A hora e a vez das data-driven law firms

  • Helder Galvão
  • 20 Outubro 2021

No mercado jurídico não é muito diferente. Resistir ao advento da tecnologia é tentar, em vão, impedir o curso da água.

O antropólogo brasileiro Hermano Vianna diz que escrever sobre tecnologia é como lutar contra o tempo: desde o começo que já se sabe quem vai rir por último, afinal a velocidade da transformação tecnológica é inexorável.

No mercado jurídico não é muito diferente. Resistir ao advento da tecnologia é tentar, em vão, impedir o curso da água. O jurista norte-americano Mark Cohen, que será um dos oradores da 3ª edição do evento Lisbon, Law & Tech, ressalta que grande parte dos advogados está atrasada no que se refere a uma eficiente utilização e aproveitamento da mineração e análise de dados. Segundo Cohen, isso compromete a capacidade da função jurídica de operar como um negócio e de colaborar efetivamente com outras unidades de negócio para as quais as decisões são baseadas ou guiadas por dados.

Este fracasso estaria ligado a uma cultura insular e centrada no advogado, com uma linguagem idiossincrática, corroborada por um primitivismo tecnológico e, principalmente, na falta de diálogo com outras áreas além do direito. O tema, com efeito, não é novo. Há quase dez anos, o jurista britânico Richard Susskind já apontava para a necessidade de superar esse desafio cultural, a que chama de decomposição dos serviços jurídicos. Susskind sugere, nada mais, nada menos que 16 novas fontes de serviços jurídicos para o mercado, entre eles o legal open-sourcing, o open banking, o open justice e o open source. Enquanto tendências globais e práticas cujos resultados têm vindo a chamar a atenção das organizações, todas dependem, naturalmente, de uma nova mentalidade entre os advogados. Mas, então, qual será o caminho para se construir autênticas data-driven law firms?

Em primeiro lugar, deve encarar-se os dados, principalmente os dados estruturados, como um elemento essencial da centralização no cliente e um alicerce para fornecer serviços e produtos jurídicos rápidos, eficientes, informados, previsíveis, acessíveis, económicos e adequados à finalidade. Tudo isto é ainda mais relevante numa altura em que a maioria das empresas procura modelos de inovação externa e aberta, como nos exemplos de corporate venture capital, ou seja, operações de aquisições de startups que visam a obtenção de uma vantagem competitiva, a redução de custos e a geração de inovação em menor período de tempo.

Já o segundo aspeto, segundo Cohen, envolve a arquitetura de dados, que deve refletir o objetivo corporativo: uma melhor experiência do cliente. Os dados são um meio para um fim, não um fim em si mesmo. A função jurídica, como os negócios, deve criar uma cultura e arquitetura baseadas em dados e projetada para os clientes e para a sociedade. Como poderá um advogado aceder, analisar, aplicar, compartilhar e proteger os dados para permitir a deteção, mitigação e resolução antecipada de riscos mais rápidos e assegurar uma tomada de decisões mais bem informada que impacte positivamente a empresa e os seus clientes? Neste caso, é indispensável o desenvolvimento de um ambiente de open justice, cujo repositório, sejam julgados, precedentes, teses vencidas ou vitoriosas, esteja à disposição dos operadores de direito, principalmente para a realização de jurimetria, análises preditivas e de uma simples provisão de despesas em relatórios de auditoria. Como se vê, construir um ambiente pró data-driven law firms também é um papel do Poder Judiciário.

Numa terceira frente, importa referir que os dados desempenham atualmente um papel crítico na prática do direito, sendo que as funções jurídicas baseadas em dados não apenas agilizam os negócios jurídicos, mas transformam também a sua prática. Nesse sentido, é necessário envolver a aplicação de dados para desafiar os paradigmas de prática existentes. Os exemplos incluem litígios, contratos e gestão de risco, as três maiores áreas de gastos jurídicos. Pode parecer trivial, mas a mineração de dados e as análises avançadas em litígios permitem a formulação de estratégias antecipadas de casos, aceleram a discussão de acordos de trás para a frente do processo e reduzem as surpresas de casos tardios. Na área dos contratos, os dados agilizam o processo de redação e negociação, melhorando, assim, as vendas e as relações com o cliente ao identificar os principais pontos de discórdia e as causas de litígios.

Os exemplos são ainda mais extensos mas, certamente, as três ideias acima abordadas já permitem antever um caminho, sem retorno, dos pontos principais das data-driven law firms. Afinal, como dizia o famoso detetive inglês, Sherlock Holmes: é um erro capital teorizar antes de se ter dados.

  • Helder Galvão
  • Consultor da Abreu Advogados

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