“Bancos nacionais ainda estão um passo atrás” no financiamento verde às empresas

Secretário-geral do Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável defende conceito de poluidor/pagador, para forçar os grupos empresariais a mudarem estratégias de negócio rumo à transição. 

Na visão de João Meneses, secretário-geral do BCSD Portugal – Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável, o setor empresarial português move-se a duas velocidades quando o tema é sustentabilidade: se por um lado há um conjunto de empresas que competem com as melhores do mundo e pontuam bem, por outro há algumas “que ainda não acordaram bem para esta realidade”.

Quanto à banca nacional, avisa, podia ajudar mais as empresas mas “está num estádio primário na sua compreensão das temáticas ambientais e na reação às mesmas”. “Os bancos ainda estão um passo atrás mas vão ser forçados a avançar”, refere o responsável deste Conselho Empresarial. João Meneses defende ainda que a adesão das empresas à transição climática deve ser voluntária, mas não descarta o conceito de poluidor/pagador, para forçar os grupos empresariais a mudarem as suas estratégias de negócio.

As empresas portuguesas podem contar com a banca para financiar os seus projetos de sustentabilidade?

A banca está a ser impulsionada pelo Governo e pela iniciativa recente de um Pacto para as Finanças Sustentáveis. Mas fora isso, a banca nacional ainda está num estádio primário na sua compreensão destas temáticas ambientais e na reação às mesmas. Ainda vemos no mercado poucos produtos de estímulo à transição e muita dificuldade em fazer análise de risco Environmental, Social and Governance (ESG), porque os analistas de crédito nesta área são em número muito reduzido. Percebo que não tenham ainda competências internas e por isso temos feito ações de formação para o setor financeiro, através do grupo de trabalho para Finanças Sustentáveis, do qual fazem parte todos os principais bancos nacionais e alguns estrangeiros, as seguradoras, entre outras instituições financeiras. Sentimos que há interesse e abertura para o tema da parte dos bancos, mas em termos de competências internas e de incorporação na estratégia e na cultura ainda não sentimos muito desenvolvimento. Os bancos ainda estão um passo atrás mas vão ser forçados a avançar.

O financiamento sustentável é mais caro?

As pequenas e médias empresas (PME) não sentem ainda a questão do custo do crédito. As grandes já sentem. Uma empresa que não integra os riscos da sustentabilidade (ESG) na sua atuação vai ter de pagar mais pelo crédito porque arrisca mais. Pela primeira vez o Global Risks Report exibe um top 5 em que os riscos são todos ambientais. Se há esse risco e se ele se vai refletir no bottom line económico das empresas, é normal que as instituições financeiras cobrem um prémio de risco àquelas que não considerarem esse risco. Se há uma PME que vai ter com um analista de crédito e lhe disser que não tem um modelo de negócio sustentável, é certo que vai pagar mais pelo capital porque se está a expor ao risco.

O que vai obrigar os bancos a mudar a sua política?

A presidente da Comissão Europeia já disse que neste ciclo de financiamento de sete anos o Banco Europeu de Investimento pode vir a concentrar 50% dos seu investimento em sustentabilidade: um bilião de euros. Isso é um sinal para a banca que a direção é por ali. O mercado obrigacionista já está em desenvolvimento aceleradíssimo das obrigações verdes. Mas a dívida pública não tem ainda um papel atuante que devia ter. Por exemplo, vai chegar agora à maturidade a dívida dos países que nos ajudaram a sair da crise. Era interessante ver o Banco Central Europeu a substituir essas obrigações comuns por obrigações verdes. Ou seja, voltar a financiar os países não para sair da crise económica, mas para fazerem a transição exigida no Green Deal. Assim não aumentariam a inflação porque a massa financeira em circulação seria a mesma. Com estes mecanismos a banca portuguesa irá seguramente evoluir.

De acordo com as emissões atuais, se fossem cobrados 50 dólares por tonelada (um quarto do que defendem os especialistas do Banco Mundial, um valor que ronda os 200 dólares) chegaríamos a um total de 10% do PIB mundial, suficiente para pagar grande parte da transição

João Meneses, BCSD

A transição energética vai pesar demasiado nas contas das empresas nacionais?

Haverá certamente um custo para as empresas, mas será amortizado no médio/longo prazo. Mais vale começar a fazer face a esse custo agora, com tempo e de forma planeada, do que depois à pressão. Eu sou favorável à adesão voluntária das empresas à transição energética. Isto apesar de concordar com a aplicação urgente de uma taxa de carbono, para prevalecer o princípio do emissor/pagador. De acordo com as emissões atuais, se fossem cobrados 50 dólares por tonelada (um quarto do que defendem os especialistas do Banco Mundial, um valor que ronda os 200 dólares) chegaríamos a um total de 10% do PIB mundial, suficiente para pagar grande parte da transição quer em termos de infraestruturas quer em termos de investigação e desenvolvimento de tecnologia, para novas baterias por exemplo.

As empresas não só devem antecipar-se para depois não serem apanhadas fora de pé demasiado tarde, ou seja, irem amortizando esse investimento, como já começa a haver mercados com escala em certos setores para essa amortização ser cada vez mais rápida. Um exemplo é a mobilidade e em Lisboa é flagrante: ninguém imaginava que pudessem surgir tantas marcas de trotinetas e bicicletas, carros e scooters partilhadas. A mudança de comportamento do consumidor vai trazer novas oportunidades de negócio para as empresas. Por isso os ciclos de amortização do investimento serão cada vez mais curtos.

Faço um elogio ao setor público e à classe política portuguesa que tem sido pioneira em muitos compromissos ao nível da sustentabilidade. Agora é necessário tornar tangíveis esses compromissos do Roteiro para a Neutralidade Carbónica, do PNEC, do Plano de Ação para a Economia Circular. Agora é que começa a parte difícil. O setor empresarial tem duas velocidade: há de facto um conjunto de empresas que competem com as melhores do mundo e pontuam muito bem na sustentabilidade. E há outras que estão a ser levadas pelo mercado, pela regulação, e que ainda não acordaram bem para esta realidade.

Quais são as empresas que andam mais rápido?

Há setores mais avançados e outros menos, varia muito consoante dependência da política pública, legislação, clientes exigentes, intensidade de carbono. Muitas empresas são empurradas para a sustentabilidade porque exportam para o norte da Europa ou para mercados mais exigentes ao nível das certificações da sustentabilidade. Se não tiverem essa certificação, os consumidores escandinavos, ingleses, americanos, não compram. É um fator de competitividade crescente. Outras são empurradas pela regulamentação, mais exigente, pela gestão de risco de compliance. A terceira razão é que a eficiência energética traduz-se em redução de custos. Quando consumo menos energia e gero menos resíduos, estou a poupar o ambiente e a carteira, porque pago menos. Muitas começam por aí, porque querem reduzir custos.

Uma t-shirt de algodão consome, em média e ao longo de toda a cadeia de valor, o equivalente ao consumo de uma pessoa em três anos, percorre 14.000 km, o que tem um impacto enorme no ambiente. É um non sense. Os cinco euros que custa esta t-shirt não pagam a sua pegada de carbono. A t-shirt devia custar mais. E o consumidor tem de consumir menos, mudar comportamentos.

João Meneses, BCSD

É então preferível que as empresas tenham iniciativa própria?

Há uma dialética clara entre adesão voluntária e forçada à transição. O ideal é ser voluntária, contrária a taxas e mecanismos impostos pelo governo. As empresas preferem poupar esse dinheiro, investi-lo em Investigação e Desenvolvimento e colocarem no mercado produtos inovadores. Por exemplo a Delta, que tem vindo a fazer um grande esforço de sustentabilidade, com cápsulas orgânicas, ou seja, prefere investir voluntariamente as verbas disponíveis em sustentabilidade em vez de estar a ter um esforço fiscal maior. Mas acho que tem de haver espaço para as duas coisas. Tem de prevalecer o princípio do emissor/pagador e se isso se refletir no preço final do produto vai ser um ónus para o consumidor. Mas temos de arranjar formas de amortecer esse impacto. Certo é que o preço de muitos bens tem de aumentar. Num voo entre Lisboa e Nova Iorque, uma pessoa provoca o degelo de três metros quadrados no Ártico. As companhias low cost são ótimas porque pagamos menos, mas o valor do degelo provocado tem de estar refletido no preço do bilhete.

No caso de uma t-shirt de algodão, em média e ao longo de toda a cadeia de valor consome 2700 litros de água, o equivalente ao consumo de uma pessoa em três anos, percorre 14.000 km, o que tem um impacto enorme no ambiente. É um non sense. Os cinco euros que custa esta t-shirt não pagam a sua pegada de carbono. A t-shirt devia custar mais. E o consumidor tem de consumir menos, mudar comportamentos. Tem de ser voluntário e imposto pelos governos ao mesmo tempo. Tem de haver vontade política. Temos 10 anos para reduzir em 50% as emissões de carbono. É uma revolução em termos de estilo de vida das pessoas. Se não cumprimos o Acordo de Paris as consequências serão devastadoras: menos 50% de produção de alimentos; probabilidade de guerras três vezes maior, por falta de água e comida; maior número de refugiados climáticos. Não é uma opção não reagir.

O mundo empresarial pode dar-se ao luxo de não apostar na sustentabilidade?

Se há 20 ou 30 anos ainda se dizia que cabe às empresas apenas gerar riqueza e não mais do que isso, e que qualquer tipo de responsabilidade social deveria ficar ao livre arbítrio dos seus acionistas, hoje a empresa já é vista como geradora de valor para a sociedade, com impactos positivos no ambiente. A dado passo as empresas procuraram mitigar os impactos negativos da sua atividade e esse foi o primeiro passo para responsabilidade social empresarial. Para a sua gestão de risco, muitas empresas começaram a gerir a sua reputação (greenwashing). Mas ainda era uma atividade satélite, um “nice to have”.

Hoje a preocupação da sustentabilidade já é absolutamente core, e atravessa toda a cadeia de valor, atravessa a estratégia, as prioridades, a visão e a cultura da empresa. Já é um “must have“. Empresas já não investem apenas uns tostões na sustentabilidade. A gigante Blackrock, sociedade gestora de investimentos, tem escrito desde há três anos que o lucro sem um propósito não faz sentido. Mais: sem propósito não vai sequer haver lucro no futuro. A transição para a sustentabilidade é uma enorme oportunidade de lucro, de investimento e de negócio para os first movers.

As duas grandes forças a impactar o mundo dos negócios no século XXI são a transformação digital e a sustentabilidade. O digital já está aí e ninguém esta fora dele. A sustentabilidade é aquela que vai impactar mais os negócios e o quotidiano. Daqui a 10 anos ninguém vai poder dizer que está fora da sustentabilidade, assim como ninguém está hoje fora do digital. Tem de começar já, mas há um tempo de incorporação e transição. Para que nenhuma empresa possa dizer que está fora, são necessários 10 anos. As maiores empresas já estão a trabalhar neste sentido há 5 ou 6 anos, as médias estão agora a entrar e as pequenas lá chegarão.

Como é que as empresas podem ser apoiadas para não perderem o comboio da transição?

No BCSD temos um projeto que é um seguro para ajudar na transição. Está na fase de entrada no mercado com um consórcio europeu. O que faz este seguro? Se for um empresário e tiver dúvidas acerca da performance da tecnologia que está a comprar, o seguro paga o gap. Se o equipamento não entregar a performance esperada, o seguro cobre a diferença e mitiga os riscos dos empresários. As barreiras à adoção de tecnologias eco-friendly caem drasticamente. Já temos o seguro com as companhias portuguesas Fidelidade, Ageas e Abarca. É um projeto financiado pelo Horizonte 2020 da União Europeia. Já fizemos o Investors Day e estamos a tentar gerar mercado para este tipo de seguro. A transição precisa de adereços que diminuam o risco. São pequenas “aspirinas” que minimizam as dores de transição das empresas.

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