“O pior que Portugal podia fazer era criar a sua própria crise não fazendo investimento”

Em entrevista ao ECO, a líder do Bloco revela como financia o aumento do investimento público e revela que o programa que leva às legislativas não cumpre o Tratado Orçamental.

Depois de uma legislatura em que o investimento público não satisfez os parceiros à esquerda do PS, o Bloco quer que o investimento duplique para 5% do PIB com o Governo que sair das eleições de 6 de outubro. Perante o cenário de arrefecimento da economia, a líder do partido avisa que Portugal tem de aprender com o passado e garante que aquela meta para o investimento público é até cautelosa. Mais: é preciso rever como se reduz o défice.

O Bloco vê o reforço do investimento público como uma questão determinante na próxima legislatura. No programa prevê uma duplicação do valor do investimento para 5% do PIB. Porquê este valor?

Não estamos a propor nada que não tenha sido feito. O valor de investimento que estamos a propor, cerca de 5% do PIB, que daria cerca de 10 mil milhões de euros a valores de hoje, era um valor normal até à entrada de Portugal no euro e foi muito importante para a Saúde, a Educação e as estradas. E foi também o valor do investimento público que no primeiro momento de reação à crise internacional foi utilizado, aliás, um pouco como doutrina europeia e que depois se arrependeu.

Como seria financiado?

Para conseguirmos voltar a esse valor é preciso, por um lado, ter uma visão diferente sobre como se reduz o défice do país e apostar mais no crescimento economia do que na contração da economia. Achamos que, além disso, há matérias fiscais que podem ser diferentes e matérias de investimento, nomeadamente, do sistema financeiros que devem ser diferentes. E não pomos de lado a proposta de reestruturação da dívida que elaborámos, aliás, em conjunto com o PS num grupo de trabalho. Depois, o Governo fez de conta que o trabalho não existe.

O valor de investimento que estamos a propor, cerca de 5% do PIB, que daria cerca de 10 mil milhões de euros a valores de hoje, era um valor normal até à entrada de Portugal no euro.

Catarina Martins

Refere-se a benefícios fiscais?

Benefícios fiscais e não só até porque grande parte do investimento permite pagar-se. Temos dois programas grandes em que mostramos isso: o plano ferroviário nacional e o programa de investimento na habitação, que geram receita. Temos que nos perguntar o seguinte: e se não fizermos esse investimento? É sustentável mantermos a situação em que estamos? Qual é a sustentabilidade para o nosso país de não fazermos esse investimento? E se não o fizermos? Significa que não vamos investir no Serviço Nacional de Saúde e vamos assistir à sua continuidade de degradação? Vamos continuar a assistir ao abandono do território? O que nos propomos é até bastante modesto. As urgências de investimento eventualmente exigiriam até uma opção mais forte do que aquela que nós propomos. Esta faz um correto equilíbrio entre responder ao que o país precisa e as possibilidades que o país tem no quadro em que se move. Nós achamos que Portugal pode ter uma voz ativa nas suas opções. Mas é também suficientemente prudente para não criar uma situação complicada para o país a prazo de gerir.

O programa do Bloco respeita as regras de Bruxelas?

O programa do Bloco não respeita o Tratado Orçamental. É impossível e incompatível. Entretanto a integração do Tratado Orçamental na legislação europeia foi chumbada no Parlamento Europeu ainda no último mandato. De facto está a ser posto em causa. Não podemos propor soluções para o país dentro de quadros que são becos sem saída. Também vemos que na Alemanha estão a discutir que afinal para responder à crise económica aquilo de que vão precisar é de investimento público. Vemos que em vários setores em que existiu uma enorme ortodoxia sobre a ideia de que era possível fazer consolidação com austeridade se percebe agora que não é possível.

Não é uma posição confortável propor um conjunto de medidas dizendo que não cumpre o Tratado Orçamental?

Qual é o país que cumpre o Tratado Orçamental? Porque temos de cumprir? a França cumpre? Não cumpre. A Itália cumpre? Não cumpre. A Alemanha cumpre? Não cumpre.

Um défice abaixo dos 3% do PIB cumprem todos…

Abaixo dos 3% não é isso… Essa regra faz parte do Tratado de Maastricht.

O Tratado Orçamental vai mais longe…

Sim. O que nós dizemos é que falta investimento. O Tratado Orçamental é uma construção política. E ou o nosso país faz parte de uma construção política que dê progresso ou faz parte daqueles que estão a enterrar as democracias europeias.

Parece que o Tratado Orçamental é a fonte de todos os males…

Não é, porque é uma construção de partidos de políticas e de governos nacionais. Foram os vários governos que o quiseram. É muito mais fácil e seguro contrariar o Tratado Orçamental do que contrariar a questão ambiental e das emissões, porque com o clima não podemos negociar. O Tratado Orçamental tem uma série de instrumentos que faz com que as pessoas não vejam futuro.

O Tratado Orçamental é corrigível?

O Tratado Orçamental não serve para absolutamente nada. Houve uma crise financeira internacional em 2007/2008 gravíssima e houve uma série de promessas de criar novas regras para o sistema financeiro para garantir que não havia novas crises. Não foram criadas e foram criadas novas regras para o Estados para garantir que a dívida do sistema financeiro se transformava em dívida dos países à conta de tirar investimento público e rendimentos do trabalho.

O programa do Bloco tem alguma espécie de travão perante as nuvens de abrandamento que têm sido avançadas?

Tem. Face a essa eventualidade qual a responsabilidade do Governo? Parece claro que há a compreensão, nomeadamente na Alemanha de que tem de haver investimento público para evitar esse cenário. O pior que Portugal podia fazer era criar a sua própria crise não fazendo investimento. Temos de aprender com os erros do passado. Há depois algum cuidado que é propormos a recuperação de investimento para 5% do PIB ao ano. E isso é uma proposta cautelosa. Há depois mecanismos necessários para prevenir crises financeiras futuras com alteração no sistema de resolução para não criar mais lesados e garantir controlo público onde há dinheiro público. Queremos fazê-lo já transformando em capital público aquele que é o investimento que o Estado já tem, quer por via do Fundo de Resolução, quer por via dos DTA (Ativos por Impostos Diferidos, na sigla inglesa) que são capital da banca. No Novo Banco em concreto e queremos que, no futuro, isso seja um dado garantido.

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