O clima merece mais que 12%

  • David Tomé
  • 27 Outubro 2021

A inação ou atitude de “empurrar com a barriga”, causará custos irreparáveis às próximas gerações.

“Estas transições são lentas, não são como estes pirómanos ambientais de Bruxelas querem fazer”.

Ao ler esta afirmação, recordei-me de um famoso discurso de Mark Carney (ex-Presidente do banco de Inglaterra). Baseando-se na “tragédia dos comuns”, conceptualizou as mudanças climáticas como a “tragédia do horizonte”. Segundo este, a desvalorização do tema das alterações climáticas, decorre do facto dos seus efeitos se manifestarem para lá dos horizontes temporais tradicionais.

O mesmo será dizer, para lá do fim dos mandatos dos reguladores e atores com responsabilidade na matéria (tal como por exemplo, os conselhos de administração das organizações empresariais). A inação ou atitude de “empurrar com a barriga”, causará custos irreparáveis às próximas gerações.

Se na altura o discurso foi como uma pedrada no charco, à medida que o tempo vai passando vamos percebendo que o amanhã é cada vez mais o hoje. As consequências já chegaram, vejamos:

800 milhões de pessoas, ou seja, 11% da população mundial, já sente os efeitos das mudanças climáticas, quer pela frequência dos desastres naturais, secas prolongadas ou padrões climáticos irregulares;

Em 2025 dois terços da população mundial já sentirá escassez de água.
Os avisos por parte de entidades científicas foram uma constante, os ouvidos é que foram de mercador.

Ainda recentemente, o Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) emitiu um alerta vermelho, salientando que existe uma probabilidade de apenas 67%, de conseguirmos limitar o aquecimento global, a 1,5 graus (já estamos com um aquecimento de 1,1 graus). A verdade é que continuamos a emitir gases de efeito de estufa a um ritmo alucinante, e em 10 anos iremos esgotar todo o orçamento de carbono, amplificando o risco projetado, uma vez que iremos sobrecarregar a atmosfera com algo com o qual não conseguirá acomodar/lidar.

Percebem a necessidade de intervir, adaptar e mitigar?

Vários estudos apontam que estas ações podem custar anualmente cerca de 5 biliões de dólares, ou seja, basicamente 3 vezes o que os EUA gastaram para combater a crise provocada pelo COVID-19 (Covid-19 stimulus bill).

Atendendo aos montantes investidos, a participação dos privados é obrigatória e necessária. E quem melhor que os mercados financeiros para o canalizar tais recursos de um modo eficiente?

Assim sendo, e de maneira a evitar entropias, a Comissão Europeia legislou especificamente sobre um instrumento essencial para a operacionalização das Finanças Sustentáveis. Refiro-me concretamente aos benchmarks, que nada mais são do que uma bússola, isto é, uma agregação de um conjunto de empresas sob a forma de índice, que servirão de referência a todo um universo de veículos de investimento, especificamente quanto ao alinhamento para a neutralidade carbónica.

Então, perfeito. Certo? Nem por isso. O problema está nos detalhes.

Um estudo [1] da EDHEC-Business School, identificou riscos de greenwashing na forma como são apurados os pesos dos constituintes. O grupo de estudo faz notar que a capitalização bolsista concorre com uma influência de 88% face ao contributo dos scores climáticos que contam apenas em 12%.

Este defeito de construção, leva a situações em que empresas que piorem a sua pontuação climática, possam ver o seu peso aumentar. Esta realidade acontece em média, em 35% das vezes.

Este tema tem de ser urgentemente revisto em virtude da sua incongruência face aos objetivos inerentes à sua criação.

Aliás, os próprios reguladores, tal como a CMVM, cuja missão de supervisionar e regular os mercados de instrumentos financeiros, devem estar atentos a estes fenómenos. Aquilo que está em causa, é uma possível prática de mis-selling. Por negligência, poder-se-ão vender produtos financeiros, cujos índices usados como ativos subjacentes, sejam completamente desfasados das preferências declaradas dos investidores, nomeadamente aqueles que procurem impacto positivo e/ou maximização do binómio risco-retorno.

Em conclusão, em 1987, estava eu ainda na carteira da escola primária, quando ouvi falar pela primeira vez em desenvolvimento sustentável [2]. Assim sendo, de que tipo de transições lentas é que estaremos a falar?

Das que nunca acontecem?

Façam-se à vida e “fogo à peça”!

[1] https://www.edhec.edu/en/publications/doing-good-or-feeling-good-detecting-greenwashing-climate-investing

[2] https://sustainabledevelopment.un.org/content/documents/5987our-common-future.pdf

  • David Tomé

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