“Alívio fiscal para o arrendamento urbano tem de entrar já no OE”

Incentivos fiscais ao arrendamento de longa duração e a rendas acessíveis, reforço do Porta 65 e um programa nacional de realojamento são medidas que deverão entrar no OE/2018, diz Helena Roseta.

Com um mercado de arrendamento “totalmente disfuncional” — e, no caso de Lisboa, até “em vias de extinção” –, a habitação vai ser uma das áreas prioritárias do Orçamento do Estado para 2018. Helena Roseta coordena o grupo de trabalho parlamentar sobre habitação, reabilitação urbana e políticas de cidades, de onde saíram medidas como o reforço do programa Porta 65 ou o prolongamento do período transitório de atualização das rendas antigas. Do lado do PS, é ela quem está a levar à secretária de Estado da Habitação as propostas consideradas urgentes para esta área.

Em entrevista ao ECO, a deputada e presidente da Assembleia Municipal de Lisboa aponta os incentivos fiscais ao arrendamento urbano de longa duração e a rendas acessíveis, o reforço do programa de subsídios Porta 65 Jovem e um programa nacional de realojamento como as medidas que “têm de entrar já” neste Orçamento, mesmo que as verbas disponíveis para a pasta da habitação, recém-criada, possam ser “baixinhas”. No curto prazo, também é urgente rever as políticas de incentivo à reabilitação: não basta reabilitar, é preciso privilegiar a habitação em detrimento do turismo.

Há poucos meses, dizia que tinha pena de não existir uma Secretaria de Estado da Habitação, que foi entretanto criada. Já se reuniu com a nova secretária de Estado?

Já me reuni, poucos dias depois da posse, apenas para trocarmos impressões e para nos sintonizarmos. Sei que tem estado a trabalhar a mil à hora, porque apanhou o comboio já em andamento em fim de julho, quase em cima do Orçamento do Estado. Estou à espera de termos uma nova reunião brevemente para saber como estão as coisas para o Orçamento.

A deputada socialista quer um alívio fiscal para o arrendamento urbano, sobretudo o de longa duração e a preços acessíveis.Paula Nunes / ECO
O que é que quer ver neste Orçamento do Estado?

Não sei até onde vamos conseguir ir. Ela conhece bem os problemas, mas a minha preocupação, neste momento, é saber até que ponto o Orçamento do Estado pode começar a dar resposta a três ou quatro questões. Uma primeira é a nível dos impostos, nomeadamente os impostos sobre a habitação e em particular sobre o arrendamento habitacional. Tem havido bastante sintonia de muitos parceiros, quer do lado dos senhorios, quer do lado dos inquilinos, no sentido de dizer que é preciso baixar a fiscalidade do arrendamento. Eu também penso isso. Vamos ver até onde é que se consegue ir. Não é a Secretaria de Estado da Habitação que define essas medidas, são todas negociadas com as Finanças. Mas esse era um sinal muito importante e espero que o Orçamento de 2018 nos traga esse sinal, algum alívio fiscal para o arrendamento urbano, sobretudo o arrendamento urbano de longa duração, que é o que temos menos, e a preços acessíveis.

Não basta mexer na fiscalidade para termos mais arrendamento. O mercado de arrendamento está totalmente disfuncional. No caso de Lisboa, além de estar disfuncional, está em vias de extinção, há cada vez menos casas para alugar.

Helena Roseta
Como deve traduzir-se esse alívio?

Pode fazer-se de várias maneiras. Ou mexendo na taxa liberatória, ou mexendo nos incentivos fiscais. Mas não basta mexer na fiscalidade para termos mais arrendamento. O mercado de arrendamento está totalmente disfuncional. No caso de Lisboa, além de estar disfuncional, está em vias de extinção, há cada vez menos casas para alugar. Há casas ainda de rendas antigas que estão com valores baixos, mas que, a prazo, estão condenadas. O grosso está a preços absolutamente disparatados, quando existe, porque, para os proprietários, há alternativas de investimento mais atraentes e mais interessantes. Ou até pode acontecer que não tenham alternativas nenhumas mas prefiram esperar para arrendar. É preciso refazer a confiança no mercado de habitação em Lisboa, entre as várias partes. Na questão do arrendamento, essa confiança foi muito desfeita.

Tenho consciência de que a própria legislação em que eu batalhei durante o ano passado, para proteger as pessoas idosas, as pessoas com deficiência e as pessoas com dificuldades económicas durante um período mais longo, foi uma vitória mas não é uma medida que ajuda a restabelecer a confiança no mercado. Pelo contrário, retrai ainda mais as pessoas de colocar casas no mercado de arrendamento. Há um problema de confiança e faltam medidas para ganharmos essa confiança. Era fundamental criar um seguro de renda para dar confiança às duas partes, quer aos senhorios, quer aos inquilinos.

Quem seria responsável por esse seguro?

Há várias modalidades, vários países praticam isto. Pode ser uma despesa repartida entre as partes. Os inquilinos todos já pagam uma espécie de seguro, o mês de caução, que, na prática, serve para dar confiança ao proprietário de que pelo menos um mês não falha. Tinha de ser uma coisa acessível, bastante generalizada, isso é da maior urgência. A outra coisa que é da maior urgência, poderá ser mais difícil mas é fundamental, é a questão do fiador. Continuamos a ter a prática do fiador e é muito difícil, as pessoas não querem ser fiadoras. Há outras soluções, através de fundos de garantia, por exemplo. Com um seguro e com um fundo de garantia, podemos desbloquear estas dificuldades que existem no mercado de habitação.

Helena Roseta defende a criação de seguros de renda e fundos de garantia para responder às dificuldades do mercado de arrendamento.Paula Nunes / ECO
Que outros pontos são prioritários para o Orçamento do Estado?

Para além da questão da fiscalidade, as outras prioridades que temos são decisões da Assembleia da República que têm de ter repercussão já em 2018. Uma tem a ver com o reforço do Porta 65 Jovem. É o único programa que temos de subsídio ao arrendamento, que em Portugal só existe para os jovens. Devia ser alargado, devíamos ter programas de subsídio ao arrendamento que não fossem só para os jovens. A esse nível, vamos ver o que vai sair, mas já há uma lei, aprovada no final da sessão legislativa, para reforçar, no Orçamento de 2018, o Porta 65 Jovem.

O terceiro ponto também tem a ver com uma deliberação da Assembleia por unanimidade. Temos de voltar a ter programas nacionais de realojamento. A questão do realojamento das famílias com grandes carências habitacionais não pode ser uma questão de que o Estado se demita e, desde 2009/2010, deixou de haver qualquer espécie de verba para programas de realojamento. Não pode ser. Precisamos de ter um programa de realojamento contínuo e tem de haver alguma verba no Orçamento do Estado para isto. Pode ser um programa feito em colaboração com as autarquias, mas não podem ser as autarquias a aguentarem sozinhas esse encargo. O Estado tem de ter aqui uma quota-parte. Não sei até onde é que a secretária de Estado vai conseguir ir, sei que ela é muito batalhadora e que está de certeza a lutar pelos máximos que puder.

[A secretária de Estado da Habitação] tem uma coisa a desfavor dela: o passado deste Governo com novas pastas não é brilhante. São sempre concedidas verbas baixinhas.

Helena Roseta
Qual é a verba disponível para resolver as questões da habitação?

Não faço ideia. Tenho a certeza absoluta de que ela está a lutar com unhas e dentes para conseguir que seja o máximo possível. Tem uma coisa a desfavor dela: o passado deste Governo com novas pastas não é brilhante. São sempre concedidas verbas baixinhas. Defender junto das Finanças um acréscimo substancial de um ano para o outro não é fácil, tem de ter o peso político do próprio primeiro-ministro, mas espero que o consiga.

Ou seja, estas são as medidas que quer ver no Orçamento do Estado. De uma perspetiva realista, podemos esperar vê-las?

Estas têm de estar. Têm de entrar já, nem que seja um sinal. Um programa nacional de realojamento não se faz num ano. Lança-se e depois tem de se alimentar. Ainda se está, neste momento, a fazer o levantamento das carências a nível do país todo. Já fizemos uma vez um programa desses, em 1993, chamado Programa Especial de Realojamento (PER), para a erradicação das barracas. Com o PER, foi feito o levantamento das barracas que havia e não se acompanhou a evolução. É claro que, entretanto, há mais famílias, a vida não parou, as migrações para Portugal não pararam. Não pode ser um programa estanque, há sempre necessidades de realojamento. Na Área Metropolitana de Lisboa, temos situações gravíssimas de pessoas que já chegaram cá depois desse programa de 1993 e que não foram integradas, ou de aglomerados urbanos que se foram construindo e que não foram reconhecidos. O caso mais emblemático é a Cova da Moura, mas não há só uma Cova da Moura, há muitos bairros e temos de olhar para isto com cabeça e incluir esta gente toda no direito à cidade.

E a secretária de Estado está aberta a estas propostas?

Tivemos apenas uma conversa preliminar sobre o Orçamento, mas nada daquilo está fechado. As coisas estão a ser trabalhadas, mas temos de ver quais são as limitações que há e o que é que conseguimos concretizar.

É perfeitamente exequível [baixar o IMI para proprietários que pratiquem rendas exequíveis]. Em Lisboa, já praticamos a taxa mais baixa de IMI, mas não sei se o Estado não poderia prever que ainda se pudesse ir mais abaixo.

Helena Roseta
Há uma outra proposta, apresentada pela Comissão de Acompanhamento do Mercado de Arrendamento Urbano (CAMAU), para a isenção de IMI para os proprietários que pratiquem rendas acessíveis. É exequível?

Temos de cruzar isso com as competências das autarquias, porque são as autarquias que definem a taxa de IMI. É perfeitamente exequível, mas fica na competência das câmaras e das assembleias municipais. É uma proposta que faz sentido, mas também faz sentido as autarquias saberem até onde é que podem ir. Por exemplo, na região de Lisboa, já não temos acesso aos fundos comunitários, portanto, é preciso manter os equilíbrios financeiros. No caso concreto da cidade de Lisboa, já praticamos a taxa mais baixa de IMI, mas não sei se o Estado não poderia prever que ainda se pudesse ir mais abaixo.

Mas, nos benefícios fiscais, temos de inovar, temos de rever os benefícios fiscais que temos dado. No caso de Lisboa, temos dado muitos benefícios fiscais à reabilitação urbana independentemente de saber se a reabilitação urbana é para arrendamento, para habitação permanente, para preços acessíveis. Não se têm cruzado esses dados. Com o novo mandato e com o novo Orçamento do Estado, vai ser preciso fazer essa revisão e ser mais seletivo na concessão de benefícios, dirigir os benefícios fiscais para aquilo que é preciso.

Privilegiar a reabilitação para habitação?

Sim. Os benefícios fiscais em Lisboa, e em muitos outros sítios, derivam do tempo do ex-secretário de Estado João Ferrão. Na altura, ele batalhou para conseguir o estatuto de benefícios fiscais para reabilitação urbana, porque não havia verba para a reabilitação urbana. Estamos a falar de 2006/2007. A reabilitação urbana não se fazia, as cidades tinham prédios a cair, era um outro cenário. Hoje, o cenário não é esse. O cenário já não é tanto de contraciclo, é mais de regulação. O mercado imobiliário e o turístico, que são globais, fazem cada vez mais pressão sobre as cidades, até porque há ferramentas novas. As plataformas de aluguer e as plataformas de divulgação e captação de investimento são globais, não são regionais nem nacionais. Portanto, temos de ter mecanismos de controlo. Os benefícios fiscais têm de ser revistos e direcionados para aquilo que nós pretendemos como prioritário: aumentar o mercado de arrendamento e aumentá-lo com rendas acessíveis e contratos de longa duração.

Os benefícios fiscais têm de ser revistos e direcionados para aquilo que nós pretendemos como prioritário: aumentar o mercado de arrendamento e aumentá-lo com rendas acessíveis e contratos de longa duração.

Helena Roseta
O que são rendas acessíveis?

Em Lisboa, consideramos entre 200 e 400 euros, entre o T0 e o T3. Pode ser um pouco mais e um pouco menos, depende do sítio da cidade. Há duas maneiras de fazer as contas à renda acessível. Ou vamos ver quais são as mais baixas que estão no mercado, descontamos-lhe um bocadinho e dizemos que 30% abaixo desse preço é acessível, ou calculamos com base no que as pessoas ganham e fixamos o preço num máximo de 40% do salário.

Abaixo de 30% dos preços de mercado não é acessível para muita gente.

Não é nada acessível. Do nosso ponto de vista, a definição tem de ser em função dos rendimentos médios. O custo com a habitação não deve ultrapassar os 40% do rendimento familiar. Este é o conceito europeu: quando a taxa de esforço é superior a 40%, considera-se que há uma sobrecarga. Isto tem de ser ajustado local e regionalmente, não é tudo igual. Sendo que, naturalmente, as famílias que estão abaixo dessa média devem ter rendas sociais, em função do seu rendimento. Em Lisboa, temos 20 e tal mil famílias com renda social, fala-se pouco disso, diz-se que não há habitação social. Lisboa construiu muito e tem mais de 20 mil fogos em renda social.

“O choque de rendimentos foi muito grande e sentimos isso imediatamente”.Paula Nunes / ECO
Qual tem sido a evolução das rendas sociais?

Cada vez recebemos menos rendas. A Câmara de Lisboa recebia 20 e tal a 30 milhões de euros em rendas por ano. Nos últimos anos, tem perdido três, quatro ou cinco milhões de euros por ano, devido a pedidos de revisão de renda feitos pelas famílias que perdem rendimento. O choque de rendimentos foi muito grande e sentimos isso imediatamente. Para essas famílias, o objetivo, para além de continuar a praticar rendas sociais, é saber se as famílias conseguem ter rendimentos mais altos altos.

  • Paula Nunes
  • Fotojornalista

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