Ricardo Rio, presidente da Câmara de Braga, defende uma área metropolitana para o Minho e mais poderes. Sobre a PPP do hospital, lamenta a decisão de António Costa, que levou a que terminasse.
O Governo já sinalizou o surgimento de uma nova área metropolitana no país, a somar às de Lisboa e Porto. Numa perspetiva mais pitoresca, poderemos falar da designação, em que se adivinham despiques entre Braga e Guimarães, cidades com grande força no Minho, sobre quem terá batizará a área metropolitana. Ricardo Rio, presidente da câmara de Braga e do Quadrilátero Urbano, que reúne Barcelos, Famalicão, Guimarães e os próprios bracarenses, acredita que área metropolitana minhota será uma realidade no prazo de quatro anos.
Uma estrutura desta envergadura poderia, desde logo, ter dado à região a força necessária para evitar que o Hospital de Braga deixasse de ser gerido em regime de parceria público-privada (PPP), assume o social-democrata, em entrevista ao ECO/Local Online, apontando “razões doutrinárias” à decisão tomada no Governo de António Costa.
A situação atual é pior do que a anterior, considera Ricardo Rio, que salienta que a CUF já considera ter passado o período de nojo da PPP, pelo que vai avançar com um grande hospital privado na cidade.
Na Local Summit, do ECO, há cerca de um mês, o ministro das Infraestruturas, Miguel Pinto Luz, referiu uma terceira área metropolitana que emergirá do Quadrilátero, agora Pentágono. Presumo que já não aconteça neste seu último mandato, mas quando espera que tal se possa concretizar?
Sim, e também o ministro Castro Almeida, que aqui esteve num momento anterior ao acordo de entendimento dos cinco municípios que deu origem a todas as diligências para a formalização do Pentágono. Esteve presente na celebração de um protocolo de colaboração entre a CIM do Ave e a CIM do Cávado, em que esse tema esteve claramente em cima da mesa. Ele próprio reconheceu que Braga seria uma excelente âncora para a criação de uma terceira Área Metropolitana. É, desde logo, muito importante neste momento que nas esferas decisórias em Lisboa se comece a ter consciência da relevância deste território, e de que porventura fará sentido executar algo nesta matéria. Acho que durante esta legislatura, no próximo mandato autárquico, em articulação com os seus protagonistas, essa vai ser uma questão que estará seguramente em cima da mesa.
Sem área metropolitana, estes municípios do Minho têm menos argumentos para executar as políticas públicas?
Obviamente que ficaremos sempre aquém daquilo que seria a realidade se tivéssemos outros recursos e outras competências. Não é por acaso que sou um grande defensor da criação de uma área metropolitana na área do Minho, pegando neste núcleo duro que emerge do Pentágono, e que há-de ser constituída para toda a envolvência, precisamente porque acho que uma estrutura administrativa acaba por dotar o território de mecanismos, quer de financiamento, quer de competências, que são mais ágeis para lidar com determinados assuntos. O facto de não os termos é inibidor do potencial de crescimento e desenvolvimento desse território.
Acredita que neste próximo mandato autárquico, que coincidirá temporalmente com a nova legislatura, se esta não acabar prematuramente, que se concretiza a área metropolitana minhota?
Em primeiro lugar, tem que haver um consenso entre os protagonistas autárquicos. O presidente cessante da Câmara de Guimarães – está também a acabar o seu mandato, como eu – tem uma opinião divergente da nossa. Eu acho que os candidatos que estão neste momento a posicionar-se para liderar a Câmara de Guimarães têm uma posição convergente com a dos outros três municípios e, portanto, acho que essa questão ficará ultrapassada. Depois, faltará a vontade política a nível central e eu acho que ela existe. Há todas as condições para que este projeto possa avançar.
Ainda nesta legislatura?
Ainda nesta legislatura, sim.
Na prática, isso significará o quê para estas centenas de milhar de pessoas? Pensemos em mobilidade. Só nos quatro concelhos do Quadrilátero são 600 mil, mais que a população do Alentejo ou do Algarve. A CIM de Coimbra tem 440 mil pessoas e vai ter um metrobus. Na área Metropolitana de Lisboa existe a Carris metropolitana, com gestão integrada e um passe único de 40 euros que permite utilizar vários tipos de transporte. O que é que vê a acontecer na prática nesta terceira área metropolitana?
A área da mobilidade é um excelente exemplo do que podem ser os ganhos. Na minha perspetiva, a estrutura administrativa ou formal que possa ser aportada é sempre um reflexo de oportunidades de concertação que existem do ponto de vista das políticas e das áreas de gestão do território.
A área da mobilidade é um excelente exemplo disso mesmo. Nós hoje temos concessões que foram feitas por cada uma das CIM, já para não falar da realidade específica de cada um dos concelhos — Braga tem um operador completamente estruturado no território; Barcelos está a montá-lo; Guimarães sempre teve também.
Mas, por exemplo, olhando para o grosso do território que hoje seria abrangido potencialmente pela área metropolitana, nós temos três concessões, no mínimo, de relações intermunicipais completamente fragmentadas. Isso cria muita dificuldade dos pontos de vista da gestão e da capacidade de resposta. Não foi por acaso que o Alto Minho teve durante largos meses, até mais do que um ano, o seu concurso deserto, por não conseguir estruturar uma oferta capaz de atrair concorrentes para esse efeito. Ganhar escala é o mecanismo para facilitar a qualificação do serviço que se pretende prestar às populações, já para não falar dessa dimensão que estava a referir, que é obviamente muito importante, que é a do financiamento.
Nós, tal como o resto do país — e há que realçar a importância dessa medida –, através do PROTransp e do PART acabámos por conseguir reduzir os tarifários para os consumidores finais, para os utilizadores dos transportes, mas numa escala menor do que aquela que acontece nas áreas metropolitanas. O mesmo aconteceu do ponto de vista da alocação de verbas no âmbito dos projetos de regeneração urbana e de financiamentos para a habitação. Aquela comparação que fazia com o Alentejo ou com o Algarve, que são equivalentes, ainda que de menor escala, mas equivalentes do ponto de vista da densidade populacional, àquilo que são os desafios das áreas metropolitanas. Os meios que tivemos de apoio não são os mesmos.
Quando em Lisboa se decide acabar com uma PPP no hospital de Braga, e se ouvem daqui críticas, poderia esta área metropolitana ter-se lançado ela mesmo na gestão de um hospital? É verdade que Loures e Vila Franca de Xira são da Área Metropolitana de Lisboa e nem por isso se impediu o fim da PPP dos seus hospitais. Mas acha que os municípios da área metropolitana minhota poderiam eles mesmos liderar uma PPP na saúde?
É possível. Eu recordo que o Hospital de Braga tinha um alcance, desde o momento em que foi constituído, para um milhão de pessoas. Era o hospital de referência para todo este território, para as três CIM [Comunidade Intermunicipal] que estão aqui em causa. Não numa base de serviço permanente, mas pelo menos enquanto hospital de referência. Essa qualificação do serviço e essa maior articulação nessa área, como noutras, é seguramente uma das possibilidades que pode ser explorada para o futuro.
Os municípios têm todas as condições, sou um grande municipalista, apesar de não o pôr, como disse no passado, em contraponto com a questão da regionalização, eu acho que os municípios têm competências para assumir muito mais protagonismo do ponto de vista da descentralização do que aquilo que tem acontecido, em que nós temos centrado muito em questões de natureza operacional e quase administrativa. O tal efeito de faxineiro que o Rui Moreira tantas vezes falava.
Nós temos massa crítica. Veja-se o que aconteceu ainda recentemente, por exemplo, em termos dos projetos do PRR. Se não fossem os municípios a desenvolver os projetos, a prepararem a infraestruturação de muitos dos investimentos que estão neste momento em curso, em vias de acontecer, eles não existiriam. Também do ponto de vista da gestão, não acho que seja essa a barreira para que haja esse aprofundamento.
Tenho uma visão muito crítica da opção que foi tomada de extinção da PPP. Porque acho que, quer do ponto de vista do nível de serviço, quer do ponto de vista económico e financeiro, a PPP de Braga era um exemplo de sucesso comprovado por vários, não apenas pela perceção dos utilizadores, que é muito importante, mas por muitos estudos independentes de entidades completamente isentas.
Aí poderia ser uma forma de não não ter de ficar sujeito a uma decisão do Estado central. Se há uma PPP ou não há uma PPP para o Hospital de Braga.
Tenho uma visão muito crítica da opção que foi tomada de extinção da PPP. Porque acho que, quer do ponto de vista do nível de serviço, quer do ponto de vista económico e financeiro, a PPP de Braga era um exemplo de sucesso comprovado por vários, não apenas pela perceção dos utilizadores, que é muito importante, mas por muitos estudos independentes de entidades completamente isentas.
Desde a Entidade Reguladora da Saúde ao Tribunal de Contas, a várias outras estruturas que se foram pronunciando, algumas académicas, sobre a dinâmica e a capacidade de obtenção de resultados da PPP e que obviamente se perdeu por uma questão, desde logo, de modelo de gestão. A flexibilidade que hoje existe na gestão do hospital é muito mais limitada do que aquela que existia aquando da existência da PPP. Poderão dizer, “o modelo não é criar uma PPP em que vamos estar a envolver o setor privado, é dar mais competência e mais autonomia à gestão pública”. Pode ser um caminho, mas não estou a ver criar-se esse sistema tão diferente de outras realidades de outros setores públicos, ou de outras áreas de atividade no setor público, especificamente para a área da saúde. Para mim, a pedra de toque são os critérios de monitorização e da valoração do desempenho. Tem que existir, e se calhar isso é o que, no passado, não foi assim tão escrutinado.
Tem que existir mecanismos de controlo daquilo que é o que está contratualizado com o prestador privado que estiver a gerir a unidade, do ponto de vista dos resultados que se pretendam atingir. Se houver esse escrutínio, se houver esse controlo e se esses níveis forem atingidos, não vejo problema nenhum que assim seja.
Mas achou atendíveis as razões invocadas pelo Estado na altura?
As razões foram completamente doutrinárias. Não houve, digamos assim, nenhuma lógica racional para extinguir a PPP.
Houve conversas com presidente da Câmara a explicar o porquê?
Houve e, aliás, não, não foi só com o presidente da Câmara. Eu recordo que nós tínhamos um órgão, que era o Conselho para o Desenvolvimento Sustentável do Hospital de Braga, onde estavam representados todos os agentes de desenvolvimento locais. Estava a universidade, estava a igreja, estavam as estruturas sociais, estavam as associações empresariais e todos unanimemente – unanimemente –, se manifestaram a favor da continuidade da PPP. Aliás, esse órgão era presidido pelo engenheiro Braga da Cruz, ex-ministro do Governo socialista que tinha e que tem julgo eu, uma posição completamente favorável ao modelo das PPP e tentou, junto dos responsáveis, em articulação com todos nós, fazer ver a nossa posição. Ela foi desconsiderada. Obviamente, acho que a solução atual é pior do que aquela que nós tínhamos.
Tínhamos um órgão, que era o Conselho para o Desenvolvimento Sustentável do Hospital de Braga, onde estavam representados todos os agentes de desenvolvimento locais. Estava a universidade, estava a igreja, estavam as estruturas sociais, estavam as associações empresariais e todos unanimemente – unanimemente! –, se manifestaram a favor da continuidade da PPP.
E é recuperável o modelo PPP, eventualmente com o operador que estava?
Com o operador que estava não sei se será, até porque ele próprio, grupo CUF, recentemente anunciou um investimento muito considerável para o concelho de Braga. Disse que estava passado o período de nojo pós PPP, que já podia olhar para Braga com outros olhos, reconhecendo a dinâmica do território e o seu interesse também do ponto de vista económico.
Anunciou para muito breve a concretização de um grande investimento, a criação de um novo hospital, tal como outros privados que nós temos. Aliás, não deixa de ser curioso que apesar de não existir neste momento o modelo da PPP, o serviço público continua, como começou na pandemia e depois prolongou-se, ainda muito dependente da contratualização de alguns serviços no setor privado. Portanto, isso também é algo que nos deve fazer refletir.
E a própria contratualização de seguros de saúde pela população atinge número elevados. Acabamos por ter de alguma forma uma saúde privatizada.
Exatamente.
Voltando ao tema da área metropolitana. Referiu que em Guimarães o atual Presidente não está alinhado. Porquê?
Não está, e já agora diria só num parêntesis rápido, eu diria que pelos piores motivos. Ele invoca muito aquela dimensão que se calhar no passado limitou a possibilidade de crescimento deste tipo de projetos, que é a ideia de que, “ao estar a participar num projeto desta natureza, estou a diluir a importância do meu concelho”. Nós não temos que olhar para isso, mas para a escala e para a capacidade de produzir resultados em todo o território que uma estrutura destas pode aportar. Não estamos aqui numa disputa de capelas para ver se Braga ou Guimarães, ou Famalicão, ou Barcelos, têm mais protagonismo uns do que os outros.
Braga e Guimarães, duas cidades onde, desde logo por motivos culturais, há uma acirrada disputa, já estão no Quadrilátero. Como se pode convencer as populações do benefício de mais um laço, numa área metropolitana?
Em primeiro lugar, com uma clara consciência dos ganhos e do potencial de ganho que existe na agregação e na colaboração. Temos que ser capazes de mostrar qual é a proposta de valor do projeto e demonstrar como é que cada um dos concelhos de per si pode ganhar também com o seu envolvimento no projeto. Acho que é o principal e o maior argumento que podemos trazer.
Depois, temos de ter alguma frieza nesse tipo de disputas. Uma coisa é estarmos a discutir predominâncias em termos desportivos, eu quero que o Braga ganhe ao Vitória, os vimaranenses querem que o Vitória seja o mais importante do Minho. Isso é tudo natural e legítimo. Do ponto de vista dos territórios, não podemos ter essa realidade.
Não há, neste momento, uma competitividade entre Braga e Guimarães. Braga é um concelho substancialmente superior em termos de dimensão, de dinâmica, de presença institucional. Guimarães tem feito coisas extraordinárias em muitas áreas e tem de valorizar e potenciar isso. Não tem de estar a pensar que vai estar permanentemente em disputa com Braga, como Braga também não está em disputa com Lisboa, ou com qualquer com outro concelho a nível internacional.
Estas dinâmicas culturais que existem no território não invalidam o sucesso de entidades intermunicipais?
Não, de todo. Acabam por ser plataformas de colaboração muito específicas. No fundo, caso venha a ser constituída a área metropolitana, a relevância e a importância de uma estrutura como o Pentágono diluir-se-á. Isso é incontornável, mas enquanto espaço de concertação, nunca deixará de ser assim.
E, em termos de nomenclatura, será a área metropolitana do quê? De Braga, de Guimarães? Imagino que possa haver um clubismo logo aí.
Não, Guimarães dificilmente. De Braga poderá ser. Do Minho, também, mas acho que também a questão do batismo nunca poderá ser o óbice à concretização do projeto.
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