“Olharemos para o Orçamento com objetivo superior de o PS ser visto como partido responsável”

José Luís Carneiro questiona ainda as razões para a venda de imóveis públicos, acusa Governo de falhar "gravemente" no que promete e explica estratégia do PS para a discussão do Orçamento do Estado.

José Luís Carneiro vai pela primeira vez enquanto secretário-geral do PS liderar a posição do partido face ao Orçamento do Estado. A menos de duas semanas da entrega pelo Governo da proposta para o próximo ano, em entrevista ao ECO, o líder socialista explica a posição do partido sobre esta matéria, critica as medidas do Executivo para a habitação e para a legislação laboral e alerta para a dependência dos excedentes orçamentais dos resultados da Segurança Social.

O que é que espera deste Orçamento do Estado para 2026?

Fundamentalmente aquilo que transmiti ao senhor primeiro-ministro na conversa que pudemos ter foi de que há matérias que, para nós, são matérias que devem estar fora do quadro orçamental. Não pode o Orçamento do Estado ter normas que deem suporte para alterações políticas substantivas em matérias que consideramos essenciais à vida das pessoas. Uma delas tem a ver com as leis laborais. O Governo trouxe para a discussão pública propostas laborais que nunca levou à discussão em sede de programa eleitoral nem nas eleições. As propostas que vieram a ser conhecidas ofendem profundamente os mais jovens, as mulheres trabalhadoras, as famílias e também os próprios trabalhadores mais vulneráveis. A outra dimensão que fiz questão de sublinhar ao senhor primeiro-ministro, que era, para nós, inaceitável, ter propostas, normas orçamentais que possam abrir as portas à revisão da Lei de Bases da Saúde. E a terceira tem a ver com as questões relacionadas com a Segurança Social e sua eventual abertura à privatização. Claro está que há uma outra matéria que, quando falei com o senhor primeiro-ministro, já tinha havido o cuidado de o Governo de tratá-la em sede parlamentar e que tem a ver com as questões fiscais. Entendi também que era importante que o Orçamento, até por uma razão de estabilidade fiscal, pudesse tratar desse tema fora do orçamento.

O Governo levou a proposta de IRS e a de IRC ao Parlamento. Aí apresentámos as nossas propostas distintas daquelas que o Governo apresentou. Mas, portanto, a primeira dimensão que exige uma resposta da parte do Governo em relação ao Orçamento de Estado é o Governo garantir que o Orçamento não é um suporte às alterações de política que são essenciais à vida das portuguesas e à vida dos portugueses.

José Luís Carneiro, Secretário-Geral do Partido Socialista, em entrevista ao ECOHugo Amaral/ECO

Esvaziar o orçamento destes temas não é também uma forma de depois justificar mais facilmente uma viabilização do Orçamento pelo PS?

Trata-se de entendermos que o Orçamento deve ser aquilo que é um Orçamento, que é um instrumento de execução da receita e da despesa. Os termos e as prioridades em que essa receita deve ser colocada é, sim, uma matéria de opção política. E essas opções de política discutem-se fora do Orçamento.

Aquilo que também transmiti ao primeiro-ministro é que queremos contribuir para a estabilidade política do país e, portanto, olharemos para a proposta do Orçamento do Estado com esse objetivo superior, que é o de o PS ser visto como um partido responsável, construtivo e propositivo. Por isso é que nas dimensões de crítica pública que temos formulado às opções políticas do Governo, temos apresentado propostas alternativas àquelas que o Governo tem adotado. Na política fiscal e no IRC avançámos com propostas alternativas às propostas do Governo e que, do nosso ponto de vista, deveria contribuir para modernizar tecnologicamente as empresas, melhorar a política salarial e contribuir também para a própria transição energética e a transição digital das próprias empresas, bem como contribuir para investir no interior do país.

Queremos contribuir para a estabilidade política do país e, portanto, olharemos para a proposta do Orçamento do Estado com esse objetivo superior, que é o de o PS ser visto como um partido responsável, construtivo e propositivo.

Mas essas condições que mencionou são, no fundo, linhas vermelhas para o PS poder viabilizar o orçamento do Estado? Já está decidido se se vão abster ou votar contra?

Chamei-lhe condições. São condições que colocamos ao primeiro-ministro.

E se o primeiro-ministro responder a essas condições positivamente?

Se o primeiro-ministro responder positivamente, vamos olhar para o Orçamento, como sempre disse, e olhar para aquela que é a sua dimensão orçamental propriamente dita. Ou seja, aquilo que é a estrutura da receita prevista, a estrutura da despesa prevista e como é que o Governo procura garantir um outro pressuposto fundamental que é o das contas certas, o da estabilidade das contas públicas. Esse é o nosso dever com as futuras gerações. Estando, digamos, garantidos estes pressupostos, tenderemos naturalmente a contribuir para essa mesma estabilidade política, o que passará por olharmos para o Orçamento com uma atitude construtiva em relação ao interesse nacional.

Garantidos estes pressupostos, tenderemos naturalmente a contribuir para essa mesma estabilidade política, o que passará por olharmos para o Orçamento com uma atitude construtiva em relação ao interesse nacional.

Através da abstenção?

Vamos aguardar pela apresentação da proposta do Orçamento do Estado, porque se fosse aqui anunciar a nossa posição… Imagino que seria aquilo que desejariam, mas também tenho o dever de ouvir os órgãos do meu partido, nomeadamente o secretariado nacional, de ouvir o grupo parlamentar e de ouvir a comissão política nacional antes de tomar uma posição. Aquilo que quero que fique claro é que queremos ser fator de estabilidade política e que a cada crítica que temos feito apresentaremos propostas políticas alternativas e, sobretudo, procuraremos demonstrar o falhanço das políticas públicas em que o Governo tem estado empenhado.

O Governo falhou clamorosamente nas propostas que fez para a saúde, está a falhar também na área da educação, o que até há poucos dias atrás não era evidente, começa a ser evidente. Está a falhar, do meu ponto de vista, nas políticas de habitação, o que tem conduzido a resultados que nos colocam hoje entre os países da OCDE cujos custos de habitação mais têm crescido e está a falhar também, do meu ponto de vista, na política económica. É por isso que é muito importante, apesar destas condições que colocámos ao primeiro-ministro, olharmos para a própria globalidade da política orçamental. Porquê? Porque o Conselho de Finanças Públicas fez alertas contundentes sobre aquilo que é a trajetória das contas públicas.

José Luís Carneiro, Secretário-Geral do Partido Socialista, em entrevista ao ECOHugo Amaral/ECO

E fez nomeadamente sobre a despesa. Considera que as medidas que o Governo tem apresentado, e que têm impacto orçamental e na despesa permanente, são compatíveis com contas públicas que apresentem um salto positivo?

Entregámos a economia do país ao governo a crescer 3.1%. Deixámos ficar um superávite superior a três mil milhões de euros e, em dois anos, o Governo distribuiu os dividendos que os governos do PS deixaram ficar nos cofres do Estado. Por outro lado, deixámos um crescimento de 3,1%, que na altura os responsáveis atuais do Governo consideravam que era um crescimento baixo, à luz das expectativas que eles próprios criaram aos portugueses de crescer sempre acima de 3%. O que se verifica é que o crescimento previsto pelo Conselho de Finanças Públicas aponta para 1,8% [no próximo ano], 1,9% [este ano]. O que significa crescer menos do que aquilo que tinham dito que iriam crescer. Portanto, falharam também nas previsões do crescimento económico. Mas mais grave é termos consciência do seguinte. Entre 2000 e 2019, o nosso saldo da Segurança Social, que andava entre 0,5% e 0,6% do PIB, garantia que a Segurança Social dava este contributo para as contas públicas. Ocorre que hoje, para se ter uma pequena ideia, a Administração Central está com um défice de funcionamento na ordem dos cinco mil milhões de euros. É o superávite da Segurança Social que permite cobrir esse défice da Administração Central.

Deixámos ficar um superavit superior a três mil milhões de euros e, em dois anos, o Governo distribuiu os dividendos que os governos do PS deixaram ficar nos cofres do Estado.

Isso é um risco, porque a Segurança Social está muito dependente do ciclo económico. Se houver um travão no crescimento económico, o excedente da Segurança Social é dos primeiros a ser afetado.

Na minha última intervenção parlamentar, alertei o primeiro-ministro para não deitar foguetes antes da festa, porque efetivamente os indicadores para os quais o Conselho das Finanças Públicas chamou a atenção não permitem tamanho festim que o Governo está a fazer. Como disse, e o Conselho das Finanças Públicas chamou a atenção, é muito importante ter em consideração a política laboral e, nomeadamente, a evolução do mercado de trabalho. É essa evolução do mercado de trabalho, é porque temos mais de um milhão de trabalhadores que estão a descontar para a Segurança Social e que estão a pagar os seus impostos que temos conseguido não apenas a receita fiscal que temos conseguido, mas também que o superávite da Segurança Social cubra o défice da Administração Central. Significa, portanto, que se houver uma quebra duradoura nos níveis de crescimento económico, entraremos muito rapidamente de novo em défices orçamentais.

É porque temos mais de um milhão de trabalhadores que estão a descontar para a Segurança Social e que estão a pagar os seus impostos que temos conseguido não apenas a receita fiscal que temos conseguido, mas também que o superavit da Segurança Social cubra o défice da Administração Central.

Preocupa-o que se o PS voltar a ser Governo tenha de fazer cortes por um aumento demasiado elevado da despesa permanente, como resultado das políticas deste Governo?

Fundamentalmente, temos apontado o caminho errado das opções de política económica e fiscal da parte do Governo. Por exemplo, o Governo avançou com uma proposta de redução do IRC que, se for levada até à sua plenitude, levará a uma perda global que nós estimamos em mais de quatro mil milhões de euros. Ora, ter uma perda de receita de forma duradoura, equivalente a cerca de quatro mil milhões de euros é extrair recursos ao Estado que são essenciais para investirmos, nomeadamente na política económica, na valorização dos fatores da competitividade da economia portuguesa, seja nos transportes, seja na mobilidade, seja na modernização da nossa economia, seja na modernização do próprio Estado.

O Governo fundamentalmente confiava em dois instrumentos para fazer crescer a economia. Um, o crescimento das exportações. Tinha o desejo de chegar aos 50% das exportações no peso da riqueza nacional e o que se verifica é que o Governo está longe e está a quebrar no fundo a capacidade do país competir pela via das exportações. Tivemos uma das maiores quebras de sempre das exportações de bens.

O Governo está a quebrar a capacidade do país competir pela via das exportações.

Isso também tem a ver um bocadinho com o contexto internacional.

Pois, com certeza, mas o Governo tem que preparar a sua política orçamental com base numa visão macroeconómica, pois é evidente que o quadro macroeconómico nos é desfavorável, porque afeta dois corações fundamentais da política económica europeia – a França e a Alemanha -, afeta o Reino Unido, afeta os Estados Unidos e afeta também o Brasil, que são mercados essenciais para a nossa economia. E por isso há uma quebra muito significativa. Um outro instrumento que o Governo queria deitar mão para estimular o crescimento era o investimento público e o investimento público até julho tinha apenas alcançado 18% do previsto.

Contrariamente àquilo que o primeiro-ministro disse no Parlamento, estamos em níveis dos mais baixos de sempre na execução do investimento público. No ano 2023 tínhamos executado mais de 70% do investimento que tínhamos previsto. Mas o Governo, em 2024, executou cerca de 48% do investimento público previsto.

José Luís Carneiro, Secretário-Geral do Partido Socialista, em entrevista ao ECOHugo Amaral/ECO

Acho que os números são um bocadinho superiores.

Os dados de execução que tenho é que são 48% do investimento previsto. Se estamos com 18% até julho deste ano significa que estamos com taxas de investimento público muito baixas para aquilo que eram as previsões. Ou seja, os dois principais motores de que o Governo tinha deitado mão para fazer crescer a economia são motores que estão a mostrar dificuldades. Portanto, o que está hoje a salvar a economia é o turismo, que continua a crescer. Na balança de serviços estamos bem, felizmente, mas chamo a atenção para um outro fator. É que estando nós a crescer pela via dos serviços, estamos também a crescer, apesar de tudo, com base no consumo. Através dos estímulos ao consumo, que é aquilo que o Governo tem estado a fazer, nomeadamente com o complemento extraordinário para os idosos e com as descidas de IRS. É evidente que isso, tendo em consideração que os indicadores de endividamento das famílias – que alcançaram os níveis mais elevados de sempre dos últimos 15 anos -, que a inflação está a aumentar 0,2% ao mês e, nomeadamente, os bens alimentares não transformados cresceram 7%, significa que há indicadores também do lado do consumo que devem preocupar o Governo.

O que está hoje a salvar a economia é o turismo, que continua a crescer. Na balança de serviços estamos bem, felizmente, mas chamo a atenção para um outro fator. Estamos também a crescer, apesar de tudo, com base no consumo.

Quero ser construtivo e quero ser positivo, mas chamo a atenção que se o Governo pretender avançar com as leis laborais, e as leis laborais visam flexibilizar os despedimentos, nomeadamente dos mais jovens, das mulheres, dos trabalhadores mais vulneráveis, mas o que isso poderá significar é a abertura de uma porta sem retorno em relação a dois fatores essenciais que mostram serem vitais na estabilidade das contas públicas, que é termos que pagar mais subsídios de desemprego, é termos menos receitas fiscais e termos menos contribuições para a Segurança Social. Portanto, este é o caminho que estou a vislumbrar, que é o caminho que o Governo está a fazer e qual é o meu dever? Alertar o primeiro-ministro, como procurei fazê-lo, na Assembleia da República.

Em relação precisamente à revisão da Lei do Trabalho, a ministra do Trabalho disse esperar que o PS não levante linhas vermelhas intransponíveis nesta matéria. Há hipótese de chegar a um acordo?

Julgo que a Concertação Social vai desenvolver-se, espero que se desenvolva nos termos da regularidade das instituições e da nossa democracia. Agora, do que estamos a falar é de aumentar os prazos dos contratos a prazo de dois para três anos e de três para quatro anos, que é especialmente significativo para os mais jovens, porque aumenta a precariedade. Do que estamos a falar também é, por exemplo, das empresas poderem extinguir postos de trabalho e depois contratarem funções equivalentes em modelo de externalização, em modelo, portanto, de prestação de serviços. O que é que isso significa? Abrir as portas aos recibos verdes e à precariedade. Depois, outras medidas que mexem com as famílias. As questões relacionadas com os horários noturnos e com os horários de fim de semana e com a assistência a filhos menores. Isto mexe com a compatibilização da vida pessoal, da vida profissional e da vida familiar.

Não podemos permanentemente dizer que queremos apostar em políticas de natalidade, queremos dar perspetivas de vida e de planeamento às famílias, particularmente às mais jovens, e depois dizer-lhes que não podem ter condições para acompanharem os seus filhos menores, levá-los às escolas, ter reuniões como ocorrem em termos de responsabilidades parentais, acompanhar as crianças onde elas têm necessidade de ir ou de estar.

Não podemos permanentemente dizer que queremos apostar em políticas de natalidade, queremos dar perspetivas de vida e de planeamento às famílias, particularmente às mais jovens, e depois dizer-lhes que não podem ter condições para acompanharem os seus filhos menores.

Portanto, o PS é completamente contra este pacote laboral?

Não estou a falar de pacotes, estou a falar de medidas concretas, porque o pacote laboral não diz nada às pessoas.

E daí querer que este Orçamento do Estado fique esvaziado, no fundo, destas matérias…

Tem de ficar. Essa foi uma das condições. Deixe-me dar um outro exemplo. Na Agenda para o Trabalho Digno, entendemos que devia ser penalizado o trabalho não declarado. Isto permitiu trazer milhares de pessoas que estão a descontar para a Segurança Social, porque até aqui não descontavam. É uma receita que está a entrar no Estado. Combate a economia informal, que é um dos problemas graves da nossa economia e estamos a trazer pessoas para dentro do próprio sistema. O Governo o que está agora a dizer é não querer penalizar o trabalho não declarado. O que é que isso significa? Podem trabalhar de modo informal, podem alimentar a economia informal, que não consideramos isso grave. Ora, estas mensagens para o conjunto da nossa sociedade são mensagens de um retrocesso cultural e civilizacional inaudito. Nós não podemos aceitar, e nós não é o Partido Socialista. Eu, como pessoa, como cidadão, que aspira a uma sociedade melhor, justa, fraterna, mais digna, nas vossas condições de trabalho, nas suas, nas minhas, nos dos meus filhos quando forem para o mercado de trabalho, não posso aceitar isso. Não é por ser do PS, está a ver? Não é uma questão ideológica, de trabalho contra o capital, de capital contra o trabalho, não é essa dicotomia de que estou a falar. É de condições de dignidade para o exercício da atividade profissional.

Não é por ser do PS, está a ver? Não é uma questão ideológica, de trabalho contra o capital, de capital contra o trabalho, não é essa dicotomia de que estou a falar. É de condições de dignidade para o exercício da atividade profissional.

Não teme que com essa posição esteja a empurrar as negociações do Governo para o Chega com tudo o que isso implica?

O Governo fará o caminho que muito bem entender, o primeiro-ministro fará o caminho que muito bem entender. E depois tem de ser responsável perante os portugueses.

José Luís Carneiro, Secretário-Geral do Partido Socialista, em entrevista ao ECOHugo Amaral/ECO

Relativamente às matérias fiscais, o PS votou contra a descida transversal do IRC. Na especialidade, vai manter esse sentido de voto ou qual é a condição para poder viabilizar a medida do Governo?

O que dissemos aqui foi: também somos a favor da redução do IRC, também somos a favor da redução do IRS. Agora vamos ver como é que se faz. Do nosso ponto de vista, a redução do IRC deve servir para financiar o esforço de modernização tecnológica das empresas, deve servir para, em sede de Concertação, melhorar os salários, para conseguirmos fixar os nossos jovens no país, para que eles não tenham de emigrar. 40% dos nossos jovens mais qualificados emigram e, portanto, temos de melhorar as suas condições salariais para ficarem cá e também, por exemplo, do IRC para o interior….

Apresentaram uma proposta nesse sentido, mas sob a forma de projeto de resolução, ou seja, uma recomendação. Não tem força de lei.

Somos contra a proposta que o Governo apresentou, de reduzir para todos.

Ao querer estas matérias fora do Orçamento, isso significa que na especialidade o PS não vai apresentar propostas de alteração em matéria fiscal?

Apresentaremos, naturalmente, na discussão na especialidade as nossas propostas e os nossos contributos, mas não faremos disso finca-pé, porque também não queremos que o Orçamento do Governo seja o nosso Orçamento, porque o nosso orçamento seria diferente do orçamento do Governo.

Apresentaremos, naturalmente, na discussão na especialidade as nossas propostas e os nossos contributos, mas não faremos disso finca-pé.

Quando disse que não quer fazer finca-pé, isto significa que vai apresentar projetos de resolução, recomendações, não propostas de lei?

Apresentaremos uma visão. Quando o Governo apresentar a sua proposta de Orçamento do Estado não deixaremos de apresentar nossa visão em relação ao interesse do país.

De que forma?

Tem de aguardar. Procuraremos que as propostas que sejam apresentadas em sede de especialidade sejam balizadas pelo princípio do equilíbrio orçamental. Ou seja, procurar evitar fazer da Assembleia o Governo. A Assembleia não é o Governo. A Assembleia tem o dever de apresentar a sua visão para a proposta do Orçamento de Estado. Em sede de especialidade não deixaremos de contribuir para aperfeiçoar essa proposta do Orçamento, mas temos também a noção das responsabilidades no que respeita à dimensão orçamental e à necessidade do equilíbrio das contas públicas.

Procuraremos que as propostas que sejam apresentadas em sede de especialidade sejam balizadas pelo princípio do equilíbrio orçamental. Ou seja, procurar evitar fazer da Assembleia o Governo. A Assembleia não é o Governo.

Falando nesse equilíbrio das contas públicas, nesse projeto de resolução, o PS também propôs o IVA Zero num conjunto de bens alimentares essenciais. O Chega tem uma proposta semelhante. O PS fez as contas de quanto é que isso poderia custar?

Custa 500 milhões de euros.

Esperam aprová-lo com o apoio do Chega?

A nossa recomendação ao Governo tem de ser compreendida como um tripé, em que num dos pés temos as questões do IRC, no outro pé as questões do IRS e no outro as questões do IVA. O que dizemos ao Governo é que é possível encontrar um arranjo da nossa estrutura fiscal que garanta que o Estado não perde receita – porque tem de ser uma preocupação de todos -, que permita compensar uns com os outros. Por exemplo, se o Governo tivesse optado pela nossa opção em relação ao IRC – porque só este ano julgo a perda prevista são mais de 400 milhões -, tem aí praticamente a receita necessária, por exemplo, para o IVA Zero nomeadamente nos bens alimentares considerados de primeira necessidade.

Mas o PS vai apresentar um projeto de lei? Neste momento, existe apenas uma recomendação. Não tem a força para obrigar o Governo a mexer no IVA dos bens alimentares.

Não.

Porquê?

Porque temos a consciência de que não somos o Governo. Somos a oposição e não nos queremos substituir ao Governo. O que queremos que fique claro é que damos um contributo para melhorar as opções de política pública. Mas temos consciência de que os portugueses não quiseram que fosse o PS governar. Aquilo que queremos mostrar é que temos uma política económica e uma política social diferente, distinta daquela que está a ser prosseguida por parte dos partidos da AD [Aliança Democrática].

Temos a consciência de que não somos o Governo. Somos a oposição e não nos queremos substituir ao Governo. Temos a consciência que os portugueses não quiseram que fosse o PS a governar.

Isso não significa também deixar de ter pequenas vitórias que podem fazer a diferença na vida dos portugueses?

Não vamos olhar para as questões orçamentais nessa ótica das pequenas vitórias ou das grandes vitórias. Temos de ter consciência de que os portugueses esperam de nós uma atitude que seja construtiva, no sentido de apresentarmos propostas políticas alternativas, mas também de não amuarmos pelo facto de elas não lograrem e vencerem à luz do equilíbrio de forças que há no Parlamento. À luz do equilíbrio de forças que há no Parlamento, não esquecemos que estamos na oposição e, tendo sido o segundo mais votado, fomos os segundos mais votados, no Parlamento somos a terceira força. Não esquecemos essa condição. O que é importante é que os portugueses possam compreender que o nosso sentido de serviço público, as nossas prioridades em relação ao investimento público são aquelas que respondem às suas necessidades. E são claras. A habitação, a saúde, os transportes e a mobilidade, a educação, que estão a falhar.

Falou na questão da oposição. O Governo tem dito que não tem parceiros preferenciais. Tendo em conta a relação histórica entre o PSD e o PS, sente-se confortável neste cenário em que entre o PS e o Chega, o Governo não tem uma preferência clara pelo PS?

Essa escolha é uma escolha que compete ao primeiro-ministro. O que tinha que lhe dizer já disse nas duas audições que tivemos, no diálogo que pudemos encetar. Disse-lhe precisamente que tinha de fazer essa opção. Sabemos bem qual é a nossa posição no quadro democrático, no quadro das instituições e no quadro da sociedade portuguesa desde 1974 até hoje.

Por falar nessas negociações, vão ter mais encontros com o primeiro-ministro?

Não ficou previsto haver mais encontros. Mas compete ao primeiro-ministro definir qual é a posição em que quer estar. Se é na posição em que historicamente esteve o PPD ou se é numa nova posição com a extrema-direita no país. O senhor Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e também o candidato presidencial Marques Mendes vieram no verão fazer um alerta bem sonoro ao primeiro-ministro, dizendo-lhe ‘alto lá, não esqueça os valores da social-democracia, do PPD, que tem uma história no país’. Lembrei publicamente essas palavras que do meu ponto de vista foram muito fortes, da parte de dois responsáveis institucionais que devem ter toda a nossa consideração e, particularmente, devem ser ouvidos por parte do primeiro-ministro.

Compete ao primeiro-ministro definir qual é a posição em que quer estar. Se é na posição em que historicamente esteve o PPD ou se é numa nova posição com a extrema-direita no país.

Mas não teme que, ao deixar o Orçamento de Estado nas mãos do Chega, o PS no fundo esteja a atirar o Governo para a extrema-direita?

Não, mas eu não deixo. Coloquei as condições ao senhor primeiro-ministro e ele tem de fazer uma opção, mas essa opção só ele é que pode fazer, não sou eu. As condições que coloquei são as condições que interessam aos portugueses. Não haverá um português neste país que se lhe for perguntar se entende que devemos criar condições para que jovens tenham uma vida mais precária, não concorde com isto. Se perguntar a qualquer português se os pais devem ou não devem ter direito de acompanhar os filhos menores em circunstâncias devidamente fundamentadas, nenhum português discordará disto. Se perguntarmos a qualquer português se entendemos que as pessoas que trabalham nas limpezas, na agricultura ou na construção civil não devem ter descontos para a Segurança Social e se o trabalho não deve estar declarado, todos entendem que esse trabalho deve estar declarado. Ou seja, aquilo que eu estou a transmitir ao Governo e ao primeiro-ministro é aquilo que preocupa as pessoas. Agora, o primeiro-ministro pode fazer as opções que muito bem entender. Se quiser fazer as opções por liberalizar os despedimentos, por fragilizar as condições laborais dos mais jovens, por fragilizar as condições das famílias dos mais frágeis depois não podem é aparecer com um programa eleitoral a falar da família, porque isso é uma contradição.

José Luís Carneiro, Secretário-Geral do Partido Socialista, em entrevista ao ECOHugo Amaral/ECO

Sabemos que o Orçamento de Estado para 2026 já está comprometido com uma descida de IRS apresentada pelo Chega e acordada com o Governo.

Abstivemo-nos também nessa matéria. Ou seja, não fomos desfavoráveis à descida do IRS. Recorda-se que fomos nós, ainda com o doutor António Costa como primeiro-ministro, que avançámos com a maior descida de IRS que era tão interessante que o próprio primeiro-ministro procurou apropriar-se dela, porque significava cerca de menos 1.200 milhões de euros de receita de IRS por força das mudanças que o Partido Socialista fez. E depois o Governo acrescentou-lhe mais, julgo que cerca de 300 milhões. O grosso dessa redução de impostos foi do PS.

Portanto, o facto desta descida do IRS estar no Orçamento do Estado não é uma linha vermelha para o PS?

Não, de forma alguma. Já foi aprovada e, portanto, faz parte das opções que foram tomadas politicamente e nós contribuímos, como digo, com a abstenção.

Mas não acha que esta descida do IRS deveria ter sido mais ambiciosa?

Diria que é possível pensarmos noutros termos em relação à nossa estrutura fiscal quando tivermos também uma política diferente em relação à organização do Estado e à eficiência do Estado. No momento oportuno, apresentaremos propostas em relação a essa matéria. É evidente que temos de ter um Estado mais eficiente. Uma coisa é aquilo que se diz que se vai fazer, outra coisa é aquilo que se faz. Acho que o Governo falha gravemente entre aquilo que promete e que não cumpre. Por vezes há coisas que promete e faz mesmo o contrário daquilo que promete. Depois falha nas previsões, como se tem visto. Mas há uma matéria que me parece bastante clara. O Governo veio com uma grande comunicação sobre a reforma do Estado. E o que é que até agora verificamos em relação à reforma do Estado?

Acho que o Governo falha gravemente entre aquilo que promete e que não cumpre. Por vezes há coisas que promete e faz mesmo o contrário daquilo que promete.

O quê?

Primeiro foi a concentração dos diferentes ministérios e serviços na Caixa Geral de Depósitos. Mas essa foi uma decisão tomada pelos governos do doutor António Costa. A outra reforma que fez, qual foi? Alienar património do Estado. Edifícios onde estava, por exemplo, a presidência do Conselho de Ministros, que são fundamentais para responder à habitação. Qualquer pessoa que olha para aquele edifício, que conhece o edifício, vê que facilmente se transforma num edifício de alojamento, de habitação para os mais jovens, para rendas assistidas. O edifício da [avenida] ‘5 de outubro’ do Ministério da Educação estava prometido, por parte deste governo, para alojamento de jovens estudantes universitários.

Um governo que vem dizer que temos falta de habitação e vai alienar um conjunto de imóveis do Estado que em 10 meses, 12 meses, conseguiam transformar-se em habitação? O que é que estará por trás desta decisão? A interpretação que faço é que a previsão de uma receita com a alienação deste património servirá para cobrir dificuldades já orçamentais não admitidas. Como é evidente, quando se prepara o Orçamento do Estado tem que se prever receita e um dos instrumentos que se utiliza muitas das vezes para prever receita a reavaliação de ativos e a alienação de património, ou pelo menos a promessa de alienação, porque depois se pode colocar como estimativa de fonte de receita essa alienação de património. Espero que não estejamos perante isso, porque seria mais um truque do Governo que seria inaceitável. Acredito que não seja. Agora, não sendo, acho que para qualquer pessoa medianamente atenta à vida coletiva, diria, bom, então se aqueles edifícios estão disponíveis e há tanta dificuldade em libertar edifícios para a construção de habitação, aí estão edifícios que deveriam ser transformados em habitação para as necessidades que estamos a sentir todos os dias e que se estão a transformar em necessidades explosivas.

Tenho bem consciência do que estou a dizer. O que está a acontecer com o crescimento em flecha do custo da habitação desde que este Governo tomou posse e as medidas que foram anunciadas com a estimativa de renda média de 2.300 euros…. lembrei-me daquilo que disse ao primeiro-ministro no Parlamento: desça à terra. Foi bem aplicada, de facto, porque este primeiro-ministro e o seu Governo não vivem no mesmo país em que estou a viver.

A interpretação que faço é que a previsão de uma receita com a alienação deste património servirá para cobrir dificuldades já orçamentais não admitidas. […] Espero que não estejamos perante isso, porque seria mais um truque do Governo que seria inaceitável.

O argumento do Governo é que os 2.300 euros são um teto. Ou seja, pode ser abaixo. Mas pode também empurrar ainda mais para cima as rendas?

Do meu ponto de vista, é isso. O que estão a fazer é mais uma vez insuflar a especulação que hoje se abateu sobre o mercado imobiliário e, particularmente, sobre a habitação.

Tem seguido uma estratégia que é em tudo diferente da do seu antecessor. Tem falado com o Pedro Nuno Santos sobre o Orçamento do Estado?

Não, mas também não tenho falado com outros deputados, tirando com o líder da bancada parlamentar, com alguns elementos da direção da bancada e com uma equipa económica e financeira que me acompanha. Não tive ainda oportunidade, mas tem havido uma consensualização das políticas quer em sede de direção política nacional, quer também em sede de diálogo com os responsáveis da bancada parlamentar e quem acompanha mais as matérias económicas e orçamentais.

José Luís Carneiro, Secretário-Geral do Partido Socialista, em entrevista ao ECOHugo Amaral/ECO

Tem sido criticado por algumas pessoas sobre o seu estilo de liderança. Falar mais baixo é uma forma de se fazer ouvir melhor?

Nos dias que correm parece-me que sim. Se calhar temos que falar um pouco mais baixo para podermos ser mais ouvidos. O que importa é o que os indicadores mostram. Os indicadores a que temos acesso, e são de várias fontes, mostram que há um reposicionamento muito importante do PS nos setores mais moderados e do grande centro político democrático e social e que isto está a fazer com que o PS esteja a crescer de forma sustentada. O melhor crescimento é aquele que se faz de forma sustentada e não aquele que sobe a pico e desce a pico. É esse que leva, em regra, a um caminho de vitória, porque traduz a afirmação de uma alternativa política que, mais do que ser interiorizada por quem está especificamente no quadro mais mediático, num quadro mais político-parlamentar ou num quadro político-autárquico, está a ocorrer no conjunto da sociedade. É isso que está a acontecer com o PS.

Para fazer uma travessia? De certeza absoluta (risos). Porque é evidente, que eu saiba, que não há eleições amanhã.

Não é então um secretário-geral para fazer a travessia do deserto?

Para fazer uma travessia? De certeza absoluta (risos). Porque é evidente, que eu saiba, que não há eleições amanhã. Haverá eleições autárquicas, ainda vamos ter eleições presidenciais e há um trabalho que tem que se realizar e que eu estou a realizar, um trabalho de proximidade com as bases do PS, com os seus militantes, com os seus simpatizantes. Este momento das eleições autárquicas é um momento muito decisivo, porque é um grande momento de diálogo com o conjunto de cidadãos e em que as nossas prioridades políticas são também calibradas, afinadas porque os autarcas são os grandes executores do investimento público e têm de ser mais valorizados por parte dos atores políticos da Administração Central. É nos autarcas que também está uma grande capacidade de transformação económica e de transformação social do nosso país.

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