Nelson Machado (Ageas Vida): Próximo OE tem de estimular a poupança para a reforma

Acredita que com risco controlado se podem obter retornos de 2 a 3% através de seguros, as alternativas estão condenadas a terem rendimento zero. Impostos têm de mudar.

Nelson Machado, CEO Vida e responsável pelo canal bancassurance do Grupo Ageas Portugal: “O crescimento da produção no Ramo Vida também traduz a crescente consciencialização dos clientes já que, para ter níveis adequados de retorno, tem de haver algum risco associado, mesmo que pequeno”.

Está a décadas a puxar pela necessidade de estimular as poupanças dos portugueses seja em pensões seja em seguros que complementem a segurança social, cuja saúde financeira no médio prazo lhe suscita dúvidas. Em entrevista a ECOseguros, Nelson Machado, CEO Vida e responsável pelo canal bancassurance do Grupo Ageas Portugal, fala do crescimento do ramo Vida nos últimos meses, nos investimentos em ativos que considerem valores ESG, nas consequências da pandemia, nos produtos que o Grupo Ageas pretende lançar. Mais, deixa recado ao Governo para o próximo orçamento do Estado e está certo de que aceitando um risco muito controlado, o setor segurador poderá dar retorno positivo às poupanças dos particulares.

O Ramo Vida que estava em declínio de produção e atratividade para pessoas, seguradoras e bancos. Deu nota de inversão de tendência com crescimento anormal de vendas de PPR e Produtos de Capitalização. O que explica esta nova realidade?

Creio que os motivos estão relacionados com o facto de os Bancos “deixarem” de ter oferta, ou haver um desincentivo total com taxas de 0,01%, e também com o facto de as seguradoras, praticamente, não terem oferta de produtos de capitalização ou seguros PPR, com taxas garantidas. A verdade é que, quando têm, apresentam taxas muito baixas, o que contrasta com as boas rentabilidades para prazos longos que os seguros ligados a fundos (os unit linked) têm apresentado, em carteiras com baixa ou moderada exposição ao risco. É importante sublinhar que não foi apenas a Ocidental Vida que cresceu, já que a combinação dos fatores acima levou a um crescimento de quase 200% do mercado (até maio) nos seguros unit linked. Este crescimento também traduz a crescente consciencialização dos clientes já que, para ter níveis adequados de retorno, tem de haver algum risco associado, mesmo que pequeno. De facto, a nossa oferta é, cada vez mais, robusta em seguros ligados a fundos, o que leva a estes resultados, que em termos de rendibilidades têm sido muito atrativos. Em conclusão, apesar dos clientes portugueses terem uma razoável aversão ao risco é cada vez mais claro que para ter uma rendibilidade minimamente atrativa no médio prazo é indispensável assumir algum risco, mas sempre de forma ponderada.

Relativamente a fundos de pensões, o que poderá mudar a realidade e começar a interessar mais empresas e seus colaboradores pela sua constituição e reforço?

Há fundamentalmente dois tipos de Fundos de Pensões, os de Empresas e os Particulares. Para os primeiros trata-se do produto que mais garantias proporciona aos colaboradores, mas que exige maior formalidade e perda de controlo por parte das empresas sem qualquer vantagem fiscal. Devia haver um diálogo entre o Governo e parceiros sociais, isto é, as confederações sindicais e as confederações patronais, para discutir este tema e se criarem condições para um regime equilibrado. No entanto, importa referir que no caso da Ageas Pensões, temos os fundos de pensões Horizonte que tiveram uma revisão das suas políticas de investimento, tendo passado a ter um enfoque de investimento responsável, nomeadamente com a incorporação dos fatores ESG no processo de decisão de investimentos. Um tema cada vez mais premente e que as empresas e colaboradores valorizam no processo de decisão.

Pela sua experiência pode dizer-se que a fiscalidade tem um papel decisivo no desenvolvimento do mercado Vida e Pensões? Que novidades gostava de ver no próximo orçamento do Estado?

Claro que sim. Parece-me que, no próximo Orçamento do Estado, deveria haver uma clara aposta na Poupança de Longo Prazo para a Reforma. E para estes casos, e só nestes, devia haver um benefício fiscal que compensasse o sacrifício de “não consumo” com a contrapartida de melhoria das poupanças das famílias e dos países.

O que mudou com a pandemia em relação aos seguros de Vida em geral e forma de encarar produtos poupança/reforma?

Os efeitos da pandemia de Covid-19 sentiram-se na sociedade e nas famílias, em particular, que passaram a ter maior consciência da importância da proteção. Nesse sentido, os seguros de Vida e sobretudo os de Vida Risco tornaram-se mais relevantes, para assegurar o bem-estar dos nossos clientes. Os Seguros de Vida Risco tipicamente não cobrem apenas os riscos de morte por doença ou acidente, mas também pagam benefícios em vida, nomeadamente capitais em caso de doença grave. Para as seguradoras, a maior relevância deste tipo de seguros consiste num regresso ao seu core business e às competências que dominam pelo que, apesar de todas as incertezas, continua a ser uma área onde não só queremos estar, mas continuar a inovar. Com novos produtos, coberturas diferenciadoras e sempre próximos dos clientes, nomeadamente através dos canais digitais. Relativamente à poupança, e apesar de termos indicadores que apontam para o interesse crescente por parte dos portugueses em reforçar a sua poupança como prevenção do futuro, as reformas ainda são muito baixas e têm tendência a baixar cada vez mais.

O problema da insustentabilidade a médio/longo prazo da Segurança Social agravou-se com a pandemia?

Sem dúvida. O agravamento das contas da Segurança Social resulta da combinação entre a perda de receita e o aumento da despesa. O layoff simplificado e outras medidas similares contribuíram para este desequilíbrio. O pagamento parcial de salários por parte do Estado, aliado à suspensão das contribuições das empresas, tem pressionado a Segurança Social. Outra grande ameaça à solidez financeira do sistema é o aumento do desemprego, e consequente diminuição de contribuições dos trabalhadores, assim como das empresas, que extinguiram postos de trabalho.

Nesta altura a reforma é possível a partir dos 66/67 anos e o valor da reforma é por norma 70/80% do último salário. Se tudo continuar igual qual prevê serem estes parâmetros a um horizonte temporal alargado?

De acordo com o Relatório “Ageing Report 2021”, publicado pela Comissão Europeia no passado mês de maio, a relação entre a primeira pensão e o último salário, que hoje é, em média, de 74%, prevê-se que em 2070 passe para 41,4%.

Os produtos de puro risco têm uma relação direta com crédito à habitação e crédito ao consumo. Há interesse e vontade de fazer crescer este tipo de produtos para além deste habitual?

De facto, os Seguros de Vida Risco atuais servem fundamentalmente para proteger quem concede o crédito e proteger indiretamente as famílias, porque não herdam a dívida. Acresce que, cada vez mais, os portugueses sentem a necessidade de criar condições para que, caso lhes aconteça alguma coisa, as suas famílias fiquem salvaguardadas. Portanto, é importante continuarmos a implementar e a desenvolver este tipo de produtos.

Com baixas taxas de juro nos mercados financeiros que se prevê manterem-se nos próximos anos, como tornar mais atrativos os investimentos em produtos Vida Poupança. Pelo lado da segurança no longo prazo que as seguradoras proporcionam, versus insegurança do setor bancário e da segurança social?

A Poupança exigirá algum risco, no entanto, será pequeno, adequado e bem explicado. Assim podem-se esperar retornos de 2 a 3% ao ano, com possibilidade de haver um ou outro ano menos bom. A alternativa é ter um retorno baixíssimo e inferior à inflação.

Com baixo retorno de investimentos nos mercados financeiros, as restrições autoimpostas aos ativos a incluir em carteiras das seguradoras e dos fundos de pensões, devido a valores ESG mais rigorosos, não são uma agravante para a atração dos produtos?

Acredito que é possível ter uma carteira diversificada com a maturidade adequada e com um nível de risco correto.

Se muitas seguradoras estão a abandonar investimentos em ativos ligados ao carvão e ao petróleo, não é tentador ficar neste mercado? Ou os danos reputacionais podem prejudicar o conjunto do negócio?

Nos últimos anos, tem-se falado muito nas alterações climáticas e na importância da sustentabilidade, em todas as áreas. Assim sendo, é inevitável que haja uma transformação na forma de se fazer negócios. É necessário oferecer novas oportunidades para o futuro em termos de competitividade, inovação, crescimento, prosperidade, segurança, etc., e, principalmente, salvaguardar a estabilidade social e o meio ambiente. Aqui entram as finanças sustentáveis que compreendem qualquer serviço ou produto financeiro que integre critérios ESG (Environmental, Social e Governance) nos modelos de negócio ou decisões das organizações. Estamos todos a caminhar para o mesmo e a lutar por um futuro sustentável, desta forma não faria qualquer sentido começarmos a entrar nesse tipo de mercado. Pode ser tentador para alguns, mas não para nós.

O Grupo utilizava empresas financeiras de escala mundial para gerir as suas carteiras de investimento, mas introduziu a gestão própria. Como está esse processo?

O processo está em andamento. Anteriormente a gestão de ativos – fundos de pensões e carteiras de seguros – estava a cargo da BMO Global Asset Management. Neste momento estamos a internalizar no Grupo Ageas Portugal o grosso dos investimentos.

Como correu o ano de 2020 para o ramo Vida e Pensões do Grupo Ageas Portugal e quais as perspetivas para 2021?

Em 2020, o mercado segurador português sofreu uma forte contração e o Grupo Ageas Portugal encerrou o ano com “um decréscimo no Ramo Vida de 42,8%, para os 801 milhões de euros, mas com uma quota de mercado de 17,6%, superior à do Ramo Não Vida. Apesar deste contexto, o Grupo fechou o ano com resultados sólidos, com um acréscimo de 36% no resultado líquido, um total de 150,8 milhões de euros. Este crescimento deve-se em grande parte à libertação de provisões técnicas dos seguros de Vida, com um impacto nos resultados líquidos de cerca de 36 milhões de euros. Temos consciência que este ano os resultados serão desafiantes porque os efeitos da pandemia ainda se prolongam até ao momento, com muitos sinistros por causa da COVID-19 e com a manutenção de taxas de juro baixas. A aposta na inovação, na sustentabilidade e em soluções diferenciadoras tenham sido essenciais para a resultados de 2020 e sê-lo-ão ainda mais em 2021 e em 2022. Iremos continuar focados em ter propostas de valor que vão de encontro às necessidades dos portugueses, como é exemplo o “Mais Idade Mais” que irá englobar toda a oferta existente para o segmento sénior e também a fomentar a literacia financeira junto dos mais jovens através do concurso Ori€nta-te nas escolas portuguesas.

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