Francisco Silva Carvalho: “As alterações ao arrendamento urbano são um desastre”

O sócio da PACT-OREY DA CUNHA é o advogado do mês da edição de fevereiro da Advocatus. O advogado considera a lei de bases da habitação “ridícula” e as alterações ao arrendamento urbano um "desastre".

Francisco Silva Carvalho esteve à conversa com a Advocatus e analisou o estado atual do setor imobiliário em Portugal. Confidenciou que a lei de bases da habitação é “ridícula” e que as alterações efetuadas ao arrendamento urbano são um “desastre”. O sócio da PACT-OREY DA CUNHA fez ainda um balanço dos primeiros anos da fusão da sociedade e perspetivou que para 2030 seriam um “escritório de referência”. Recentemente lançou o seu primeiro livro, um policial, mas revelou que o próximo será uma comédia passada em Lisboa.

Licenciou-se em direito em 2001. Se voltasse atrás no tempo, mantinha a decisão de ingressar em direito ou mudava de área?

Mantinha a decisão. A verdade é que, olhando para trás, vejo que o direito se revelou uma escolha muito acertada. Gosto de ser advogado, da liberdade e da flexibilidade que a profissão me dá. O meu principal desafio é conseguir compatibilizar o exercício da advocacia com o da escrita.

Quem foi o verdadeiro responsável e influenciador por ser advogado nos dias de hoje?

Estudar direito, fazer o estágio, ser advogado, foram opções que tomei sem um plano predefinido, ou uma figura inspiradora que me norteasse.

Exerce direito em vários ordenamentos jurídicos, como a Alemanha, como foi a adaptação a normas jurídicas diferentes daquelas que aprendeu na licenciatura?

Não exerço direito, como advogado, fora de Portugal. O que faço, por vezes, é assessorar clientes em operações e contratos que envolvem vários países e jurisdições, como a Alemanha. Depois, para questões de verificação de compliance com normativa específica, nacional, ou para aspetos relacionados com litígios ou a execução do contrato recorremos sempre a colegas nossos locais, das jurisdições em causa.

Fundou a sociedade PACT-OREY DA CUNHA, que resultou da fusão de dois escritórios de advogados: a PACT-ADVOGADOS e a OREY DA CUNHA. Após seis anos, a fusão foi uma aposta ganha?

Absolutamente. Eram escritórios complementares, de pessoas que eram muito amigas e que já trabalhavam em conjunto em determinados assuntos. Foi uma continuidade sem sobressaltos. Tudo o que aconteceu desde então foi muito positivo.

Como têm sido estes primeiros anos de atividade?

Excelentes. A fusão aconteceu numa altura boa da economia. Temos vindo a assessorar os nossos clientes num número crescente de operações, transações, casos relevantes. O escritório cresceu, agora somos 24. Tornou-se mais robusto. Mais especializado. E, sobretudo, os clientes aderiram à PACT OREY DA CUNHA com entusiasmo e confiaram em nós.

Os clientes aderiram à PACT OREY DA CUNHA com entusiasmo e confiaram em nós.

Francisco Silva Carvalho

Sócio da PACT-OREY DA CUNHA

Enquanto sócio da PACT-OREY DA CUNHA, qual é a responsabilidade que um sócio possui dentro da sociedade?

Diria que estar atento às necessidades dos clientes, procurar estar a par das alterações legislativas nas nossas áreas de especialização, assegurar a formação contínua dos nossos associados mais novos, participar na gestão operacional e estratégica. Entre outras.

Daqui a 10 anos quais são as perspetivas para a PACT-OREY DA CUNHA no panorama jurídico?

Sermos um escritório de referência na nossa dimensão.

O ano de 2019 ficou marcado por um conjunto de alterações legislativas em matéria da habitação, as novas medidas vão permitir uma mudança nesta matéria?

Todas as alterações efetuadas em 2019 nesse âmbito oscilam entre o mau e o péssimo. A Lei de Bases da Habitação é ridícula. As alterações ao arrendamento urbano, um desastre. As mexidas nos regimes fiscais só causam confusão e insegurança. Desde 2017, assistimos a vários retrocessos gravíssimos no arrendamento urbano e legislação conexa. Muita gente parece ter-se esquecido do que eram as cidades de Lisboa e Porto até 2012: não havia investimento em reabilitação porque os arrendamentos eram perpétuos. Muitos prédios estavam num estado de degradação inacreditável e total ou parcialmente devolutos. Havia pouquíssimos fogos disponíveis para arrendar no centro da cidade. Em 2012, por imposição da Troika, criou-se alguma abertura e assistimos a uma explosão de investimento e reabilitação. A cidade mudou do dia para a noite. Agora fala-se da gentrificação, dos preços impossíveis do arrendamento, da necessidade de congelar as rendas das lojas históricas para estas continuarem a funcionar à custa do senhorio, em condições de privilégio face à concorrência, isso não é nada sensato. As pessoas querem o Estado expropriador, a economia de direção central. Mas esquecem-se de que o proprietário é alguém que aforrou, que pagou impostos sobre o rendimento sobre o valor que aforrou, impostos sobre os juros, enquanto aforrava, impostos para comprar o imóvel, e paga impostos anuais e outras taxas pelo facto de ser proprietário.

A Lei de Bases da Habitação é ridícula. As alterações ao arrendamento urbano, um desastre. As mexidas nos regimes fiscais só causam confusão e insegurança.

Francisco Silva Carvalho

Sócio da PACT-OREY DA CUNHA

Como carateriza o estado atual da área imobiliária em Portugal?

Existem aspetos positivos: ainda há muitos investimentos em curso, existem várias oportunidades, na reabilitação urbana, no alojamento para estudantes, em residências vocacionadas para setores específicos da população. E Lisboa e Porto são cidades que, decididamente, estão na moda e passaram a estar na mira dos investidores internacionais. Mas vislumbram-se nuvens negras no horizonte. Estas mexidas inconsequentes nos regimes do arrendamento, as limitações administrativas ao alojamento local, o englobamento das rendas no IRS, a lentidão dos licenciamentos na CML, a impunidade da administração pública… nada disso contribui para uma visão otimista do futuro próximo da área imobiliária.

Quais são os maiores desafios que a área de imobiliário enfrenta em 2020?

Manter o bom que foi feito, reparar alguns dos erros cometidos e tentar, o mais possível, evitar certas medidas muito gravosas que estão a ser tomadas ou projetadas. O setor imobiliário, incluindo o turismo, é um motor fundamental da nossa economia. Convém deixar que funcione com o mínimo possível de restrições e garantir que as medidas que permitiram o boom dos últimos anos se mantêm. Estou a falar do regime fiscal dos residentes não habituais, das autorizações de residência para investidores, dos benefícios fiscais à reabilitação urbana, etc.

O setor imobiliário, incluindo o turismo, é um motor fundamental da nossa economia.

Francisco Silva Carvalho

Sócio da PACT-OREY DA CUNHA

Referiu num artigo de opinião que “algum cínico terá, um dia, definido o direito como “uma arma para ajudar os amigos, perseguir os inimigos e aplicar aos indiferentes”. Hoje, é o próprio legislador quem parece pensar assim”. O que quer dizer com esta afirmação?

Ouvi essa afirmação quando ainda estava a estudar direito e nunca mais me esqueci dela. A experiência mostrou-me que estava certa. Quanto mais conhecemos um setor, mais nos apercebemos que a legislação desse setor é muitas vezes ditada com o intuito de salvaguardar determinados interesses (dos amigos), prejudicar determinadas pessoas ou negócios (de inimigos) e, neste processo, acaba por ser aplicada aos milhares de indiferentes. Isso no setor imobiliário é particularmente notório.

Com quase 20 anos de experiência, qual o principal desafio que atualmente enfrenta na sua carreira?

O principal desafio é ser capaz de continuar a ajudar os clientes a realizarem os seus negócios, a resolverem os seus problemas. Isso e ter uma participação mais ativa na tomada de decisões públicas, para ver se não assistimos impávidos a certas calamidades.

É escritor nas horas vagas. De onde surgiu a ideia do primeiro livro?

Quero ser mais do que escritor nas horas vagas. Procuro escrever cerca de duas horas por dia, embora haja alturas em que é impossível por causa do trabalho. O primeiro livro, escrevi-o há alguns anos. É uma sequência de 24 contos, todos passados em Lisboa, mas acabei por nunca o publicar. Depois, estava a escrever o segundo, também passado em Lisboa, mas, entretanto, por razões pessoais e profissionais, Hamburgo atravessou-se no caminho e interrompeu essa história. Durante ano e meio fui lá dezenas de vezes. E a cidade inspirou o meu primeiro livro publicado, que se chama “Os Crimes de Hamburgo” e está atualmente à venda nas livrarias. Naquela altura, o tema dos refugiados era muito presente, notava-se a tensão na cidade, falava-se disso a toda a hora nas notícias. Para além disso, sou especialmente sensível a essa realidade porque há cerca de 12 anos vivi na Líbia durante um curto período (no tempo do Khadafi), por razões profissionais. E conheci e convivi com pessoas de lá. E é difícil imaginar como foi possível, de um momento para o outro, aquela gente, que vivia uma vida normal, estável, numa sociedade mais ou menos organizada, ver o seu mundo de pernas para o ar, no caos da guerra. Ter familiares mortos. Casas, trabalhos, património, tudo perdido. Isto aconteceu ontem, com gente de hoje. Gente igual a nós. Esta é a realidade dos refugiados. E muitos deles vêm precisamente da Líbia. Neste contexto, uma ideia ocorreu-me, vinda não sei bem de onde: e se refugiados muçulmanos, a salvo na Alemanha, começassem a ser assassinados? Isso seria um problema extraordinariamente delicado. A partir daí, a história foi ganhando corpo e, passado um ano, tinha-se transformado num livro.

Quero ser mais do que escritor nas horas vagas. Procuro escrever cerca de duas horas por dia, embora haja alturas em que é impossível por causa do trabalho.

Francisco Silva Carvalho

Sócio da PACT-OREY DA CUNHA

Quantos livros já tem publicados?

Por agora, apenas este.

E porquê um livro policial?

Foi policial porque essa foi a história que a cidade me inspirou. Baseada no ambiente dos livros e das séries nórdicas, que reinventaram o género policial. Hamburgo também é uma cidade nórdica, com um inverno longo, tons frios, pessoas fechadas, um enorme porto de mercadorias, que lhe dá um ar de estaleiro em movimento. Isso inspirou o policial, embora também tenha procurado retratar o outro lado da cidade, mais luminoso: o dos casarões magníficos, dos prédios elegantes que são legado de uma burguesia muito rica, desde os tempos da liga hanseática… dos canais românticos que atravessam a cidade, dos barcos ancorados em frente aos jardins nas traseiras das casas, da profusão de parques e jardins assombrosos. Hamburgo é uma cidade apaixonante e é interessante o facto de a maior parte das pessoas não a conhecer ou fazer dela uma ideia muito diferente do que é na realidade. Mas o próximo livro não será um policial. Será uma comédia, passada em Lisboa.

Se ganhasse dinheiro suficiente como escritor, desistia da advocacia?

Não. Mas repartia o dia em partes iguais: metade dedicado à advocacia e metade à escrita.

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