É necessário “um alargamento do prazo e clarificação” do regulamento anti desflorestação

Ricardo Mestre, diretor de logística do Pingo Doce, aponta o recrutamento como um dos principais desafios e, no podcast 'À Prova de Futuro', pede mais tempo para o regulamento anti desflorestação.

O diretor executivo de logística do Pingo Doce, Ricardo Mestre, defende que é necessária uma clarificação do regulamento europeu anti desflorestação, que está previsto entrar em vigor no final do ano, e pede mais tempo para os fornecedores e os operadores logísticos se adaptarem.

O gestor teme também o impacto negativo que poderá ter para as empresas de menor dimensão. “É preciso ter também presente que há muitos pequenos fornecedores que terão ainda mais dificuldade em poder cumprir com as exigências“, alerta em entrevista ao podcast À Prova de Futuro, do ECO (com o apoio da Altice)

Oiça o episódio no leitor abaixo:

A falta de mão-de-obra é uma das dificuldades com que o setor da logística se tem deparado, realidade partilhada pelo Pingo Doce. “O recrutamento e a retenção de pessoas têm sido um desafio enorme que temos passado e consideramos que será um desafio também no futuro”, afirma Ricardo Mestre.

As ideias das cadeias de abastecimento têm sofrido grandes perturbações nos últimos anos, primeiro com a Covid-19, depois com a invasão russa da Ucrânia e agora com o conflito no Médio Oriente. Ainda persistem perturbações?

O Pingo Doce manteve o compromisso que o nosso chairman assumiu, desde a primeira hora no conflito, de conseguir assegurar o abastecimento aos nossos clientes e sempre muito focados nos bens essenciais. Tudo isto é feito com um trabalho com toda a cadeia de abastecimento, em parceria com os nossos fornecedores. São, na grande maioria, fornecedores nacionais, pelo que o impacto direto é menos sentido.

E quando se trata de fornecedores europeus ou mesmo de fora da Europa?

Procurou-se sempre identificar fornecedores alternativos e conseguimos cumprir com a nossa missão.

A segurança das cadeias logísticas tornou-se uma prioridade. Que mudanças é que a Jerónimo Martins, e o Pingo Doce em concreto, fez parar ajustar a operação de forma a garantir esta segurança?

A segurança sempre foi uma prioridade da Jerónimo Martins. Sempre foi uma operação de retalho muito, muito intensa, com um grande fluxo de mercadorias, de motoristas, e a segurança foi sempre muito rigorosa.

Mas foi preciso criar redundâncias para ter fornecimentos alternativos, para garantir que nada falta?

Sempre estabelecemos a redundância como a nossa estratégia para gerir o risco. Temos o país dividido em três regiões: norte, centro e sul. Em termos de abastecimento, temos a mesma tipologia de produtos nas três regiões, trabalhando com uma diversidade de fontes de abastecimento.

Ricardo Mestre, diretor-executivo de Logística da Jerónimo Martins, em entrevista ao podcast do ECO "À Prova de Futuro" - 27SET24
Ricardo Mestre, diretor executivo de Logística da Jerónimo Martins, em entrevista ao podcast do ECO “À Prova de Futuro”.Hugo Amaral/ECO

Várias associações, incluindo a associação que representa o retalho em Portugal, a APED, vieram apelar ao alargamento do prazo para a implementação do regulamento anti desflorestação. Afirmam que não há condições neste momento para entrar em vigor e que isso pode inclusivamente ameaçar o fornecimento de alguns produtos alimentares. Antecipa dificuldades por causa deste regulamento?

O Pingo Doce tem um compromisso forte para com a implementação gradual dos objetivos que estão estabelecidos ao nível da União Europeia, para fazermos parte do esforço global para para se reduzir a desflorestação, a degradação das florestas e a perda de biodiversidade. As limitações que têm sido apontadas estão muito relacionadas com alguma falta de clarificação, até porque isso tem impactos significativos em toda a cadeia, designadamente nos sistemas de informação que suportam os diversos operadores dessa cadeia. É preciso ter também presente que há muitos pequenos fornecedores que terão ainda mais dificuldade em poder cumprir com as exigências que possam vir a surgir.

É necessário um alargamento do prazo de implementação?

Alargamento do prazo e a clarificação de todas as regras que vão permitir a todas as entidades que estão na cadeia de abastecimento se adaptarem.

A Jerónimo Martins trabalha num modelo just in time. Quais são as vantagens deste modelo e que exigências é que ele tem?

Nós trabalhamos maioritariamente em just in time,que é um modelo mais exigente, mas que também está relacionado com a qualidade e a frescura que queremos sempre manter ao nível dos nossos produtos. O just in time permite-nos receber diariamente todos os produtos frescos dos nossos fornecedores e, no mesmo dia, garantir que eles saem para as lojas.

Quando trabalhamos em ‘just in time’ aquilo de que falamos é que não há stock. Ou seja, o stock está momentaneamente no dia, porque entra e sai para as nossas lojas.

Isso significa ter stocks mais curtos.

No nosso caso, quando trabalhamos em just in time, aquilo de que falamos é que não há stock. Ou seja, o stock está momentaneamente no dia, porque entra e sai para as nossas lojas.

Isso é também uma exigência grande para os fornecedores.

É uma exigência grande para os fornecedores e para toda a cadeia de abastecimento porque obriga a um cumprimento rigoroso das entregas em termos de horas. Só para dar um exemplo, se nós hoje tivermos de entregar melancia e morangos nas nossas lojas, vamos pegar nas paletes de melancia do fornecedor e distribuí-las pelas paletes da loja e fazemos o mesmo aos morangos. Se os morangos chegarem antes da melancia, não é exequível pôr na base os morangos e depois pôr a melancia por cima. É uma operação muito exigente não só para os nossos armazéns, mas para os nossos fornecedores e para a coordenação de toda esta cadeia.

Usam também um modelo com stocks?

Sim, também trabalhamos com algum stock para produtos em temperatura ambiente e neste sentido até acompanhamos um pouco a tendência que sentiu nos últimos anos de ter uma maior proximidade de alguns stock junto dos clientes. Nos produtos ambiente em que não tem esta questão da frescura temos reforçado a nossa capacidade de stock, para podermos responder de forma mais rápida àquilo que vão sendo as necessidades dos nossos clientes, das nossas lojas e podemos ser esse mais eficazes na resposta aos pedidos.

O setor do transporte de mercadorias tem sofrido com a falta de mão-de-obra. A Jerónimo Martins e o Pingo Doce têm também sentido essa dificuldade nas suas operações logísticas?

O recrutamento e a retenção de pessoas têm sido um desafio enorme que temos passado e consideramos que será um desafio também no futuro. Daí a necessidade de adotarmos melhores processos, introduzirmos aqui algumas componentes de automação para podermos ter uma operação mais produtiva, que nos dê maior capacidade de planeamento, maior capacidade de responder às necessidades efetivas das lojas e dos clientes. Tendo essa maior capacidade de planeamento e de execução, também vamos contribuir positivamente para a redução do desperdício, para a redução dos quilómetros percorridos e para uma maior sustentabilidade da atividade logística na operação.

Ricardo Mestre, diretor-executivo de Logística da Jerónimo Martins, em entrevista ao podcast do ECO "À Prova de Futuro" - 27SET24
Ricardo Mestre, diretor-executivo de Logística da Jerónimo Martins, em entrevista ao podcast do ECO “À Prova de Futuro”Hugo Amaral/ECO

A falta de mão-de-obra pode obrigar a ter que praticar remunerações mais altas? Pode haver aqui um efeito de aumento dos custos da operação logística?

Além de uma política remuneratória atrativa, oferecemos uma série de benefícios que são valorizados pelos nossos colaboradores e que têm sido uma mais-valia para atenuar este efeito. Temos creches nos nossos centros de distribuição, damos serviços médicos, temos serviços de pediatria, transportes gratuitos para os nossos centros de distribuição, centros de fisioterapia para podermos garantir uma melhor condição física para os nossos operadores.

Voltando aos custos, espera que eles continuem a aumentar?

Não perspetivamos uma alteração do contexto de custos que temos vivido recentemente. Daí a necessidade de entrar naquilo que já falámos aqui um pouco, de soluções também de automação que nos permitam aumentar a produtividade da nossa operação.

Já temos implementado algumas soluções de modelos preditivos em que prevemos artigo a artigo, loja, a loja, quais vão ser as previsões de vendas. Isso dá-nos uma grande robustez no nosso planeamento para adequar os recursos e permitir alocar os produtos que nos chegam aos locais exatos.

Há uma série de tecnologias que estão a entrar no mundo da logística e da gestão das cadeias de abastecimento, como a inteligência artificial, a Internet das coisas, o blockchain. Como é que estas tecnologias vão transformar o setor?

Podemos utilizar a inteligência artificial para processos. Temos feito um grande trabalho de os mapear, de recolha de dados. Já temos implementado algumas soluções de modelos preditivos em que prevemos artigo a artigo, loja, a loja, quais vão ser as previsões de vendas. Isso dá-nos uma grande robustez no nosso planeamento para adequar os recursos e permitir alocar os produtos que nos chegam aos locais exatos. Temos também já suporte de alguma inteligência artificial no planeamento de rotas, que permite otimizar o percurso dos nossos camiões.

Existe outra componente da automação que se prende mais com máquinas e robôs, que é muito mais desafiante na nossa atividade, que é just in time. Exige um grande sincronismo de toda a cadeia e temos milhares de artigos. Esse automatismo é algo que já se vê chegar ao mercado. Estamos agora a estudar a expansão da nossa área logística e eu acredito que será uma realidade que vamos ver chegar a Portugal nos próximos anos.

A eletrificação de frotas é um caminho que o Pingo Doce também está a adotar?

Esse é outro dos grandes desafios que a logística vai ter nos próximos anos. Já existem metas para a descarbonização, metas que são ambiciosas. Sempre que vamos renovando a nossa frota, vamos olhando para as melhores formas de poder reduzir as emissões. Passa pela tecnologia, mas também passa muito pela reorganização de processos. É um tema que já está na agenda do Pingo Doce há mais de dez anos e foi a primeira empresa em Portugal a ganhar quatro estrelas do prémio Lean and Green.

O futuro será do hidrogénio?

A forma como vemos o mercado a desenvolver-se, o futuro passará por estas três dimensões, porque não há uma solução imediata que resolva já o problema: reduzir as emissões dos motores atuais de combustão; a evolução do elétrico e da rede também de carregamentos; e o hidrogénio, uma realidade que provavelmente aparecerá na próxima década.

  • Diogo Simões
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