No dia em que começa o Fórum Social do Porto, o secretário de Estado Tiago Antunes diz o que espera da iniciativa e assegura que as últimas da política nacional não danificam a imagem do país lá fora.
O secretário de Estado dos Assuntos Europeus está convicto de que a agitação da política nacional nos últimos meses, e principalmente nas semanas recentes, não está a prejudicar a imagem de Portugal na Europa. “Aquilo que os meus pares me questionam é como é que nós estamos a crescer tanto em Portugal”, responde, quando questionado se tem sido abordado acerca da crise política, referindo-se ao facto de o país ter sido a segunda economia da União Europeia (UE) que mais cresceu no primeiro trimestre.
Alguns desses pares internacionais vão estar esta sexta-feira e sábado no Fórum Social no Porto, uma iniciativa que assinala os dois anos da assinatura do Compromisso Social do Porto, o ponto alto da Presidência Portuguesa do Conselho. Tiago Antunes explica em entrevista que a intenção é promover este encontro de forma bianual. Muita coisa mudou no mundo desde 2021 e o continente passou de uma pandemia para uma situação de guerra. “Mas não há menos unidade na UE, felizmente”, assegura o governante português.
É com isso que Putin não contava — que a UE se mantivesse unida nesta frente de condenação à Rússia.
O Fórum Social do Porto começa esta sexta-feira. Qual é a agenda do Governo e quais as expectativas?
O objetivo é por um lado assinalar os dois anos desde a Cimeira do Porto, que foi um momento alto da nossa Presidência do Conselho da UE em 2021, e afirmar o Porto como uma referência na política social europeia e na concretização do pilar europeu dos direitos sociais. Ao mesmo tempo, manter a agenda social alto na agenda europeia. Portugal tem sido sempre, sistematicamente, em todas as discussões sobre estes temas, um dos grandes impulsionadores das políticas sociais na UE e queremos marcar mais uma vez a liderança, convocando esta reunião para ter discussões importantes sobre o futuro do modelo social europeu e o desenvolvimento e aperfeiçoamento do pilar europeu dos direitos sociais. Por isso, a ideia é realizá-la de dois em dois anos, com uma lógica de continuidade: a cada dois anos, depois da Cimeira Social do Porto 2021, fazer um novo balanço dos progressos alcançados e perspetivar novos desenvolvimentos para a agenda social europeia.
A primeira parte do fórum tem o título “O que fizemos desde o Porto?” O que foi feito desde a Cimeira do Porto em 2021?
Fizemos ao nível da política europeia avanços bastante significativos na agenda social. Aprovou-se uma diretiva que estava pendente — creio, há mais de uma década — sobre a igualdade de género nos conselhos de administração das empresas cotadas; aprovou-se uma diretiva de coordenação entre Estados-membros quanto à fixação do salário mínimo; e estão em discussões avançadas várias outras iniciativas, sobre os direitos dos trabalhadores das plataformas digitais, sobre a transparência salarial, entre outras. Os últimos dois anos caracterizaram-se por avanços importantes e a ideia é manter esse ímpeto quanto à agenda social para o futuro. Claro que, enfim, a dimensão social da agenda europeia foi afetada pela guerra na Ucrânia, e também esse é outro dos temas do debate do Fórum do Porto: as implicações sociais do conflito e todas as consequências que trouxe, na área da energia, inflação. E olhar para como é que o modelo social se pode reforçar para proteger melhor os cidadãos europeus, como tem vindo a fazer. De resto, diria que uma das grandes tendências de fundo da agenda europeia tem a ver com as transições ecológica e digital e a dimensão social destas transições também é muito importante.
Em 2021, quando foi assinado o Compromisso Social do Porto, vivíamos na pandemia e havia um grande espírito de colaboração na Europa, com a compra conjunta de vacinas. Dois anos depois, vivemos em tempos de guerra. Temos visto a dificuldade em obter acordos nas sanções. Acredita que esse espírito ainda se mantém ou a Europa está hoje mais dividida?
É verdade que o contexto hoje é muito diferente do de há dois anos. Na altura, era muito marcado pela pandemia. Hoje, é muito marcado pela guerra na Ucrânia. Mas não há menos unidade na UE, felizmente. Tem havido, aliás, na resposta à invasão da Ucrânia, uma reação totalmente unida, uma frente unida na reação europeia, com a aprovação de dez pacotes de sanções (estamos já a negociar o 11.º), com uma série de medidas de urgência para lidar com as principais consequências desta guerra no dia-a-dia dos cidadãos, em torno do RePowerEU e da necessidade de diversificar o fornecimento energético à Europa… E, portanto, a demonstração e a prova de unidade não só se manteve perante um desafio que é completamente diferente, mas até se reforçou. Mesmo no que diz respeito à compra conjunta de vacinas, estamos agora a fazer o mesmo relativamente ao gás. Eu creio que isso é que é muito interessante relativamente ao projeto europeu: os desafios vão-se sucedendo e são de grande magnitude, e sempre diferentes, mas a importância de uma resposta europeia unida a esses desafios é indiscutível e tem estado presente.
Há sempre muitas exceções — é assim que estas sanções acabam por ser aprovadas. E algumas acabam por não ter o efeito pretendido. Ou não concorda com esta visão?
As sanções têm sido aprovadas por unanimidade.
Mas para tal têm de ser feitas exceções, por exemplo, para satisfazer a Hungria em algumas coisas.
É um processo negocial, naturalmente. Quando as decisões são tomadas a 27 implicam negociação e é isso que é próprio do projeto europeu, não é nada de novo. Às vezes dá mais trabalho, demora mais tempo, é mais complexo, mas tem sido possível chegar a acordo por unanimidade. É com isso que Putin não contava — que a UE se mantivesse unida nesta frente de condenação à Rússia.
Há uns anos falava-se bastante da mutualização do subsídio de desemprego. Depois da pandemia e da guerra este poderia ser um momento para avançar com algo do género? Há condições políticas e interesse em discutir este tema?
Há discussões há muitos anos importantes sobre isso, que se mantêm. É um tema onde é difícil encontrar um entendimento a 27 para poder avançar, mas naturalmente que é algo que não é por acaso que se tem vindo a discutir. Estamos num mercado único a 27, onde há livre circulação de pessoas (e trabalhadores), e, portanto, a lógica é uma lógica de maior harmonização dos sistemas de Segurança Social, dos sistemas de proteção social, também ao nível do desemprego. Ainda para mais com a característica adicional de um sistema desses poder funcionar como uma espécie de estabilizador automático para crises assimétricas. É uma medida que naturalmente merece reflexão.
Faria sentido aplicar a mesma receia a outras áreas? Recentemente falou da União Bancária e da necessidade de se avançar com o seguro comum para os depósitos bancários.
Aí, o que está em causa é concretizar plenamente a União Bancária tal como ela foi idealizada. Ela foi idealizada com três grandes pilares: avançou-se no primeiro pilar, que tem a ver com a supervisão bancária; avançou-se no segundo pilar, que tem a ver com o fundo comum de resolução; e falta avançar no terceiro pilar, que está identificado desde o início, que é necessário, que tem a ver com uma lógica de mutualização de riscos, e, portanto, de um seguro comum de depósitos. Aí, o caminho está já definido. Falta só andá-lo. Está dependente de haver vontade política de todos os 27. É um tema em que alguns Estados-membros têm mais reticências, mas, da nossa parte, precisamos de completar esse processo.
A guerra na Europa centrou muito as atenções no leste europeu. Que impacto é que isso pode ter nos países do sul e respetivos interesses, como Portugal?
Essa questão é muito relevante no contexto do Fórum, porque um dos temas do Fórum é justamente o pilar social como uma alavanca geopolítica e a importância do modelo social europeu no contexto de uma Europa mais alargada. O tema do alargamento da Europa vai estar presente, tanto aliás que vamos ter vários países candidatos também representados — não só ministros dos 27 Estados-membros, mas também dos países candidatos (designadamente, uma delegação ucraniana), para discutir também como é que a política social e o modelo social europeu é importante no contexto do alargamento da UE e como é um valor geopolítico em si mesmo a considerar e a alargar no espaço europeu.
E em relação à minha pergunta?
É verdade que a política europeia, desde há alguns anos, tem vindo a estar muito focada — progressivamente mais focada — a leste. É assim, diria, desde o grande alargamento de 2004, com a entrada de dez novos Estados-membros no leste europeu. E desde então, progressivamente, e agora mais recentemente, muito por força da guerra na Ucrânia. Portanto, é muito compreensível e totalmente legítimo e inevitável que as atenções estejam focadas na frente leste, na vizinhança leste da Europa. Portugal está muito empenhado nessas discussões. Agora, consideramos que importa reequilibrar as discussões com uma visão mais ocidental das políticas e da agenda europeia. Por isso mesmo, aliás, ainda há dois dias reunimos no Porto um novo grupo de Estados-membros do Atlântico [Espanha, França, Irlanda, Bélgica, Países Baixos e Dinamarca] que, no fundo, é o mesmo que dizer os Estados-membros da fachada ocidental da UE, para partilharmos visões comuns e o nosso entendimento comum sobre a UE e os seus desenvolvimentos futuros. Porque é importante, justamente, equilibrar uma visão mais continental e mais a leste com uma visão mais Atlântica e mais ocidental da UE.
Nessa discussão falaram muito do alargamento, com entrada de países como Ucrânia e Moldávia, mas também se falou da questão dos cabos submarinos, tendo em conta que Portugal tem-se posicionado para ser cada vez mais central nesta matéria?
Sem dúvida. A reunião esteve organizada em duas sessões com dois temas distintos. Um, a que chamámos “olhar para fora”, para o Atlântico, em que discutimos os temas do mar, da governação do mar e das potencialidades do oceano Atlântico, e, dentro dessa discussão, a importância de dimensões como a conectividade atlântica e também dos cabos submarinos. Portugal tem de facto uma posição estratégica e um interesse enorme como player relevante nos cabos marinhos a nível mundial e, em particular, no espaço atlântico, naturalmente. Isso foi uma grande parte da discussão da primeira sessão. A segunda sessão foi “olhar para dentro da Europa” a partir desta fachada atlântica e para o futuro do alargamento.
O que pode partilhar em concreto?
No fundo, serviu para coordenarmos posições e articularmos entre os vários Estados-membros que têm uma costa Atlântica quais as possibilidades de utilização sustentável do oceano e quais as grandes prioridades e apostas. O Atlântico é um espaço de conexão entre a Europa e outras partes do mundo. Por isso, falámos não só desse papel geoestratégico crítico do Atlântico como também das dimensões de segurança relativamente a infraestruturas críticas, como estas são, e a necessidade de especiais cautelas e especiais mecanismos de que a Europa deve dotar-se para ser mais resiliente e mais capaz de reagir e de se proteger, em particular, no que diz respeito a estas infraestruturas críticas.
Consideramos que importa reequilibrar as discussões [na UE] com uma visão mais ocidental das políticas e da agenda europeia [em contraposição com a visão do leste europeu]. Por isso mesmo, aliás, ainda há dois dias reunimos no Porto um novo grupo de Estados-membros do Atlântico.
A crise política compromete de alguma forma a imagem do país na União Europeia? Tem sido questionado pelos seus pares acerca do que se tem passado aqui em Portugal ao nível político?
Não, de todo. Pelo contrário. Aquilo que os meus pares me questionam é como é que nós estamos a crescer tanto em Portugal e como é que conseguimos ter este crescimento e estes resultados económicos e tão bons números para mostrar em termos de finanças públicas.
Então, apesar de toda a agitação na política nacional, não tem trespassado para o plano internacional?
Não, de todo, de todo.
Começa a chegar o momento de fazer balanços. Como é que o Governo português avalia o trabalho da presidente da Comissão Europeia?
Avalia muito positivamente. Creio que esta Comissão, e em particular a sua presidente, tem tido um papel decisivo neste mandato, em especial durante a gestão da pandemia, mesmo numa área em que os tratados não concedem particulares poderes à UE, que é a área da Saúde, perante a necessidade de proteger os europeus. A Comissão soube avançar para a aquisição conjunta de vacinas e agora também está a ter um papel de liderança no que diz respeito à reação europeia face à guerra na Ucrânia. Sem dúvida que tem sido um mandato que consideramos muito positivo.
E devia ficar para lá de outubro de 2024?
Ainda é cedo para falar disso. Primeiro ainda vamos ter eleições Europeias e então se falará disso.
E o mesmo em relação à comissária europeia Elisa Ferreira?
Sim, não estamos ainda nesse momento de ter discussões sobre os lugares. Isso é mais à frente. Chegará esse momento.
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Crise política? “Aquilo que os meus pares me questionam é como é que estamos a crescer tanto”
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