Fundos de investimento em vários tons de verde

  • Carlos Eduardo Martins
  • 28 Outubro 2021

As entidades financeiras na UE terão que emitir relatórios sobre elegibilidade das suas atividades económicas no contexto da Taxonomia Verde, em função dos relatórios das empresas nas quais investem.

“(…) num futuro muito próximo será possível a um aforrador decidir a sua preferência por um fundo também em função da percentagem de alinhamento com a Taxonomia que esse fundo apresenta em comparação com outras ofertas semelhantes. Simplificando, o investidor poderá escolher o fundo mais verde (se assim entender) em detrimento de outros.”

A partir de janeiro do próximo ano entrarão gradualmente em vigor as novas regras da Taxonomia Verde europeia. As entidades sujeitas a NFRD [1] (entretanto redefinido no âmbito do CSRD [2]) – o que inclui, grosso modo, as empresas de grande dimensão – terão que começar a divulgar a sua situação no que concerne à elegibilidade das suas atividades económicas face aos critérios técnicos para os dois primeiros objetivos ambientais da Taxonomia: “mitigação das alterações climáticas” e “adaptação às alterações climáticas”.

Em particular, as entidades financeiras na União Europeia terão que, em breve, emitir relatórios sobre elegibilidade das suas atividades económicas no contexto da Taxonomia Verde, em função dos relatórios emitidos pelas empresas nas quais investem. Assim, portfolios de investimento, fundos de investimentos alternativos, produtos de seguros, fundos de pensões e outros fundos, estarão sujeitos ao SFDR [3] e terão que apresentar e preparar diversos key performance indicators (KPIs), nomeadamente o “Green Asset Ratio” (GAR). Na prática, o GAR será um simples rácio que indica qual a percentagem de ativos alinhados com a Taxonomia em função do total de ativos sob gestão.

Esta é uma mudança que, não obstante a sua componente de obrigatoriedade regulatória, tem no seu espírito o intuito de incentivar empresas, intermediários financeiros e aforradores a canalizar fundos e investimentos para os seis objetivos ambientais definidos pela Comissão Europeia. A derradeira intenção é atingir o alvo de zero emissões líquidas de C02 em 2050 na Europa, definido ao nível da Comissão Europeia.

As mudanças vindas da Taxonomia para os mercados financeiros

Os artigos 5 e 6 do Regulamento da Taxonomia (2020/852) incidem em particular nos participantes em mercados financeiros e, devidamente detalhados nos subsequentes critérios técnicos enunciados nos atos delegados, definem: i) como e em que extensão a Taxonomia foi usada para determinar a sustentabilidade dos seus investimentos; ii) para qual ou quais dos seis objetivos os investimentos tem um contributo positivo; e iii) qual a proporção de alinhamento desses investimentos com a Taxonomia, em função da dimensão total do fundo e/ou dos portfolios. E este último ponto tornar-se-á um dos fatores decisivos para comparar entidades e produtos financeiros.

Deste modo, num futuro muito próximo, será possível a um aforrador decidir a sua preferência por um fundo também em função da percentagem de alinhamento com a Taxonomia que esse fundo apresenta em comparação com outras ofertas semelhantes. Simplificando, o investidor poderá escolher o fundo mais verde (se assim entender) em detrimento de outros.

Apesar da simplicidade aparente, a mudança trazida pela Taxonomia implica várias vantagens. Primeiro, permite comparar produtos e entidades sob uma mesma forma de medição, numa mesma linguagem. Num mercado competitivo e concorrencial será expectável que as ofertas de produtos financeiros se esforcem por melhorar tanto quanto possível o seu alinhamento com a Taxonomia.

Segundo, permite – em grande medida – eliminar receios de greenwashing. Sendo a Taxonomia baseada em critérios técnicos e científicos, com vista a atingir objetivos ambientais definidos politicamente pela União Europeia, a discussão em torno de ambição e medida desses critérios estará em torno das decisões políticas e estratégicas das UE, reduzindo drasticamente a margem de subjetividade na medição desse impacto positivo na sustentabilidade ambiental por cada agente económico. Terceiro, apesar dos relatórios não-financeiros serem de carácter obrigatório, a Taxonomia não obriga nenhuma entidade a aumentar o seu alinhamento.

Com efeito, o conceito implícito é que serão os investidores a optar (se assim entenderem) por entidades e/ou produtos com maior alinhamento, deixando a livre concorrência atuar. Por último – e talvez mais significativo –, estabelece um incentivo positivo para canalizar mais investimentos para produtos e atividades com maior impacto positivo nos objetivos ambientais. Não obstante o incontornável pragmatismo dos mercados financeiros, é já explicitamente assumido pela maioria dos departamentos de risco financeiro os possíveis impactos negativos das alterações climáticas em portfolios e fundos. É, portanto, inegável a urgência na promoção de investimentos em projetos verdes que mitiguem os efeitos das alterações climáticas.

Na prática, como vai funcionar?

Para o investidor final será bastante simples, já que poderá comodamente comparar uma percentagem final de um fundo contra outro.

Do ponto de vista do fundo de investimento, contudo, será necessária uma melhor perceção dos ativos nos quais investe. A unidade fundamental de medida da Taxonomia são as atividades económicas. De uma forma geral, as atividades económicas usadas pela Taxonomia assemelhar-se-ão às NACE [4} definidas pelo Eurostat (embora seja de esperar que algumas atividades enunciadas na Taxonomia ainda não se encontrem devidamente catalogadas pelo Eurostat). A cada atividade económica estará ligada uma determinada elegibilidade para alinhamento com a Taxonomia, ou seja, o potencial que determinada atividade tem de poder ser alinhada.

Para já, a partir de 1 de janeiro de 2022 apenas a elegibilidade tem que ser reportada pelas grandes empresas. Num futuro próximo, cada empresa sujeita a NFRD e CSRD deverá definir em que proporção cada uma das suas atividades económicas está alinhada com a Taxonomia, passando por filtros como o de “contribuição substancial” a um dos objetivos ambientais e o de não implicar nenhum dano significativo para os outros objetivos (“do no significant harm”). Esta medição é feita a partir do turnover, capex e opex, dependendo dos critérios definidos na legislação especifica para cada caso.

Deste processo resulta uma proporção de alinhamento por cada empresa e emitente. Por conseguinte, os portefólios com várias ações e/ou obrigações poderão calcular a percentagem final de alinhamento. Donde, a escolha de composição de portefólios se torna fundamental também do ponto de vista de sustentabilidade e implica, necessariamente, um maior escrutínio – e também cooperação – entre investidores a empresas.

Sem dúvida que surgirão críticas à forma e conteúdo da Taxonomia, sendo desde logo evidente que afetará de forma mais significativa determinados setores da economia que outros. Há setores que poderão mais facilmente alinhar as suas atividades com a Taxonomia, havendo outros que, todavia, irão apelar à necessidade de mais tempo para a transição.

Certo é que os objetivos ambientais são ambiciosos e o tempo para mitigar os efeitos das alterações climáticas escasseia. E será em diversos tons de verde que os fundos de investimento serão catalogados.

[1] Non-Financial Reporting Directive

[2] Corporate Sustainability Reporting Directive

[3] Corporate Sustainability Reporting Directive

[4] Nomenclature statistique des activités économiques dans la Communauté Européenne

  • Carlos Eduardo Martins
  • Economista, observador na Plataforma para Finanças Sustentáveis da Comissão Europeia

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