Armindo Monteiro di-lo em tom de brincadeira, mas garante estar também a falar a sério, alertando que é preciso rever os despedimentos por inadequação.
Ainda que a lei do trabalho preveja o despedimento por inadequação, na prática, as empresas continuam sem conseguir fazer despedimentos por baixa produtividade ou performance. Daí que Armindo Monteiro brinque que “aparentemente só os treinadores de futebol podem ser despedidos” por esses motivos em Portugal. Esse é um dos pontos que a Confederação Empresarial de Portugal (CIP) quer ver discutidos na reforma da lei laboral que está a ser negociada na Concertação Social.
No podcast “Trinta e oito vírgula quatro”, o “patrão dos patrões” alerta, por outro lado, que há, sim, abusos na dispensa para amamentação – uma das medidas que tem gerado mais polémicas, com o Governo a querer limitar essa benefício –, e sugere que seja criado um outro regime de redução de horário para os pais que queiram acompanhar os seus filhos, mesmo não estando a amamentação.
Esta é uma de três partes da entrevista do presidente da CIP ao ECO. Armindo Monteiro reflete ainda sobre a subida do salário mínimo nacional (pode ler e ouvir aqui), bem como sobre o Orçamento do Estado para 2026 (pode ler e ouvir aqui).
A Agenda do Trabalho Digno é a prova mais evidente que nem sempre um título pomposo se traduz em algo com valor.
Na Conferência Anual do Trabalho, na primavera, tinha dito que a Agenda do Trabalho Digno tinha sido uma oportunidade perdida. Está agora em cima da mesa uma nova proposta para rever o Código do Trabalho. Desta vez, está a ser feito o suficiente?
A Agenda do Trabalho Digno é a prova mais evidente que nem sempre um título pomposo se traduz em algo com valor. Mas até os objetivos de desenvolvimento das Nações Unidas estabelecem que não é possível ter um trabalho digno – e digno no sentido de bem remunerado –, sem haver crescimento económico.
E, por isso, os dois pontos estavam absolutamente indissociáveis. Perdemos essa oportunidade de fazer crescer a economia e, por essa via, conseguir objetivos de aumentos salariais.
Desta vez já se está a conseguir fazer a ponte entre o trabalho digno e o crescimento económico?
É preciso que se consiga fazer. Não temos em Portugal uma agenda liberal ignorando a responsabilidade social. Não somos uns perigosos capitalistas em Portugal. Há, de facto, uma preocupação com o social. Dito isto, se não tivermos a capacidade de crescer na nossa economia, estamos todos os dias a empobrecer.
Já vamos à parte dos salários (pode ler e ouvir aqui). Este anteprojeto de alguma forma vai ajudar as empresas a serem mais competitivas e produtivas?
Este anteprojeto, a partir do momento em que consiga identificar algumas variáveis que fazem crescer a produtividade…. E aqui, na produtividade, estamos a falar de trabalho extraordinário, na capacidade de a empresa conseguir trabalhar mais nos picos. Não é trabalhar mais sem remuneração, não é nada disso.
As empresas não têm uma atividade linear. Há períodos de pico, há períodos em que têm encomendas, há períodos em que é solicitada a ter maior atividade e há, em contrapartida, períodos em que não é assim.

Medidas como o regresso do banco de horas individual são, portanto, bem-vindas para as empresas.
O banco de horas permitiria ou, esperemos, que permitirá fazer uma gestão entre períodos de maior atividade compensados com períodos de menor atividade compensando. Não é uma medida para que os trabalhadores trabalhem gratuitamente. Só quem não está nas empresas é que não percebe que, de facto, há períodos em que há picos de trabalho e há períodos em que não é assim.
Mas o banco de horas grupal já não dá essa resposta?
O problema é exatamente esse. Termos um banco de horas individual permite que cada trabalhador faça a sua própria gestão. As necessidades de uns não são iguais às necessidades de outros. Cada pessoa tem de ter a liberdade de negociar conforme lhe aprouver. Imagine o que é isto estar numa lógica coletiva em que um tem que se sujeitar aos outros.
O Código do Trabalho é importante porque é, sobretudo, uma relação individual do trabalhador com a entidade empregadora. Não tem de fazer parte de uma vontade coletiva. Se assim for, então, sujeita-se à ditadura da maioria. Não nos parece correto.
Mas dizia que em Portugal não somos “uns perigosos capitalistas”. O que é que responde quando ouve, da parte dos sindicatos, mas também da parte da esquerda, incluindo do PS, que este anteprojeto é um retrocesso civilizacional?
Creio que não há imposto sobre o exagero, porque, se houvesse… Nomeadamente sobre este lado mais gongórico que tem acontecido… Não precisamos tantas hipérboles, não precisamos destes exageros, este lado panfletário. Parece que o país está constantemente em comícios, está constantemente a fixar eleitorados. Não podemos assustar as pessoas. São 5,2 milhões de trabalhadores que dependem da estabilidade laboral.
Não é razoável e, sobretudo, não é responsável dirigentes, sejam eles políticos, sejam eles sindicais, utilizarem determinada linguagem que só cria medo e amedronta. Se formos ver, a maior parte das propostas que estão neste anteprojeto, repõem a situação que vigorava até 2023. Um retrocesso? Mas então em 2023 estávamos em retrocesso?
Toda esta movimentação que se está a ver considera que Portugal tem uma legislação mais liberal do que os nossos parceiros europeu. Tenho a certeza que não é assim. Um exemplo concreto: o regime de faltas. O regime que está, neste momento, em vigor por essa Europa fora é o de que as empresas apenas retribuem o trabalho prestado, ainda que sejam faltas justificadas.
Basta perguntar com quem é responsável de creches, por exemplo, se vê as mães em corrida para as creches para amamentar. Não, isso não acontece.
Mas aí este anteprojeto não toca.
Exatamente isso. Nenhuma confederação patronal está a dizer que as empresas vão deixar de pagar isso. Em questões que têm vindo mais à discussão pública, o ponto de discórdia era confirmar se aquela situação existe ou não existe. Na situação das autobaixas, que sabemos que são fator de fraude, o que as empresas dizem é que é preciso arranjar uma forma de confirmar que efetivamente essa situação existe.
E a amamentação também é um fator de fraude?
A amamentação criou um ruído enorme. Em muitos países da Europa, a regra é a de que a mãe ou o pai podem reduzir o horário de trabalho acompanhando igual redução de salário. O que seria se alguma confederação dissesse: vamos solicitar essa medida, que é pagar exatamente o tempo de trabalho.
Mas esses são países que têm salários mais competitivos que Portugal.
Mas ainda assim estão a perder a mesma proporção.
Mas são países em que as famílias conseguem suportar essa redução porque a remuneração…
Temos sempre de arranjar uma proporção. Tanto custa para quem tem um salário de mil euros retirar 20%, como um salário de dois mil retirar 20%. Não vejo que seja mais fácil. Mas o problema nem se põe. As empresas não estão a propor isso. O que as empresas estão a dizer é: confirme-se que, efetivamente, essa situação existe. Só isso.
Mas, da experiência da CIP, existem ou não muitas fraudes na dispensa para a amamentação?
Existe fraude, mas existe uma coisa ainda mais grave que essa. Basta perguntar com quem é responsável de creches, por exemplo, se vê as mães em corrida para as creches para amamentar. Não, isso não acontece. Uma criança de três, quatro ou cinco anos, não estou a dizer que não exista amamentação a essa idade. O que estamos a dizer é que era bom que houvesse a possibilidade de acompanhar as crianças nos tempos em que são mais novas.
Agora, não se chama amamentação. Chame-se tempo de apoio às crianças. Ao chamarmos a amamentação, estamos a criar uma ideia que não é correta, porque não existe uma amamentação generalizada.

Mas esse apoio à amamentação seria uma nova norma no Código de Trabalho? Seria uma licença paga pela Segurança Social?
Em vez de amamentação, era para aquilo que a mãe ou o pai entendessem. A mãe ou o pai deveriam poder optar por um período maior de apoio aos filhos.
Com redução de salário?
Não, não tem de ter redução de salário. Não deve recair na empresa todo o esforço de natalidade. Se fazemos pagamentos para a Segurança Social, é para determinadas compensações e benefícios para as pessoas.
Por isso, não nos choca, pelo contrário, achamos que até seria estimulante que, na política de apoio às crianças, a sociedade aceitasse que, nos períodos mais críticos de formação de crescimento, houvesse esta possibilidade de uma redução do horário de trabalho para acompanhamento aos filhos. Mas isso era uma situação que existiria [prevista na lei]. Objetivamente, a amamentação não existe, pelo menos até um período tão tarde como são os seis anos. Não existe.
Mas os dois anos para a dispensa para a amamentação parecem-lhe um limite justo?
É preciso encontrar equilíbrios na lei de uma forma serena, que não seja de forma panfletária e que realmente se verifique as necessidades. Pergunte-se, numa empresa, que tenha mães com crianças pequenas – um, dois, três anos –, se não se sabe muito bem identificar quem está a acompanhar o bebé e quem efetivamente aproveita para reduzir o horário de trabalho. Isso cria mau ambiente.
Não é na questão da relação dos trabalhadores com os gestores ou com a administração da empresa. É dentro da própria empresa, dentro do espírito de grupo. Perturba, porque cria sempre aquela ideia de abuso.
O que a CIP procura é que não se ponha em causa um direito de todos pela situação de abuso de alguns. Porque o abuso não é generalizado. Quando dizemos que é uma situação de abuso, não estamos a dizer que todos abusam. Não. Uns quantos abusam e fazem criar um anátema sobre um direito, que passa a ser olhado com desconfiança.
Isto criou uma tal celeuma que as empresas preferem elas próprias resolver essas situações. Identificá-las e geri-las em vez de as estar a denunciar.
A ministra do Trabalho diz que há muitas fraudes, mas o Ministério do Trabalho não consegue produzir dados em relação a isso.
Posso perceber porquê. Mesmo as nossas empresas não estão muito interessadas em estar a divulgar este tipo de informação. Não têm interesse. Isto criou uma tal celeuma que as empresas preferem elas próprias resolver essas situações. Identificá-las e geri-las em vez de as estar a denunciar. Começou mal esta discussão. E acabou por criar um ruído desnecessário. Mas isso não significa que não haja situações de abuso.
Mas, nesse caso, fixar dois anos e uma exigência maior de atestados resolve esses abusos?
Qual é a moralidade de haver situações – volto a dizer, isto não é para generalizar – em que as mães fazem a redução do horário de trabalho com a justificação que estão a amamentar e que têm as crianças a 30 ou 40 quilómetros, e que manifestamente não saem daquela zona?
Com três, quatro, cinco anos, é no horário de trabalho que amamenta, ou é noutros períodos? Conhece alguma situação de alguém que esteja a amamentar com uma criança de três, quatro, cinco anos? A lei permite. Não seria bom acompanhar uma criança até aos seis anos? Sim, mas então chamemos de acompanhamento de criança.
Essa proposta da CIP de haver o tal acompanhamento durante mais tempo, suportado pelo menos em parte pela Segurança Social, já foi apresentada à ministra?
Apresentámos várias propostas para esta base de trabalho e uma delas é exatamente essa. É a questão da amamentação poder ser complementada, ou seja, propomos que, complementarmente a esse período de amamentação, possa existir um período que não tem que ser de amamentação. Pode ser de acompanhamento. Pode ser de brincadeira.
Até que idade?
Sugerimos no período de creche, que são três anos ou quatro anos. Precisamos encontrar, de forma serena, um modo para compatibilizar o trabalho e a necessidade de viver, ter família, ter filhos, ter vida pessoal, ter os nossos momentos de prazer pessoal. É possível compatibilizar. Não somos favoráveis à ditadura do relógio de ponto. Hoje achamos que faz muito mais sentido falar em indicadores de performance do que propriamente em relógio de ponto.

Na nossa conferência, estava um painel sobre a revisão da lei laboral e uma das questões que levantou foi a necessidade de haver na lei a possibilidade de despedimentos por baixa performance. Isto também continua a não existir com este anteprojeto. Vai levar esta questão à ministra?
Não há em Portugal nenhuma capacidade de despedimento por inadequação ao posto de trabalho.
Existe uma norma, mas que não é usada.
Não é usada ou não tem provimento. Ou seja, pode até tentar um processo que sabe já que não vai ter êxito nisso. Isso levava-nos ainda a outras questões, como sejam os comportamentos inadequados no posto de trabalho que também não é fácil de comprovar. Concentrando-nos especificamente na questão da produtividade, só aparentemente os treinadores de futebol é que podem ser despedidos por baixa produtividade. Estou a brincar, mas ao mesmo tempo estou a falar a sério.
Ou seja, um treinador de futebol pode efetivamente não apresentar resultados e sai, e todos achamos normal. Mas, numa empresa, não achamos normal que alguém que esteja sistematicamente em subprodução e em subprestação de trabalho possa ser despedido. Como é que conseguimos motivar uma equipa se efetivamente a uns exigimos e a outros não há nenhuma condição de exigir maior empenho e melhor desempenho?
Esta é uma luta já de alguns anos da CIP. Continua fora deste anteprojeto? Vão bater o pé para ficar nesta revisão?
Aquilo que achamos é que deveria haver fatores objetivos. Deveríamos conseguir minimamente identificar o que é que é inadequação ao posto de trabalho. Não é deixar uma porta aberta. É sempre mau quando deixamos portas abertas. É bom é quando fica muito claro do que é que estamos a falar, diminuindo, por isso, o conflito.
Fico impressionado quando se anunciam greves, quando está em aberto uma discussão de um Código de Trabalho em que nenhuma das partes – nem sindicatos, nem entidades empregadoras, nem Governo – disse isto: é inegociável.
Mas dizia, à saída da reunião de Concertação Social, a 10 de setembro, que a CIP não tem linhas vermelhas para este processo de negociação. Não tem mesmo?
Não temos.
E se as centrais sindicais insistirem que o banco de horas individual não pode regressar?
Deixe-me insistir neste ponto. Fico impressionado quando se anunciam greves, quando está em aberto uma discussão de um Código de Trabalho em que nenhuma das partes – nem sindicatos, nem entidades empregadoras, nem Governo – disse isto: é inegociável. Está tudo em aberto. Estamos numa fase negocial.
Até agora só houve manifestações.
Mas as manifestações são normalmente uma forma de criar ruído e criar desinformação. Um Código do Trabalho é algo que tem de ser discutido com muita serenidade. Se não fizermos isso, se usarmos o medo, estamos a criar e a contribuir para abanar a paz social.
Não fazemos finca-pé de nada. Não há nenhuma medida em que fazemos um finca-pé. Mas também não fazemos de conta.
Mas, mesmo não tendo linhas vermelhas na negociação da reforma da lei do trabalho, que matérias é que acha que não podem cair, sob o risco de esta revisão ser mais uma oportunidade perdida, para usar a sua expressão?
Se houver um Código do Trabalho que basicamente não altera nada, então estamos a perder uma oportunidade. Não fazemos finca-pé de nada. Não há nenhuma medida em que fazemos um finca-pé. Mas também não fazemos de conta. Ou seja, não vamos assinar um acordo e concordar com um Código do Trabalho que verdadeiramente não altera nada.
Nesse caso, deixe-se ficar as coisas como estão. É uma oportunidade perdida? Sim. É uma oportunidade terrível para as empresas? Sim, porque as empresas estão a perder a oportunidade de se modernizar.
Mas acredita que é possível chegar a um acordo? Se a UGT era favorável a várias medidas da Agenda do Trabalho Digno e agora esta reforma vem reverter muitas destas medidas…
Algumas das alterações feitas em 2023 foram absolutamente inócuas, mas, sobretudo, muitas foram iníquas. Foram desajustadas. Dou um exemplo muito concreto. Já há muito tempo que um dos gurus da gestão, Peter Drucker, defendia o princípio da especialidade das empresas. Do what you do best, outsource the rest. Ou seja, cada empresa especializa-se no que faz bem e o resto deve procurar contratar. Criou-se esta ideia de que o outsourcing é uma espécie de um subproduto do trabalho.
A norma a que se refere é um travão ao outsourcing após despedimentos coletivos e por extinção do posto de trabalho, não a todo o outsourcing.
Imagine que uma empresa tem um contabilista interno. A empresa cresce e agora, além do contabilista, precisa de saber sobre fiscalidade, precisa de saber o preço das transferências, precisa de saber uma série de outras matérias que o mesmo profissional já não consegue. Essa empresa não tem a possibilidade de contratar, além do contabilista, um fiscalista e alguém que faça uma análise mais cuidada de muitas matérias.
O que é que pode fazer? Contratar um gabinete, que lhe preste esse serviço? Não o pode fazer com esta lei. Faz sentido? Dizem que o outsourcing é quase como se fosse um subproduto. Não, não é. Se há alguma desconfiança em relação às empresas de outsourcing, então resolvam esse problema na base, nas empresas de outsourcing. Essa é aquela medida que não conseguimos mesmo compreender. Tivemos o cuidado de ir procurar em todas as legislações da Europa e não encontramos uma única que proíba esta situação como aqui temos.
Mais uma vez, diz que a CIP não tem linhas vermelhas. Mas e se, por exemplo, a revogação desta norma ficar pelo caminho?
Se esta não for e mais umas quantas não forem, pergunta-se: então, estamos a fazer o quê?
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“Aparentemente só treinadores de futebol podem ser despedidos por baixa produtividade em Portugal”
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