem a ver com o papel que queremos que a tecnologia desempenhe nas nossas vidas. Por isso recomendo vivamente o Human Compatible, da autoria de Stuart Russell, professor de Ciências de Computação em Berkeley e um humanista que tem pensado seriamente nestas questões.

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Olha o robô

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