Meu doce setembro

  • Raquel Caniço
  • 19 Outubro 2021

Esta dificuldade e muitas outras, no acesso à Justiça traduz-se em problemas económicos, sociais, laborais e outros, que ficam por resolver.

A rentrée do ano judicial iniciou-se de forma caótica. Não é de hoje que os operadores judiciários reclamam mais meios para poder prestar um serviço adequado aos que procuram na Justiça, a solução dos seus problemas. A pandemia trouxe à tona, também no setor da Justiça, mais problemas do que os que, há muito, estão identificados. Há então menos funcionários judiciais, um avolumar de processos cujas diligências não se verificaram que, por sua vez, acumulam com os novos processos urgentes e não urgentes, entrados nos tribunais.

Se por força dos vários confinamentos assistimos a uma escalada de violência doméstica, em que muito dificilmente se conseguiu dar resposta em tempo útil, agora é a época dos despedimentos que implicam a respetiva impugnação judicial, no Tribunal do Trabalho.

Pelo meio ficaram por fiscalizar milhares de processos de assédio nos posto de trabalho, a que a Autoridade para as Condições do Trabalho não consegue dar resposta, ou por falta de meios técnicos e humanos, ou porque os trabalhadores em teletrabalho não conseguem demonstrar a extensão do assédio a que são sujeitos.

O assédio no posto de trabalho, configura justa causa para denúncia do contrato de trabalho, e por incapacidade dos serviços inspetivos do Estado, o trabalhador, não conseguindo fazer prova, na prática, não consegue exercer o seu Direito.

No mesmo sentido, os lay-off fraudulentos, que apesar de denunciados, muitos ficaram por fiscalizar e que tanto prejudicaram muitos trabalhadores.

A breve trecho teremos os despejos por falta de pagamento de renda e o resultado das penhoras em massa, que irão aumentar ainda mais o número de insolvências.

Diz-se que está em análise uma eventual alteração aos escalões na concessão das várias modalidades do apoio judiciário na Lei do Acesso ao Direito, permitindo que quem aufira, por exemplo, mil euros, e que comprove todas as suas despesas, designadamente renda de casa e todas as básicas a qualquer ser humano, consiga finalmente aceder à justiça, não tendo que pagar taxas de justiça exorbitantes.

Por exorbitantes, referimo-nos a 612,00 para instaurar um divórcio sem consentimento de um dos cônjuges ou 1632,00 se estiver a discutir questão relativa a uma compra de casa, no valor entre 250.000,00 a 275.000,00, por exemplo.

Nalgumas situações há uma objetiva, mas encapotada, denegação de Justiça, por não ser possível pagar as taxas de justiça.

Em junho de 2018, um Acórdão do Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de certa norma da Lei do Acesso ao Direito, na parte em que a recusa de proteção jurídica a pessoas coletivas com fins lucrativos, sem consideração pela concreta situação económica das mesmas, determinava a violação do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, que determina que ninguém deve ver impedido o seu acesso à Justiça, por razões económicas.

Significa que até 2018, para o Estado, todas as empresas privadas e com fins lucrativos que necessitassem de litigar em tribunal, não estavam dispensadas do pagamento de taxa de justiça e custas, independentemente de se encontrarem ou não com grandes dificuldades económicas.

Esta dificuldade e muitas outras, no acesso à Justiça traduz-se em problemas económicos, sociais, laborais e outros, que ficam por resolver.

Acabam por se tornar histórias inacabadas que redundam na opinião generalizada de que a Justiça afinal não é administrada em nome de todos e para todos.

  • Raquel Caniço
  • Advogada da Caniço Advogados

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