Numa entrevista realizada em São Francisco, nos EUA, o líder da Salesforce Portugal, Fernando Braz, diz que algumas empresas portuguesas demoram três anos a decidir "projetos pequenos".
Num clima de grande entusiasmo com os agentes de inteligência artificial (IA) generativa, que apesar de tudo não está a ter um reflexo expressivo na valorização da companhia em bolsa, a Salesforce acelerou o passo nos últimos anos e fez “um shift de 180 graus para se adaptar” à evolução do mercado. Conhecida por desenvolver software para ajudar as empresas a gerirem a relação com os clientes, quer agora “colocar os humanos a trabalhar” lado a lado com as máquinas e “aumentar a produtividade” dos colaboradores, diz ao ECO o country leader da Salesforce em Portugal, Fernando Braz, numa entrevista realizada em São Francisco, na Califórnia.
(Artigo narrado por inteligência artificial.)
Semanas depois de a Comissão Europeia ter apresentado uma estratégia para aumentar a integração de IA nas empresas europeias, quando os números oficiais apontam para baixas taxas de adesão, principalmente em Portugal, o gestor português salienta a necessidade de convencer as empresas dos méritos de aplicar IA: “O que é desafiante, e mais relevante, não são as 20, 30 empresas grandes, mas sim as empresas médias. É isso que pode ser o motor da economia portuguesa. Temos ‘N’ empresas com 300, 500, 700 empregados, e é aí que nós sentimos mais dificuldades. Há um desconhecimento enorme por parte dessas empresas sobre o que fazer com isto. Para muitas dessas empresas, o digital é ter um website“, atira Fernando Braz.
Para o responsável da Salesforce em Portugal, o diagnóstico é “claro”: falta literacia tecnológica aos gestores, e “não há dúvidas quanto a isso”. Em alguns casos, o tempo de decisão para “projetos pequenos e simples” chega aos três anos, queixa-se. “Isso demonstra que, obviamente, alguns decisores e gestores sentem a pressão de que têm de acompanhar, vão aos nossos eventos, como vão a outros, veem outras pessoas a falar, outras marcas a fazer, mas não conseguem arrancar, porque não sabem como o fazer”, explica, ilustrando com um caso concreto: “Nós namoramos um grupo hoteleiro português há já algum tempo e eles não tomam decisão nenhuma. Têm tudo muito arcaico, muito antigo, muito legacy, e a resposta do principal decisor para a sua equipa é ‘mas nós estamos sempre em overbooking, porque é que eu vou gastar dinheiro nestas plataformas digitais se eu estou sempre cheio?’.”
Há um desconhecimento enorme por parte dessas empresas sobre o que fazer com isto. Para muitas dessas empresas, o digital é ter um website.
Preocupação com retornos da IA é uma “questão de expectativas”
Para lá da escolha da melhor tecnologia, a preocupação com os retornos da IA tem marcado cada vez mais a discussão sobre adoção de IA nas empresas. Como escreveu o ECO esta semana, um inquérito anual do IBM Institute for Business Value a mais de 1.200 clientes da Salesforce, divulgado recentemente, concluiu que “apenas 33% das iniciativas de IA estão a atingir as metas de retorno sobre o investimento (ROI)”. “Ainda mais preocupante, 72% não conseguiram escalar entre as diferentes unidades de negócio e 20% estagnaram, falharam completamente ou abandonaram” totalmente as iniciativas. “A revolução da IA continua a prometer transformação, mas para muitos clientes a Salesforce está a entregar mais faturas do que insights“, lê-se na apresentação do estudo “The State of Salesforce 2025-2026”.
Recusando “comentar os números” desse estudo, porque “os números são números”, Fernando Braz responde com retórica: “Qual é alternativa? É não fazer? Qual era a alternativa quando se lançou o automóvel? Era não o usar e numa viagem de 100 quilómetros continuava-se a ir a pé? Qual é a alternativa de adotar as ferramentas de IA, agilizar os projetos? É não usar. Portanto, a questão do retorno tem a ver com a questão das expectativas. Temos que avaliar e perceber o que é que aquilo faz.”
Dito isso, o gestor tece algumas recomendações às empresas: “Começar um projeto, começar a testar, ver resultados, ajustar, e depois mudar para outro, e para outro. Ou seja, aquele tempo do passado em que havia projetos de transformação em que eram deitados milhões, isso às vezes ainda acontece, mas nós não o recomendamos. Start small and grow, é isso que nós recomendamos e muitas vezes é essa a nossa frustração”, aponta o responsável, dirigindo-se às empresas.
Quanto a outra queixa comum, a incerteza quanto aos custos de algumas destas soluções, Fernando Braz sugere que se evitem os “acessos descontrolados” nas empresas. “O que acontece muitas vezes é que as coisas não estão controladas, então tem de se negociar muito bem o contrato para pôr limites. Tem de se dizer às pessoas o que é que se vai disponibilizar”, remata o gestor, com currículo longo em grandes tecnológicas no mercado empresarial, incluindo a Oracle e a SAS.
Agentes nas empresas e Slack mais integrado
A Salesforce promoveu esta semana em São Francisco, a sua terra natal, a 23.ª edição da conferência Dreamforce, onde foram esperadas 50 mil pessoas, neste que é considerado um dos maiores eventos de tecnologia da cidade. O evento, em que o ECO esteve presente a convite da marca, foi recheado de novidades, desde a possibilidade de as empresas criarem os seus próprios agentes de IA com recurso a linguagem natural às parcerias com a OpenAI e a Anthropic, aliando a oferta tecnológica da empresa a dois dos principais fornecedores de modelos avançados de IA generativa, ambos de origem norte-americana.
Simultaneamente, a aplicação de trabalho colaborativo Slack, a principal alternativa ao Teams da Microsoft, e pioneira nesta área — que a Salesforce adquiriu em 2021 a uma avaliação de 27,7 mil milhões de dólares –, também assumiu um papel de destaque, tendo sido alvo de melhorias e de novas funcionalidades. “Aquilo que nós queremos é que o Slack seja a porta de entrada para tudo aquilo que vamos fazer hoje em dia”, diz Fernando Braz.
Através da integração do Slack com o software da Salesforce — conhecido pela sigla CRM, de custom relationship management — torna-se possível invocar e colocar questões a um agente de IA diretamente na janela de chat. O programa “passa a ter toda a informação que está contida no Salesforce, sem ser preciso estar a pesquisar módulo a módulo quem é o meu cliente e o que é que ele já comprou”, explica o responsável. O contrário também acontece, com um módulo Slack a acompanhar toda a experiência dentro do próprio programa Salesforce. Deste modo, fica tudo ligado.
Aquele tempo do passado em que havia projetos de transformação em que eram deitados milhões, isso às vezes ainda acontece, mas nós não o recomendamos.
Estes anúncios e novidades foram recebidos com pouco entusiasmo nos mercados financeiros, com as ações da Salesforce a caírem mais de 3,6% na sessão de terça-feira, dia de abertura do evento (o tecnológico Nasdaq perdeu 0,69% no mesmo dia). Aliás, os títulos têm estado sob pressão desde o final do ano passado, perdendo um terço do seu valor face ao último máximo do início de dezembro, contrariamente à tendência da esmagadora maioria das empresas com foco em IA.
Confrontado com este facto, Fernando Braz responde que “a inovação que a Salesforce traz ao mercado é inquestionável”. E conclui: “Eu estou feliz por aquilo que a minha empresa está a fazer. Acho que é óbvio e evidente o nosso compromisso com estas matérias. Agora, se os analistas têm outra opinião, estão no direito deles, não é?”.
O jornalista do ECO viajou a São Francisco a convite da Salesforce.
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“Há um desconhecimento enorme das médias empresas sobre o que fazer com IA”
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